
A depend�ncia em internet j� � um assunto bem discutido por psic�logos e psiquiatras, que consideram o v�cio semelhante ao de jogar ou beber. Agora, artigo publicado na revista Israel Journal of Psychiatry and Related Sciences sugere que a rede mundial favoreceu o surgimento de um tipo espec�fico de dist�rbio mental, a psicose de internet. O psiquiatra israelense Uri Nitzan encontrou tr�s casos de mulheres previamente saud�veis que tiveram surtos psic�ticos depois de come�ar a frequentar as redes sociais e salas de chat. Ele defende que pessoas sem muita intimidade com computadores e emocionalmente fr�geis – F., por exemplo, cuidava de um idoso que morreu dois meses antes do surto – ficam mais suscet�veis a confundir realidade e ambiente virtual, a ponto de desenvolver o grave dist�rbio.
“No nosso artigo, descrevemos apenas tr�s casos. � claro que precisamos de estudos mais aprofundados, que incluam um n�mero maior de pacientes. Contudo, del�rios desencadeados pela internet j� foram bem explorados pela literatura m�dica”, observa Nitzan. “Al�m disso, os sintomas apresentados pelas tr�s pacientes encaixam-se perfeitamente no diagn�stico da psicose. Todas elas passavam por momentos dif�ceis em sua vida, tendo uma caracter�stica em comum: estavam tentando se reerguer com o aux�lio da comunica��o mediada pelo computador (CMC).” Esse termo refere-se a qualquer tipo de rela��o interpessoal exercida por meio de m�quinas conectadas remotamente. Redes sociais, chats e servi�os de mensagem instant�nea s�o as mais populares.
O del�rio n�o � uma condi��o exclusiva dos transtornos psic�ticos. O uso de rem�dios e drogas, al�m de tumores no c�rebro, tamb�m podem desencade�-los. Nos casos descritos por Nitzan, por�m, as pacientes n�o tinham contato com narc�ticos nem tinham les�es cerebrais. O psiquiatra tamb�m n�o acredita que os surtos sofridos pelas tr�s possam ser dissociados do uso da internet, da� a defesa de que esse tipo de psicose mereceria uma classifica��o � parte no Manual Diagn�stico e Estat�stico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em ingl�s), um guia organizado pela Associa��o Psiqui�trica Americana e usado por profissisonais de todo o mundo, inclusive do Brasil.
Mensagens cifradas
“Nos tr�s casos, elas afirmaram que os epis�dios psic�ticos estavam intimamente relacionados com a internet. Os surtos giravam em torno de mensagens trocadas em sites, de pessoas que elas s� conheceram no ambiente virtual e de supostos avisos cifrados que chegavam pelo computador”, diz Nitzan. O psiquiatra conta que tentou encaixar os casos nos transtornos de personalidade borderline, no transtorno delusional erotoman�aco – quando a pessoa acredita, erroneamente, que outra est� apaixonada por ela –, na esquizofrenia e no transtorno esquizoafetivo, caracterizado por per�odos de depress�o e mania.
“Por�m, nenhum deles se ajustava. Baseado em nossas experi�ncias profissionais e em consultas que fizemos com outros colegas, nossa impress�o � de que a CMC � capaz de gerar um espectro amplo de fen�menos psicopatol�gicos, que v�o de leves experi�ncias dissociativas a um epis�dio verdadeiramente psic�tico”, diz.
Na aus�ncia de uma classifica��o oficial para a psicose de internet, as tr�s mulheres cujos relatos s�o descritos no artigo receberam diagn�sticos diferentes dos hospitais psiqui�tricos. Enquanto o caso de F. foi considerado um epis�dio psic�tico leve, o de M., de 30 anos, foi classificado como esquizofrenia. A �nica experi�ncia pr�via da mulher com dist�rbios mentais havia sido 10 anos antes, quando, pressionada pelos exames da universidade, passou a sofrer de ansiedade e teve de tomar um antidepressivo, al�m de fazer psicoterapia.
