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Estado de Minas

Amn�sia revolucion�ria ajudou no entendimento da mem�ria

H� 60 anos, Henry Molaison perdeu a capacidade de reter informa��es recentes depois de ter parte do c�rebro retirada em uma cirurgia experimental


postado em 07/03/2013 08:52

Durante 55 anos, o americano Henry Gustave Molaison acordou sem saber o que tinha feito no dia anterior. Com QI acima da m�dia e descrito como amoroso, engra�ado e generoso, o paciente H.M. se lembrava do nome da cidade da Louisiana onde seu pai nascera, contava que os Natais em sua casa n�o tinham �rvores enfeitadas e reconhecia artistas e celebridades dos anos 1940. Mas desconhecia completamente eventos que havia vivido algumas horas antes.

Molaison morreu h� pouco mais de quatro anos, sem saber que sua amn�sia significou uma revolu��o para a neuroci�ncia. Mesmo depois de participar de mais de 100 experimentos cognitivos ao longo de d�cadas, n�o conseguia se lembrar disso. Os pesquisadores, por�m, jamais v�o esquec�-lo. Foi gra�as ao paciente H.M. que os mecanismos de armazenamento de fatos cronol�gicos, nomes, objetos – enfim, da mem�ria – come�aram a ser compreendidos.

Antes de Molaison passar, em 1953, por uma cirurgia experimental que removeu uma importante regi�o de seu c�rebro, esse era um conceito abstrato. Os m�dicos sabiam que a mem�ria existia, mas n�o tinham ideia de onde ela estava. Esquecimentos e amn�sia eram tratados mais em consult�rios de psicanalistas do que de neurocientistas. Ningu�m desconfiava da exist�ncia de diferentes tipos de mem�ria: uma de curto prazo, que permite decorar um n�mero de telefone e disc�-lo pouco tempo depois, para ent�o esquec�-lo; e outra de longo prazo, pela qual fatos, nomes e habilidades adquiridas s�o estocados. Os cientistas muito menos podiam supor que a mem�ria de longo prazo tem subdivis�es.

Isso mudou quando Molaison acordou na mesa de cirurgia, depois de ser operado pelo famoso neurocirurgi�o William Beecher Scoville. A especialidade do m�dico eram as psicoses, mas ele estava realizando um procedimento experimental no Hospital de Hartford, em Connecticut, que prometia dar fim � epilepsia. Na pr�-adolesc�ncia, H.M. come�ou a sofrer convuls�es, relacionadas a um acidente sofrido aos 9 anos. Cansado dos acessos cada vez mais frequentes e incapacitantes, aos 27, Molaison aceitou ser operado. Quando abriu os olhos, era outra pessoa.

Hipocampo

Na opera��o, Scoville removeu parte dos lobos temporais e os dois lados do hipocampo. A retirada acabou com as convuls�es, mas tamb�m transformou Molaison em um homem sem passado. “H.M. sentia que estava livre da epilepsia, por isso acreditava que tinha uma vida melhor. Foi uma troca. Digo sempre aos meus alunos: essa cirurgia o livrou da epilepsia, mas a um pre�o terr�vel”, disse a neuropsic�loga Brenda Milner, do Instituto e Hospital Neurol�gico de Montreal, durante uma coletiva de imprensa sobre o legado de Molaison, durante o encontro anual da Associa��o Americana para o Avan�o da Ci�ncia (AAAS), realizado h� uma semana.

A hist�ria de H.M. est� entrela�ada � de Milner. Quando seu paciente apresentou os sintomas de amn�sia anter�grada (a perda da capacidade de reter novas mem�rias), Scoville entrou em contato rapidamente com a neuropsic�loga, que trabalhava em Montreal e era reconhecida como uma das melhores do ramo.

Milner desconfiava de que o hipocampo estava associado ao processo de armazenamento. No mesmo ano em que H.M. fez a cirurgia, dois pacientes canadenses passaram por um procedimento parecido, em que foi retirada uma por��o unilateral dessa regi�o. “Eles ficaram com danos gerais na mem�ria. Especulamos que a raz�o era um dano no hipocampo”, recordou a especialista. Naquela �poca, n�o existiam resson�ncias magn�ticas nem tomografias que pudessem mostrar o interior do c�rebro e suas conex�es.

