(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

Registros hist�ricos e antropol�gicos mostram que a magia nasceu com o homem

Hoje, os bruxos fazem sucesso na literatura e no cinema. No passado, por�m, eram temidos e apontados como culpados pela morte de crian�as, por doen�as e perda de planta��es


postado em 27/07/2011 08:24 / atualizado em 27/07/2011 13:53

Os fatos que chegaram aos ouvidos de Giovanni Battista Cybo, papa Inoc�ncio VIII, eram mesmo assustadores. Em todas as regi�es da Alemanha, pessoas do bem se viam assombradas por homens e mulheres – essas, em maior propor��o – que voavam pelos ares, arruinavam rebanhos, secavam planta��es, disseminavam epidemias e matavam s� com o olhar. E n�o era conversa de camponeses ignorantes. As cartas enviadas ao papa levavam as criteriosas assinaturas de Heinrich Kramer e James Sprenger, inquisidores catedr�ticos que dois anos depois lan�ariam um dos maiores best sellers da Idade M�dia: o Malleus maleficarum, ou Martelo das feiticeiras.

Em tempos de despedida de Harry Potter, o bruxinho que ensinou muitas crian�as a ler e agora termina a saga como feiticeiro feito, � dif�cil imaginar que, no passado, a bruxaria era vista como uma realidade. Ao menos, aos olhos de religiosos implac�veis, governantes intolerantes e massas hist�ricas que n�o encontravam outras explica��es para pestes e cat�strofes naturais se n�o nos artif�cios do dem�nio. A partir do s�culo 15, uma epidemia de ca�a �s bruxas tomou conta da Europa, levando milhares ao cadafalso e � fogueira.

De acordo com historiadores e antrop�logos, a magia nasceu com o homem. Registros f�sseis milenares indicam que na pr�-hist�ria as for�as desconhecidas eram convocadas para ajudar no sucesso das planta��es e na cura de doen�as. Na Antiguidade, gregos, romanos, hebreus, mesopot�mios, eg�pcios e povos tidos como b�rbaros, como os celtas, tinham seus rituais consagrados a diversos deuses. Mas s� no per�odo medieval surgiu a figura da bruxa como se conhece hoje: uma mulher geralmente velha e feia, que faz po��es no caldeir�o, voa pelos ares e participa de sab�s, festas demon�acas regadas a maldade e pervers�es sexuais.

O cristianismo demonizou as religi�es polite�stas e, n�o � toa, a representa��o cl�ssica de Sat� � a figura de Cernunno, o deus de chifres dos celtas, respons�vel pela fertilidade e a fartura. Da mesma maneira, alguns estudiosos sugerem que do folclore pag�o surgiram os elementos da bruxa medieval, que perdura at� hoje. Para o professor de hist�ria moderna da Universidade Paris X-Nanterre Jean Michel Sallmann, o voo das feiticeiras � inspirado em Diana, a divindade romana associada � maternidade, que percorria o mundo montada no dorso de animais. Autor do livro Noivas de Sat�, o franc�s diz que a lenda de mulheres voando j� existia na Antinguidade, na literatura romana e na mitologia germ�nica.

Ainda no s�culo 10, o arcebispo de Tr�ves escreveu um manual eclesi�stico no qual narrava esse execr�vel h�bito de mulheres associadas ao dem�nio. “H� mulheres m�s que (…) confessam abertamente que, � noite, montam em certos animais, com uma quantidade enorme de mulheres; e, no sil�ncio das horas mortas da noite, atravessam muitos pa�ses; obedecendo �s ordens de Diana como se ela fosse sua senhora”, alertou R�ginon de Pr�m, no Canon episcopi.

Desconhecimento

Parece improv�vel que homens estudados acreditassem em cenas como essas, que parecem sair diretamente de um filme de terror tipo B. Mas � preciso lembrar que os tempos eram outros. As p�ssimas condi��es de higiene nos amontoados urbanos que surgiam na Europa eram um convite � dissemina��o de doen�as letais e desconhecidas. A medicina apenas engatinhava, os micro-organismos seriam descobertos somente no s�culo 19, e ningu�m conseguia explicar por que, aparentemente do nada, popula��es inteiras eram devoradas por pragas como a peste bub�nica.


