Paloma Oliveto
Manchas vermelhas na pele, coceira e feridas que podem infeccionar. Para piorar, a dermatite at�pica, tamb�m chamada de eczema, n�o tem cura, e os tratamentos dispon�veis apenas amenizam os sintomas. Por motivos desconhecidos, a doen�a afeta principalmente crian�as: no Brasil, a preval�ncia na faixa dos 6 e 7 anos � de 14,8%; na dos 13 e 14, de 10,3%, segundo o levantamento International study of asthma and allergy diseases in childhood. Nos Estados Unidos, estima-se que at� 20% dos pequenos sofram do problema cr�nico, sendo que, ao longo da vida, mais de 50% deles v�o desenvolver alergias e asma. Estudo publicado na revista Science Translational Medicine descobriu um dos mecanismos por tr�s da doen�a, que pode ser a base para o desenvolvimento do primeiro rem�dio espec�fico para tratar a dermatite at�pica.
Em ratos manipulados geneticamente, pesquisadores da Universidade da Pensilv�nia encontraram uma quantidade anormal de c�lulas linfoides inatas nas les�es que caracterizam o problema. Esse tipo de c�lula foi descoberto recentemente e tem como fun��o proteger a epiderme contra micr�bios. Contudo, quando desregulado, causa inflama��es cr�nicas, o que provoca o eczema. Para verificar se em humanos o processo era semelhante, os cientistas examinaram amostras de tecido cut�neo de pessoas saud�veis e que sofrem de dermatite at�pica. “Constatamos a presen�a de uma concentra��o anormal das c�lulas linfoides inatas nas les�es”, conta David Artis, professor de microbiologia da Faculdade de Medicina Perelman e um dos autores do estudo.
De acordo com o dermatologista Brian Kim, coautor da pesquisa, � o padr�o de ativa��o da c�lula que define se ela vai proteger ou danificar a pele. Como toda doen�a autoimune – na qual o organismo come�a a se autocombater –, n�o se sabe exatamente o que desregula o funcionamento normal dessas estruturas. Altera��es gen�ticas herdadas ou adquiridas por fatores externos aparentemente desempenham um papel importante. Contudo, ao reconhecer o mecanismo que favorece a manifesta��o da doen�a, os pesquisadores acreditam ter dado um passo importante rumo ao desenvolvimento de um rem�dio eficaz, que n�o apenas combata os sintomas, mas evite a prolifera��o das c�lulas. Segundo Kin, outra descoberta importante � que nos ratos, quando eles conseguiam inibir a produ��o das c�lulas, as les�es diminu�am significativamente.
“No momento, a terapia de primeira linha para dermatite at�pica ainda consiste em pomadas de corticoides esteroides. Diferentemente de outras doen�as inflamat�rias, como psor�ase e artrite, que podem ser tratadas com modernos medicamentos biol�gicos, n�o h� rem�dios que tenham como alvo a dermatite at�pica. Nossas descobertas nos d�o a esperan�a de que novas terapias biol�gicas possam ser desenhadas para tratar essa doen�a no futuro”, diz David Artis. Ele esclarece, contudo, que os primeiros resultados ainda precisam ser replicados em laborat�rio antes que se possa pensar em testes cl�nicos, realizados com humanos.
Autor de diversos artigos sobre o tema, o imunologista John Burg, da Universidade de Monash, na Austr�lia, afirma que � preciso encontrar com urg�ncia novos tratamentos para uma condi��o extremamente inc�moda. “Imagine que beb�s com 6 meses de idade j� come�am a ter os sintomas do eczema. A doen�a tem in�cio com assaduras vermelhas e secura da pele das bochechas. Em seguida, pode se espalhar para testa, bra�os e pernas. H� casos severos em que o eczema toma o corpo todo. Al�m da coceira e da apar�ncia desagrad�vel, a doen�a tem outras consequ�ncias graves, como infec��es”, diz.
O especialista explica que a pele � como um muro, com as c�lulas epid�rmicas representando os tijolos, e os �leos e gorduras naturais fazendo o papel da argamassa. “Pessoas com eczema produzem menos ‘argamassa’, significando que as c�lulas da pele murcham, pois perdem a umidade. Como a barreira � menos efetiva, a epiderme fica exposta a fungos e bact�rias, que provocam as infec��es”, diz. De acordo com Burg, entre os 3 e 5 anos os sinais melhoram, mas em alguns casos, a doen�a acompanha o paciente at� a vida adulta. A vermelhid�o pode desaparecer, mas a pele ficar� seca e fina, precisando de hidrata��o constante.
Influ�ncia gen�tica Embora ache importante o desenvolvimento de terapias biol�gicas que evitem a forma��o do eczema, Burg afirma que as pesquisas precisam se intensificar, no sentido de serem identificadas e tratadas as causas da doen�a. “Muitas pessoas com dermatite at�pica v�o desenvolver outras alergias, como rinite e asma. Alguns estudos mostram que at� tr�s em cada 10 crian�as com eczema e hist�rico familiar ter�o alergia a alguns tipos de alimento. Temos motivos para acreditar que a doen�a � gen�tica, ent�o precisamos ir atr�s desses genes para ‘consert�-los’. Essa tarefa, por�m, demanda muito tempo”, reconhece.
De acordo com pesquisadores da Universidade Estadual de Oregon, ao menos um gene j� pode ser associado ao eczema. Os cientistas da Faculdade de Farm�cia descobriram que, quando defeituosa, a prote�na Ctip2 se manifesta muito discretamente, diminuindo a forma��o de gordura na pele. Por outro lado, ela estimula a produ��o exagerada de TSLP, uma subst�ncia secretada pelas c�lulas que est� associada ao processo inflamat�rio. Em pessoas que n�o t�m eczema, os n�veis de TSLP s�o t�o baixos que n�o podem ser detectados em laborat�rio. Contudo, em um experimento, os pesquisadores produziram ratos sem o gene Ctip2, e o que aconteceu foi uma produ��o mil vezes maior de TSLP.
“Basicamente, mostramos que quando o gene n�o funciona adequadamente, al�m de a pele perder a prote��o natural, abre-se o caminho para inflama��es cr�nicas. Com um conhecimento melhor sobre as causas do eczema sob o ponto de vista gen�tico, devemos conseguir personalizar o tratamento, determinar exatamente o que cada pessoa precisa e desenvolver novas terapias”, diz Arup Indra, principal autor do estudo, publicado na revista PLoS One. De acordo com ele, por enquanto, seria vi�vel pensar em pomadas que estimulem a express�o do Ctip2 ou melhorem a produ��o de lip�deos. “Mas, no futuro, um tratamento que modifique o gene tamb�m dever� ser poss�vel”, acredita.