Bruna Sens�ve
Setenta e cinco regi�es no DNA humano podem contribuir para o entendimento das caracter�sticas mais b�sicas das hem�cias, as c�lulas do sangue respons�veis pelo transporte de oxig�nio aos tecidos do corpo. Para chegar a essa conclus�o, cientistas trabalharam exaustivamente. Um cons�rcio internacional reuniu centenas deles em torno do estudo gen�mico de 135.367 pessoas. Antes disso, foi feito o hemograma completo de cada um deles. Os dados das duas an�lises foram cruzados, e pelos resultados alcan�ados, � poss�vel identificar, por exemplo, quando certas doen�as sangu�neas com influ�ncia gen�tica v�o se manifestar. Segundo especialistas, o estudo � a ponta do iceberg das informa��es sobre a fun��o e a forma��o dos gl�bulos vermelhos humanos.
Das 75 regi�es gen�ticas encontradas por apresentar uma significativa associa��o com um ou mais caracter�sticas dos gl�bulos vermelhos, 43 eram desconhecidas. No entanto, a identifica��o de 38 regi�es j� reconhecidas em estudos anteriores pela interfer�ncia na fun��o e na forma��o de hem�cias foi a primeira confirma��o de que os pesquisadores estavam no caminho certo. O segundo passo foi identificar quais os genes de todas as regi�es estavam realmente envolvidos nesses processos. Os estudiosos levaram em conta quatro crit�rios gen�ticos, entre eles a localiza��o do gene na regi�o e sua rela��o para o equil�brio e a express�o da regi�o gen�tica, al�m de descobertas relatadas na literatura acad�mica.
A estrat�gia identificou 121 genes que conhecidamente estavam envolvidos no desenvolvimento e na fun��o hematol�gica, na prolifera��o e na morte celular, al�m de processos imunol�gicos. Alguns deles tamb�m estariam ligados a desordens heredit�rias nos gl�bulos vermelhos, como a eliptocitose (em que as c�lulas t�m o formato de elipse), ovalocitose (c�lulas ovais) e esferocitose (c�lulas esf�ricas). Rela��es com dist�rbios como a anemia hemol�tica e a defici�ncia ou a sobrecarga de ferro tamb�m foram identificadas.
Testes com dois tipos de modelos animais – camundongo e mosca-de-frutas – confirmaram o resultado. Nesses exames, genes foram silenciados, exclu�dos ou expressados em maior ou menor intensidade para que fosse poss�vel identificar a real fun��o deles na caracteriza��o das hem�cias. Mais uma vez, os cientistas conseguiram confirmar as primeiras suspeitas. Segundo o autor principal do estudo, John Chambers, da Faculdade Imperial de Londres, no Reino Unido, as estrat�gias de bioinform�tica usadas para a an�lise gen�mica identificaram um conjunto central de genes, regulados de diferentes formas em c�lulas hematol�gicas precursoras, ou seja, que futuramente se diferenciar�o em hem�cias. S�o as informa��es nessas c�lulas ainda imaturas as maiores candidatas a mediar os efeitos nas caracter�sticas biol�gicas dos gl�bulos vermelhos do sangue.
“No entanto, apesar das nossas extensas an�lises gen�micas, dos dados experimentais e da bioinform�tica, as identidades precisas das variantes causais, das regi�es reguladoras e dos genes continuam a ser determinadas. A identifica��o definitiva vai exigir uma avalia��o experimental mais detalhada”, ressalta. Ainda assim, Chambers acredita que os resultados fornecem novos insights sobre os genes e as variantes gen�ticas que podem influenciar os n�veis de hemoglobina e os �ndices de c�lulas vermelhas do sangue. Um primeiro experimento paralelo j� foi conduzido pela equipe.
Aplica��o cl�nica
Quase 500 pacientes com uma rara doen�a gen�tica sangu�nea conhecida como talassemia major participaram de experimentos complementares ao estudo principal. Popularmente conhecida como anemia do Mediterr�neo, a talassemia � um grupo de doen�as gen�ticas caracterizadas por defeitos na produ��o da hemoglobina, presente nas hem�cias. O tipo major � a forma grave, em que o doente recebeu dois alelos defeituosos, um do pai e outro da m�e, provocando uma anemia profunda e com necessidade de cont�nuas transfus�es de sangue.
Com as regi�es gen�ticas respons�veis pelas caracter�sticas das hem�cias j� conhecidas, os pesquisadores investigaram as associa��es entre os fen�tipos dos gl�bulos vermelhos dos indiv�duos e a patologia. A associa��o com alguns dos locais identificados inicialmente foi confirmada, mas n�o s� isso. O n�vel de risco gen�tico encontrado nos pacientes modifica a gravidade da doen�a por meio de seu efeito sobre os n�veis de hemoglobina ainda no feto, ajudando, inclusive, na previs�o de quando a doen�a alcan�ar� certo n�vel de gravidade que exigir� a primeira transfus�o sangu�nea.
Para a geneticista Ana L�cia Godard, a primeira aplica��o em pessoas com talassemia aponta diversas poss�veis utiliza��es cl�nicas de investiga��es gen�ticas. “Se pegar um estudo como esse, focado em outra doen�a, como o diabetes tipo 1, que acomete crian�as, por exemplo, seria poss�vel descobrir quando a doen�a primeiro se manifestar�.”
Segundo a professora de gen�tica humana Ana L�cia Brunialti Godard, do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o desenho do experimento n�o � novo, j� que a estrat�gia � usada h� muito tempo, mas a quantidade de pessoas analisadas � fenomenal. “Eles vasculharam o genoma procurando variantes gen�ticas chamadas polimorfismos. S�o mudan�as no DNA entre cada indiv�duo que n�o necessariamente conduzem a uma doen�a, mas que em um todo leva a nossa variabilidade fenot�pica, cor dos olhos, por exemplo”, detalha.