
Em abril de 1986, o mundo vivia a expectativa da Copa do Mundo do M�xico, que seria disputada dali a alguns meses e acabaria vencida pela Argentina. O Brasil lutava contra a infla��o galopante e comemorava a cria��o do seguro-desemprego. No entanto, todos esses assuntos se tornaram secund�rios a partir do dia 26 daquele m�s, quando uma falha durante um teste de seguran�a na usina nuclear de Chernobyl causou o maior acidente nuclear da hist�ria. A trag�dia transformou-se em s�mbolo do potencial de destrui��o da energia at�mica.
O n�mero de mortos em decorr�ncia do desastre no norte da Ucr�nia, na �poca parte da extinta Uni�o Sovi�tica, permanece incerto. A Organiza��o das Na��es Unidas afirma que foram 4 mil ao longo dos anos (principalmente devido ao c�ncer), mas a ONG Greenpeace estima 93 mil v�timas. Al�m disso, as consequ�ncias sociais da retirada de mais de 5 milh�es de moradores de �reas vizinhas �s pressas � ainda mais dif�cil de se medir. Pripyat, vizinha � usina, foi totalmente abandonada e hoje permanece como uma cidade fantasma. No plano pol�tico, a radia��o liberada — 400 vezes mais forte do que a da bomba at�mica de Hiroshima — transformou-se em um trauma que ressurge sempre que algum pa�s decide investir na energia nuclear.
Duas d�cadas e meia depois do acidente, as imagens de adultos e crian�as doentes, cidades abandonadas e milhares de corpos pelo ch�o ainda est�o presentes na mem�ria coletiva de boa parte do mundo. O traum�tico acidente, que lan�ou um nuvem radioativa sobre quase toda a Europa, � o principal argumento de quem condena esse modelo energ�tico.
Muitos especialistas afirmaram que a li��o de Chernobyl havia sido aprendida. As usinas, diziam, eram seguras e ainda traziam a vantagem de n�o emitir g�s carb�nico. Mas o terremoto que atingiu o Jap�o em 11 de mar�o, danificando a usina nuclear de Fukushima, por�m, enfraqueceu imensamente esse discurso. “Apesar dos grandes progressos realizados nos �ltimos 25 anos, o recente acidente do Jap�o nos mostra a necessidade de fazer mais para garantir que a seguran�a esteja sempre em primeiro lugar”, afirma o diretor da Ag�ncia Internacional de Energia At�mica (AIEA), Yukiya Amano.

Crise energ�tica
O fato � que o mundo se tornou ref�m da energia nuclear, fundamental para pa�ses como Jap�o, Estados Unidos, Fran�a, e Alemanha. Dados da organiza��o World Nuclear Association mostram que 440 reatores est�o em opera��o no mundo, e mais de 80 est�o em constru��o.
Mesmo precisando de ajuda internacional para se proteger e manter o mundo a salvo das consequ�ncias geradas pelo acidente em Chernobyl (leia ao lado), a Ucr�nia figura entre os pa�ses que mais dependem da energia at�mica, respons�vel por 80% da eletricidade consumida no pa�s. “H� casos em que � imposs�vel adotar outras energias”, justifica o embaixador do pa�s no Brasil, Ihor Hrushko. “Experi�ncias como Chernobyl deram � Ucr�nia conhecimento suficiente para explorar a energia at�mica de maneira segura, minimizando os riscos de acidente. Aprendemos muito com a trag�dia de 1986”, defende.
Por outro lado, as trag�dias nucleares t�m o poder de frear programas nucleares de diversos pa�ses, incluindo o Brasil. Em 1986, o ent�o presidente do pa�s, Jos� Sarney, criou uma comiss�o para a avaliar a seguran�a das usinas de Angra dos Reis. O mesmo aconteceu com usinas russas e americanas. “Compreensivelmente, Chernobyl teve um impacto negativo na opini�o p�blica. O interesse mundial pela energia nuclear diminuiu significativamente ap�s o acidente, mas o �mpeto foi recuperado mais recentemente, devido ao significativo progresso feito no dom�nio da seguran�a nuclear”, relata Amano.
Desligamento de usinas
A trag�dia de Fukushima e a sombra de Chernobyl deram for�a para movimentos contra o uso de energia at�mica ao redor do mundo e levaram pa�ses a repensarem suas pol�ticas energ�ticas. Na semana passada, o senado italiano aprovou um projeto que veta o retorno das usinas nucleares � It�lia. Ontem, milhares de alem�es exigiram o fim imediato da produ��o de energia nuclear durante os tradicionais protestos de P�scoa. Ap�s o desastre de Fukushima, o governo alem�o ordenou o desligamento imediato das sete usinas mais antigas e ditou uma morat�ria de tr�s meses para tra�ar um plano de abandono dessa fonte de energia.
No Brasil, as Centrais Nucleares Brasileiras anunciaram a amplia��o do plano de seguran�a de Angra 1 e 2, com o mapeamento das vias de acesso �s centrais nucleares e a cria��o de um plano de fuga pelo mar, com a constru��o de dois p�eres para facilitar a retirada de moradores e funcion�rios em caso de desastre. “Trag�dias como essas lembram qu�o perigosa a energia nuclear � e como os acidentes s�o destrutivos”, afirma Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Energia do Greenpeace.
Para os cr�ticos da energia nuclear, o recente acidente de Fukushima apenas confirma a li��o aprendida com a trag�dia de Chernobyl. “Na �poca, o atraso tecnol�gico da Uni�o Sovi�tica e as falhas humanas foram colocadas como a raz�o do acidente. No entanto, este ano, ficou provado que n�o � a falta de tecnologia que provoca os acidentes”, afirma Baitelo. “A cada 10 ou 20 anos, eles s�o inevit�veis, por isso � preciso investir em novas fontes de energia”, completa o ambientalista.
Antes de tudo, por�m, o que a popula��o do mundo deseja imediatamente � ser informada corretamente sobre os riscos, como lembrou ontem o presidente russo, Dmitri Medvedev. “A principal li��o das cat�strofes de Fukushima e Chernobyl � que � preciso dizer a verdade”, afirmou em discurso no Kremlin, onde condecorou os “liquidadores” da central ucraniana, como s�o chamadas as pessoas que participaram da descontamina��o da �rea, muitas das quais morreram ou adoeceram devido ao trabalho.
Protesto no Rio
Ativistas do Greenpeace promoveram ontem um protesto em frente � sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) no centro do Rio de Janeiro, pedindo que a institui��o n�o financie a constru��o da usina nuclear Angra 3. Os manifestantes simularam um acidente nuclear, soltando no local uma fuma�a laranja, simbolizando a radia��o.