Na �poca em que entrou para o Facebook, M., que tamb�m n�o tinha muita intimidade com a internet e era totalmente leiga em redes sociais, estava separada do marido. Ela adicionou o perfil de um homem casado, que morava no exterior e n�o a conhecia. Esse usu�rio, com quem M. passou a trocar mensagens, tinha o h�bito de postar videoclipes, e foi a� que os surtos come�aram. “Gradualmente, ela come�ou a atribuir import�ncia �s cores, �s palavras e �s m�sicas dos clipes, convencida de que mensagens �ntimas estavam escondidas por tr�s dessas ‘pistas’, imaginando que todas eram destinadas a ela”, conta Nitzan.
“Mergulhei em uma rela��o, comecei a fantasiar sobre o homem e a criar esperan�as. Cheguei a um ponto em que minha correspond�ncia com ele ocupava a maior parte do dia”, confessou a mulher. Ela respondia �s mensagens achando que eram privadas, mas, como era ignorante em tecnologia, descobriu que qualquer pessoa poderia l�-las. M. come�ou a desconfiar de que a mulher ou os conhecidos do “namorado virtual” � que mandavam as mensagens, com alguma inten��o mal�fica. Ela procurava recados dele no r�dio, na televis�o, em an�ncios publicit�rios e acreditou estar sendo perseguida.
Ind�cios fortes
No caso de R., de 30, as alucina��es chegavam a ser f�sicas. A mulher passou a frequentar redes sociais depois que foi demitida. Queria buscar emprego e novos contatos, mas o que encontrou foi um desconhecido, por quem acreditou estar apaixonada. “A um certo ponto, quando interagia pela internet com o homem, ela sentiu as m�os dele tocando suas costas e sua barriga. Essa alucina��o ocorreu diversas vezes, acompanhada de muita ansiedade. Quando foi atendida (no hospital psiqui�trico), n�o conseguia explicar a impossibilidade de aquilo ocorrer. Seu diagn�stico final foi breve epis�dio psic�tico”, recorda Nitzan.
O psiquiatra Tom Heston, da Universidade de St. Louis, concorda que � preciso considerar a psicose de internet como um dist�rbio �nico, para facilitar o diagn�stico e o tratamento dos pacientes. “A comunica��o mediada pelo computador passou por um crescimento explosivo nas �ltimas duas d�cadas. Esse meio relativamente novo de intera��o com os outros tem o efeito �nico de eliminar dicas sociais que normalmente conseguimos captar quando estamos falando com uma pessoa diretamente. Isso pode criar mal-entendidos, erros de julgamento e, em casos extremos, o desenvolvimento de problemas mentais, como psicose”, diz.
“Embora ainda n�o tenha sido definida suficientemente bem para ser inclu�da no DSM, h� ind�cios fortes para consider�-la um novo tipo de transtorno”, defende o m�dico. A psicose � uma condi��o mental severa e se for poss�vel preveni-la, ent�o isso precisa ser feito. No caso da psicose de internet, ela parece facilitada por comunica��es em chats, redes sociais, e-mails etc.. Portanto, � poss�vel prevenir alguns indiv�duos mais suscet�veis por meio de educa��o, explicando a eles as limita��es das rela��es interpessoais on-line”, acredita.
Para o pesquisador Peter W. Halligan, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Cardiff, as alucina��es associadas ao uso da internet precisam ser levadas em conta na avalia��o psiqui�trica para uma indica��o correta de tratamento. “A terapia cogntiva, por exemplo, pode ser extremamente �til para essas pessoas”, afirma. Em 2005, ele publicou artigo na revista Psycopathology no qual tamb�m descrevia epis�dios psic�ticos desencadeados por sites. Em um deles, um homem achou ter descoberto uma rede terrorista e come�ou a imaginar que seu telefone estava sendo grampeado pelas autoridades, que tamb�m teriam instalado c�meras escondidas em sua casa. Assim como no estudo israelense, a falta de intimidade com a tecnologia foi considerada um fator de risco. “Essa � uma linha de pesquisa que merece aten��o. Novos estudos poder�o colaborar para constatar se, de fato, a psicopatia de internet deve ser considerada um fen�meno diferente dos que j� conhecemos”, diz Halligan.
* Os nomes das pacientes n�o foram divulgados pelo psiquiatra