Hormônios produzidos na gestação induzem o remodelamento da cromatina e a reprogramação dos genes nas células mamárias, indica estudo feito por cientistas do Brasil e dos Estados Unidos

Horm�nios produzidos na gesta��o induzem o remodelamento da cromatina e a reprograma��o dos genes nas c�lulas mam�rias, indica estudo feito por cientistas do Brasil e dos Estados Unidos

(Wikimedia)
Estudos epidemiol�gicos indicam que mulheres sem filhos apresentam cerca de quatro vezes mais risco de desenvolver c�ncer de mama na menopausa do que aquelas que se tornaram m�es ainda jovens.

Um artigo publicado recentemente no International Journal of Cancer por um grupo do Fox Chase Cancer Center, dos Estados Unidos, em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ajuda a entender melhor as transforma��es que ocorrem com as c�lulas mam�rias durante a gravidez que as tornam menos suscet�veis ao surgimento de tumores.

A pesquisa foi feita com amostras de tecido mam�rio de mulheres saud�veis entre 50 e 69 anos que j� estavam havia pelo menos um ano sem menstruar. As amostras foram divididas em dois grupos: 42 mulheres que nunca tiveram filhos e foram classificadas como nul�paras e 71 mulheres que tiveram um ou mais filhos e ficaram gr�vidas pela primeira vez aos 23 anos em m�dia (com varia��o de 4,25 anos para mais ou para menos).

Por meio de uma s�rie de an�lises, os pesquisadores buscaram avaliar se havia diferen�as morfol�gicas e no padr�o de express�o dos genes no tecido mam�rio dos dois grupos. Maria Luiza Silveira Mello e Benedicto Campos Vidal, da Unicamp, ficaram respons�veis por avaliar a supraorganiza��o da cromatina no n�cleo das c�lulas.

“A cromatina � a estrutura que cont�m o DNA. Ela forma complexos com prote�nas (entre elas, as histonas) e com diversos tipos de pequenos RNAs. Quando a c�lula entra em processo de divis�o, a cromatina se compacta na forma de cromossomo”, explicou Mello.

As an�lises feitas pelos pesquisadores da Unicamp, com apoio da FAPESP, mostraram que nas amostras dos dois grupos de pacientes havia dois tipos diferentes de n�cleo: um em que a cromatina estava mais frouxa e outro em que o material gen�tico estava mais condensado.

“Nas amostras das mulheres que tiveram filhos, a quantidade de n�cleos com a cromatina mais condensada foi muito maior. Isso sugere que houve uma modifica��o epigen�tica intensa nessas c�lulas e isso permaneceu at� a menopausa”, afirmou Mello.

As modifica��es epigen�ticas correspondem a um conjunto de processos bioqu�micos disparado por est�mulos ambientais que moldam o funcionamento do genoma e, consequentemente, o perfil fenot�pico, por meio da ativa��o ou desativa��o de genes. Metaforicamente, � poss�vel comparar o genoma ao hardware de um computador e o epigenoma ao software que faz a m�quina funcionar.

Entre os mecanismos epigen�ticos conhecidos est�o a metila��o do DNA – que ocorre quando h� adi��o de um grupo metila (formado de part�culas de hidrog�nio e carbono) � base citosina do DNA, podendo impedir que alguns genes se expressem – e a modifica��o de histonas – relacionadas � adi��o ou subtra��o de grupos acetila e metila aos amino�cidos que formam essas prote�nas.

No trabalho realizado no Fox Chase Cancer Center, os pesquisadores focaram sua aten��o em dois tipos de modifica��es de histonas e encontraram um n�mero muito maior de res�duos da prote�na metilados nas amostras das mulheres que tiveram filhos.

“Aos comparar os dois grupos, encontramos diferen�a no padr�o de express�o de 298 genes. H� cerca de duas a tr�s vezes mais genes metilados no tecido das mulheres que tiveram filhos. Isso mostra que a gesta��o induziu uma reprograma��o local e silenciou alguns genes que poderiam ser inadequados, como aqueles relacionados � prolifera��o celular”, afirmou Jose Russo, do Fox Chase Cancer Center e autor principal do trabalho.

Segundo Russo, essas altera��es na express�o dos genes tamb�m modificaram a forma como as c�lulas produzem certas prote�nas e processam o RNA mensageiro.

“A mama ap�s a gravidez adquire uma assinatura gen�mica e um perfil fenot�pico diferente. Acreditamos que s�o essas mudan�as que fazem com que a mulher fique mais protegida contra o c�ncer”, disse.

Gravidez precoce

Os resultados confirmam achados de pesquisas anteriores conduzidas pelo grupo de Russo, segundo os quais as c�lulas da mama s� se diferenciam totalmente quando recebem o est�mulo dos horm�nios da gravidez.

“Descrevemos anteriormente que existem quatro tipos de l�bulos – as estruturas funcionais da mama respons�veis pela produ��o do leite. O tipo um � o mais pobremente desenvolvido, como se fosse uma �rvore sem folhas durante o inverno. O tipo quatro � o mais desenvolvido, seria a �rvore em seu esplendor. Somente no fim da gravidez os l�bulos atingem o n�vel quatro. Durante esse processo, a gl�ndula mam�ria se diferencia. As c�lulas-tronco ali presentes assumem sua fun��o e isso parece induzir o remodelamento da cromatina”, explicou Russo.

Mas para que a gravidez tenha de fato esse efeito protetor, ressaltou o cientista, � preciso que a diferencia��o celular ocorra precocemente, entre 18 e 24 anos. “As c�lulas-tronco s�o mais suscet�veis � a��o de carcinog�nicos, como tabaco, �lcool e radia��o, do que as c�lulas diferenciadas. Quanto antes ocorrer a diferencia��o, portanto, menor � o risco de as c�lulas sofrerem muta��o”, explicou Russo.

Ciente, no entanto, de que a tend�ncia � as mulheres adiarem cada vez mais a primeira gesta��o, o pesquisador tem se dedicado a testar um coquetel de horm�nios capazes de mimetizar o efeito da gravidez e estimular a diferencia��o das c�lulas mam�rias.

“Em ratos j� vimos que isso � poss�vel e de fato confere prote��o contra o c�ncer. Mas em humanos ainda n�o sabemos”, disse Russo.