Tampouco se sabia o motivo pelo qual tantas crian�as morriam – na Idade M�dia, um ter�o dos beb�s sequer completavam 1 ano. Camponeses perdiam planta��es durante secas ou enchentes imprevistas e era mais f�cil acreditar que o insucesso devia-se a alguma feiti�aria do que a quest�es meteorol�gicas.

“A cultura, na Idade M�dia, foi constru�da sobre funda��es profundamente religiosas. Aqueles eram tempos onde a autoridade religiosa ditava as estruturas sociais e pol�ticas, a ordem hier�rquica familiar, o estado e o cosmos”, recorda, em entrevista ao Correio, a pesquisadora In�s Gon�alves, da Universidade da Madeira, em Portugal. O mundo estava dividido entre duas for�as: o bem e o mal. Pessoas consideradas a esc�ria faziam parte desse segundo grupo. “A maior parte daqueles tachados como bruxos durante a Inquisi��o eram camponeses, principalmente mulheres. Muitas eram velhas e se dedicavam � cura das pessoas com medicina herbal ou mesmo por encantamentos e feiti�os. Elas tamb�m faziam partos. Os camponeses ainda seguiam as antigas religi�es pag�s, que adoravam deuses ligados � natureza”, explica � reportagem Mary Ann Campbell, pesquisadora e historiadora da Universidade de Washington.

Torturas

Esses rituais eram hedonistas, caracterizados por banquetes, dan�as e celebra��es festivas. “Muitos envolviam atos sexuais, alguns inclu�am sacrif�cio humano”, diz Campbell. As festas pag�s podem ter dado origem � mitologia do sab�, o encontro noturno das bruxas, para o qual muitas mulheres acreditavam ter sido carregadas involuntariamente, enquanto outras, sob torturas, confessavam ir por conta pr�pria.

No livro As bruxas e seu mundo, um dos maiores especialistas no assunto, o espanhol Julio Caro Baroja, transcreve o relato de um processo do s�culo 15, em Toulouse, na Fran�a. Ana Maria de Georgel e Catarina, essa �ltima identificada apenas como “mulher de Delort”, foram acusadas de participar de sab�s que ocorriam “sempre na noite de sexta-feira para s�bado”. A narrativa � digna de um conto de terror. Em seu depoimento, Ana Maria declarou que cozinhava “ervas envenenadas e subst�ncias provindas de animais ou de corpos humanos que, numa horr�vel profana��o, arrancava � santa paz dos cemit�rios”. Nas festas, os hereges adoravam o diabo, que aparecia em forma de bode gigante, e cometiam “toda a esp�cie de excessos”.

O uso da tortura fica claro quando os inquisidores afirmam que Catarina jurou inoc�ncia, mas depois “confessou a verdade pressionada pelos meios que est�o ao nosso alcance”. Al�m de participar de sab�s, ela era acusada de fazer cair granizo sobre os “campos de quem n�o gostava”, apodrecer trigos e vinhas, al�m de matar animais. Na It�lia, os benandanti, camponeses que se reuniam � noite para beber e diziam ser capazes de combater bruxas e outros seres demon�acos, tamb�m foram perseguidos, associados ao paganismo e � demonologia.

Na segunda metade do s�culo 17, a epidemia das bruxas come�ou a arrefecer. Com os avan�os da medicina e do Iluminismo, nos 100 anos seguintes, a feiti�aria passou a ser encarada pela ci�ncia e pelo pr�prio clero como supersti��o ou ilus�es mentais. “Mas os bruxos, os alambiques e seus vapores sulfurosos n�o demoraram a ressuscitar, gra�as � imagina��o rom�ntica, assombrada pelas for�as ocultas e pelos esp�ritos invis�veis. Foi provavelmente no s�culo 19 que o estere�tipo da bruxa se imp�s em toda a Europa, mesmo nas regi�es que n�o a tinham conhecido no passado”, explica o historiador franc�s Jean Michel Sallmann. A redescoberta da bruxaria lotou p�ginas de livros e folhetins, e nos s�culos seguintes, as telas de cinema. Harry Potter que o diga.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)