Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade — e para a ci�ncia. Assim como a caminhada de Neil Armstrong na Lua serviu como um espetacular s�mbolo do avan�o humano, os resultados de um transplante de c�lulas-tronco em um paciente v�tima de trauma raquimedular em Salvador, na Bahia, representam um raio de esperan�a para os parapl�gicos. Seis semanas ap�s ser submetido a um tratamento experimental, ele recuperou a sensibilidade nos p�s e nas pernas e j� consegue movimentar os membros inferiores, mesmo que ainda n�o seja capaz de andar. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores do Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC), parceria entre o Centro de Pesquisa Gon�alo Moniz (CPqGM/Fiocruz Bahia) e o Hospital S�o Rafael, da capital baiana. Pioneira no mundo, a terapia ser� experimentada em 10 ou 12 pacientes ainda neste ano.
O tratamento consiste no implante de c�lulas-tronco retiradas do paciente no local onde a coluna foi lesionada. Os pesquisadores coletam uma amostra de sangue extra�da pelo osso il�aco, que forma a bacia. Contendo c�lulas-tronco adultas da medula �ssea, � encaminhada a um laborat�rio especializado no cultivo das c�lulas-tronco. Esse processo pode levar de tr�s a cinco semanas e aumenta a concentra��o de c�lulas-tronco da amostra de 1% para at� 99%. No Brasil, existem apenas oito laborat�rios que usam esse m�todo. Implantados pelo Minist�rio da Sa�de, s�o os chamados centros de tecnologia celular. Depois de cultivada, a amostra concentrada � reinserida no organismo no local onde ocorreu a les�o. Terminados os procedimentos cir�rgicos, o paciente inicia um tratamento intensivo de sess�es di�rias de fisioterapia, que dura seis meses.
O primeiro a receber o novo tratamento foi um policial militar de 47 anos, v�tima de um acidente que traumatizou a regi�o lombar da coluna. H� nove anos em uma cadeira de rodas, o paciente voltou a ter sensibilidade nos membros inferiores um m�s e meio ap�s a cirurgia. Os pesquisadores est�o animados, mas cautelosos. O paciente consegue pedalar e ficar de p� com a ajuda de um equipamento especial, chamado espaldar, mas n�o � poss�vel prever se ele voltar� a andar.
Para a coordenadora do projeto, a bi�loga Milena Soares, isso depende da fisioterapia e dos resultados de longo prazo, j� que a aplica��o do estudo em seres humanos est� no come�o. Ela e a equipe acompanham o progresso do paciente na etapa fisioter�pica, essencial, porque trabalha a recupera��o da massa muscular. "A inatividade faz com que os membros atrofiem, fiquem pele e osso. As sess�es ajudam a fortalec�-los e a dar ganho de massa muscular."
Otimismo
O estudo est� centrado na melhoria da qualidade de vida dos volunt�rios. Mesmo com os movimentos limitados, o policial submetido ao tratamento j� recuperou boa parte do controle dos esf�ncteres e da bexiga, o que o deixar� livre dos cateterismos para retirada da urina. "O procedimento ainda est� no come�o com seres humanos. Estamos avaliando tudo com muito cuidado, por quest�es de seguran�a", conta a bi�loga. Uma equipe multidisciplinar, composta por neurocirurgi�o, neurologista, urologista, cardiologista e fisioterapeutas, acompanha e avalia os resultados.
Al�m do militar, dois pacientes fizeram a cirurgia de reimplante das c�lulas-tronco na semana passada e as caracter�sticas do p�s-operat�rio foram t�o positivas quanto as do primeiro. "Por enquanto, s�o poucos pacientes, mas ainda n�o tivemos nenhum efeito negativo”, afirma.
A pesquisa do Centro de Biotecnologia e Terapia Celular come�ou h� cinco anos. Os primeiros testes foram realizados em c�es e gatos parapl�gicos, que receberam quantidades variadas de c�lulas-tronco, dependendo do tamanho da les�o. Os animais demonstraram melhora significativa no controle dos esf�ncteres, al�m de recuperarem a sensibilidade nas patas e alguns movimentos, em graus variados. Em camundongos, a aplica��o ajudou a reduzir a fibrose, fen�meno que diminui a passagem dos impulsos cerebrais.
A previs�o � de que o estudo seja conclu�do em dois anos, com a participa��o de 20 volunt�rios parapl�gicos. Para participar, o paciente deve ter entre 18 e 50 anos e apresentar trauma raquimedular com les�o completa (dano neurol�gico no qual n�o existe nenhum grau de atividade motora volunt�ria ou sensitiva abaixo do n�vel da les�o) h� pelo menos seis meses.
Ticiana Ferreira, m�dica que participa da sele��o dos pacientes, explica que os candidatos t�m que apresentar les�o fechada, na qual n�o h� sec��o da medula. "Ela n�o pode ter sido exposta, a fratura n�o pode ser total, a coluna tem que estar apenas lesionada. Por isso, o estudo s� � realizado com pacientes que sofreram queda de uma altura elevada, mergulho em �guas rasas e acidentes desse g�nero." A interven��o ainda n�o � aplicada a v�timas de les�o com arma de fogo ou arma branca. Este tipo � mais profundo, caracterizando a sec��o da medula.
Apesar do elevado n�mero de cartas e e-mails de interessados em participar, o n�mero de pacientes do estudo est� limitado aos 20 volunt�rios j� selecionados. No Brasil, cerca de 40 pessoas em cada milh�o de habitantes s�o v�timas de traumatismo medular anualmente, resultando em um total de 6 mil a 8 mil casos por ano. As les�es s�o mais frequentes no sexo masculino, na faixa et�ria de 15 a 40 anos, e acidentes automotivos s�o respons�veis pela maioria dos casos. M�todos para restaurar a fun��o medular ainda n�o est�o dispon�veis e, atualmente, o caminho para o tratamento � a reabilita��o.