A psic�loga havia comentado sobre esses casos durante um encontro internacional de neuroci�ncia, no qual Scoville estava presente. “Ele entrou em contato comigo e disse: ‘Acho que vi esse tipo de paciente que voc� descreveu’”, contou. H.M. conseguia se lembrar de tudo que havia acontecido at� tr�s anos antes da cirurgia. Depois disso, as recorda��es pareciam embotadas. Era sinal de que o procedimento tamb�m provocou, com menos severidade, a amn�sia retr�grada, quando o indiv�duo n�o se lembra de fatos ocorridos antes da les�o. O maior problema de Molaison era com o armazenamento de novas mem�rias. Todas as manh�s, era preciso contar a ele o que havia acontecido com seu c�rebro. Os m�dicos que conviveram com o paciente durante d�cadas tinham de se reapresentar diariamente.

Por minutos Milner desenvolveu diversos testes cognitivos que aplicava em H.M. Mesmo depois que ele voltou para os Estados Unidos, a neuropsic�loga cruzava a fronteira para fazer experimentos. Ela notou que o paciente conseguia decorar n�meros e nomes, al�m de reter a apar�ncia de objetos e de faces por alguns minutos. Isso indicava a exist�ncia de uma esp�cie de mem�ria r�pida, que permite recordar ertas coisas por tempo determinado. � a mem�ria de curto prazo. Pouco tempo depois de gravar as informa��es, contudo, Molaison as esquecia completamente. Ele, inclusive, nem se lembrava que tinha feito os testes de Milner. O que acontecia � que ele n�o conseguia converter a mem�ria de curto prazo em de longo prazo, uma evid�ncia do papel crucial do hipocampo — que o paciente n�o tinha mais — no processo de armazenamento das informa��es. At� morrer, aos 82 anos, Molaison s� conheceria um passado: aquele vivido at� tr�s anos antes da opera��o.

Durante as pesquisas, H.M. mostrou que a organiza��o da mem�ria era ainda mais complicada. Um experimento em particular provou que o paciente conseguia reter alguns tipos de novas informa��es, ainda que n�o se desse conta disso. Brenda Milner pediu que ele desenhasse uma estrela, sendo que deveria observar sua m�o e a figura apenas em um espelho. O teste foi repetido por 10 sess�es e, a cada dia, a performance do paciente melhorava. Molaison podia n�o se lembrar que tinha feito o mesmo desenho 24 horas antes, mas o aperfei�oamento de seu desempenho era prova de que o c�rebro estava registrando o aprendizado. O mesmo aconteceu com um andador, que ele precisou usar quando estava mais velho. “Ele n�o entendia por que usava o andador, mas sabia que, se n�o usasse, cairia. Usar esse equipamento pode parecer f�cil, mas h� toda uma habilidade envolvida. Voc� est� em uma cadeira ou na cama, tem de se transferir para o andador, depois manuse�-lo. Ele aprendeu tudo”, atestou Suzanne Corkin, professora de neuroci�ncia comportamental do Instituto Tecnol�gico de Massachusetts (MIT) que come�ou a estudar H.M. em 1967.

Ainda assim, por mais que participasse de testes repetitivos, Molaison jamais readquiriu a capacidade de se lembrar de fatos ou de pessoas. Corkin afirma que H.M. n�o pensava que tinha sempre 27 anos, idade em que fez a cirurgia, mas tinha uma compreens�o errada do tempo. “Voc� poderia imaginar que, quando come�asse a ter cabelos brancos, ele se olharia no espelho e sairia gritando: ‘O que aconteceu comigo?’. Mas n�o era assim. Ele n�o tinha consci�ncia de que j� estava com cabelos brancos at� se ver, mas a imagem lhe parecia familiar”, relatou. De acordo com a neurocientista, H.M. n�o parecia se abalar com o fato de ter envelhecido e at� fazia brincadeiras com isso. No dia seguinte, esquecia que o tempo havia passado, olhava-se no espelho, notava os fios grisalhos e seguia em frente.

 


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