A desnutri��o � a principal causa de mortalidade infantil em todo o mundo. De acordo com a organiza��o M�dicos sem Fronteiras, nove crian�as morrem a cada minuto pela falta de nutrientes b�sicos. O problema tem um forte v�nculo socioecon�mico: onde h� pobreza, desigualdade social e falhas no saneamento b�sico, a defici�ncia alimentar aparece estampada nos rostos e nos corpos ainda em crescimento. Apesar de todo o avan�o alcan�ado nos �ltimos anos, para algumas crian�as desnutridas, aumentar a ingest�o de calorias, ainda que essencial, n�o � suficiente para torn�-las mais saud�veis.
A partir de um estudo conduzido com mais de 300 pares de g�meos no Malawi, um dos pa�ses da �frica com maior taxa de desnutri��o, pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, descobriram que algumas bact�rias que vivem no intestino podem ajudar na instala��o de um quadro de desnutri��o infantil grave, chamada kwashiorkor. Publicada na revista Science de hoje, a pesquisa mostra como altera��es nas comunidades de micr�bios presentes no intestino combinadas a uma dieta pobre em nutrientes conspiram para provocar a desnutri��o aguda nos primeiros anos de vida.
Autor principal do estudo, o m�dico Jeffrey Gordon afirma que o interesse pela linha de pesquisa surgiu baseado em resultados anteriores que revelaram uma liga��o entre a flora intestinal e a obesidade. “Questionei se o inverso poderia ser tamb�m verdadeiro, ou seja, se a disfun��o da microbiota do intestino � uma causa subjacente de desnutri��o”, explica. A partir de uma an�lise detalhada da flora intestinal de todos os pares de g�meos durante os tr�s primeiros anos de vida, os pesquisadores perceberam uma diferen�a expressiva entre o perfil de micr�bios encontrados em crian�as saud�veis e naquelas altamente subnutridas. O fato poderia explicar porque, sob as mesmas condi��es ambientais e nutricionais, um irm�o se torna desnutrido enquanto o seu g�meo permanece saud�vel. A resposta estaria, ent�o, em um padr�o diferente da microbiota de cada pessoa.
Para sustentar a an�lise feita em humanos, os pesquisadores realizaram estudos adicionais com camundongos de laborat�rio. Ao transportar para os ratos o conjunto de micr�bios presentes em crian�as com kwashiorkor, os roedores iniciaram uma perda dram�tica de peso e altera��es metab�licas. A defici�ncia, entretanto, aparecia somente quando eram tamb�m alimentados com uma dieta pobre em nutrientes. De acordo com Alexandre Nikolay, coordenador do servi�o de pediatria do Hospital Santa L�cia, � importante ressaltar que as bact�rias, por si s�, n�o causam desnutri��o. “N�o existe desnutri��o aguda onde h� alimento. Voc� n�o desenvolve a defici�ncia s� porque pegou um tipo espec�fico de bact�ria. � preciso que haja tamb�m uma alimenta��o pobre”, pondera o m�dico.
Amendoim Ainda que n�o seja suficiente para causar o problema, a flora intestinal desempenha um papel complementar na desnutri��o. Ao alimentar os g�meos e os camundongos infectados com uma dieta com alto teor cal�rico e rica em nutrientes, os pesquisadores observaram um efeito ben�fico, por�m tempor�rio e insuficiente para reparar a disfun��o. O tratamento nutricional baseou-se, principalmente, na entrega de alimentos derivados do amendoim, como pastas e �leos, seguindo, por tanto, o protocolo da Organiza��o Mundial da Sa�de que defende a utiliza��o de alimentos terap�uticos prontos para o uso.
Enquanto a dieta especial era administrada, a microbiota de crian�as e ratos desnutridos foi ficando cada vez mais parecida com a de organismos saud�veis e bem alimentados. Al�m disso, os indiv�duos ganharam peso e as altera��es cl�nicas ligadas, por exemplo, ao f�gado e � pele melhoraram. Entretanto, quando voltaram a ingerir somente a comida dispon�vel na comunidade, a combina��o de micr�bios voltou ao est�gio inicial presente no quadro de desnutri��o. “Nossos resultados sugerem que precisamos elaborar novas estrat�gias de repara��o da flora intestinal para que essas crian�as possam experimentar um crescimento saud�vel e atingir o seu pleno potencial”, defende Gordon.
Tuberculose
Doen�a que mata quase 2 milh�es de pessoas anualmente – no Brasil, foram 4,6 mil �bitos e 71.337 casos em 2011 –, a tuberculose � tratada com antibi�ticos que amenizam os sintomas. Por�m, anos depois ela pode voltar. Estudo da Universidade de Stanford indica o motivo da resist�ncia: a bact�ria Mycobacterium tuberculosis que provoca o mal infiltra e se estabelece em uma classe de c�lulas-tronco da medula �ssea. Fazendo isso, tira vantagem da capacidade do organismo de se autorrenovar.
Uso de antibi�tico
Em outro estudo publicado tamb�m hoje na revista cient�fica New England Journal of Medicine, pesquisadores da mesma equipe de Jeffrey Gordon trazem uma nova possibilidade de tratamento para o kwashiorkor, a desnutri��o infantil grave. A resposta estaria no uso de antibi�ticos. Os pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington defendem que as crian�as gravemente desnutridas se recuperam melhor e t�m mais chance de sobreviver quando recebem, al�m dos alimentos terap�uticos, certos antibi�ticos. De acordo com eles, a combina��o de terapias � muito mais eficiente do que a utiliza��o �nica de alimentos terap�uticos prontos para o uso.
A pesquisa envolveu cerca de 2.800 crian�as de Malawi com desnutri��o severa. Cada pessoa recebeu por 30 dias a comida terap�utica, al�m de um placebo ou um antibi�tico oral — amoxicilina ou cefdinir — por sete dias. O resultado mostrou que, em compara��o com o n�o uso de antibi�tico, o cefdinir proporcionou uma queda de 44% da mortalidade infantil por desnutri��o. J� a amoxicilina reduziu em 36% essa mesma estat�stica.
Apesar dos resultados, Benedito Scaranci, pediatra e especialista em nutri��o da Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que � preciso cautela antes de induzir antibi�tico para tratamento de desnutri��o. “Do ponto de vista cl�nico, o que a gente sabe � que os antibi�ticos alteram a flora intestinal para o bem e n�o para o mal. Eles dificilmente agem de forma selecionada para agir somente nas bact�rias nocivas, normalmente matam tudo, inclusive as bact�rias que participam da absor��o de alimentos”, pondera.
Para Scaranci, o uso indiscriminado do medicamento pode causar um efeito contr�rio ao desejado, prejudicanto o organismo da crian�a.“� preciso esperar o amadurecimento dessas pesquisas para ter uma opini�o mais tecnicamente firmada, mas eu escolheria outra linha de pesquisa que tente ver nos alimentos probi�ticos uma solu��o para melhorar a flora intestinal”, defende. (MU)