Se o mestre Ant�nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vivesse no s�culo 21, entre as muitas outras obras que surgiriam pelas suas m�os, uma novidade poderia agu�ar ainda mais sua mente de g�nio: a de que o p� da pedra-sab�o pode virar escultura. A descoberta, que mexe hoje com a realidade de centenas de fam�lia de artes�os em Minas Gerais, veio da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e s� agora recebeu o reconhecimento esperado. H� 10 anos, pesquisas feitas na universidade, em busca de um destino melhor para os res�duos gerados pelo artesanato em pedra-sab�o, evidenciaram que o p� serve de mat�ria-prima para fabrica��o de cer�micas e outros produtos. Diante do invento, o Instituto Nacional de Pesquisa e Inova��o (Inpi) concedeu, em mar�o, o direito de propriedade intelectual (patente) ao projeto, denominado “Processo para desenvolvimento de produtos a partir da aglomera��o de res�duos provenientes do processamento de pedra-sab�o, cer�mica e uso".
Estima-se que na cidade de Ouro Preto e nos seus distritos, regi�o ber�o da pedra-sab�o localizada a 98 quil�metros de Belo Horizonte, mais de 80 fam�lias vivem desse trabalho artesanal. Segundo a prefeitura do munic�pio, n�o h� um cadastro com o n�mero exato da quantidade desses trabalhadores por se tratar de um of�cio informal. O certo � que foi pelas m�os de Aleijadinho que essa mat�ria-prima se eternizou em obras e formas particulares, a exemplo dos profetas, localizados no Santu�rio de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, distante 89 quil�metros da capital mineira. Basta uma caminhada pelas cidades hist�ricas mineiras para apreciar a beleza da pedra transformada em altares, chafarizes e bras�es. Tons que variam do cinza-claro ao verde-escuro em texturas polidas, lixadas, enceradas e que possibilitam in�meros efeitos visuais que encantam os admiradores. Pelo Brasil, obras como o Cristo Redentor, cart�o-postal do Rio de Janeiro, tamb�m receberam o revestimento em pedra, principalmente pelas propriedades de resist�ncia ao tempo.
Mas, mesmo com toda a beleza e particularidade desse material, pesquisas feitas na Ufop enxergaram na arte de transformar a pedra um risco para o meio ambiente e tamb�m para a sa�de p�blica. Esses inconvenientes motivaram o desenvolvimento e a busca por alternativas econ�micas vi�veis. “O trabalho com a pedra-sab�o gera muita poeira, que � acumulada nos fundos dos quintais desses artes�os, se tornando um risco � sa�de das pessoas que sobrevivem desse trabalho. A exposi��o das crian�as e dos adultos ao p� da pedra pode trazer, ao longo do tempo, problemas respirat�rios e outras enfermidades conforme j� constataram outras pesquisas”, diz o respons�vel pelo estudo, Adilson Rodrigues da Costa, engenheiro metal�rgico e professor de sele��o de materiais para projetos de engenharia na Escola de Minas da Ufop.
Res�duos De acordo com ele, outra motiva��o para a busca de destino adequado para o p� da rocha foi o descarte dos rejeitos. O excesso de entulho nos ateli�s e o descarte no solo (fundos dos quintais), aliados � falta de coleta seletiva, trazem s�rias consequ�ncias para o meio ambiente, como a contamina��o das �guas, o assoreamento dos leitos de rios e c�rregos e a polui��o do ar. Diante da quest�o, nos idos de 2000 e 2001 foram feitos estudos para descobrir uma forma de aglomerar o p� e aplicar a ele um tratamento que pudesse produzir pe�as de uso corriqueiro. A partir da�, o primeiro passo foi levantar as caracter�sticas dos p�s dispon�veis. Qualquer projeto que vise ao aproveitamento de determinado bem mineral ou ao reprocessamento de rejeitos e res�duos do setor mineral-metal�rgico tem na etapa inicial a determina��o de suas caracter�sticas (granulometria, composi��o qu�mica e composi��o mineral�gica).
“Fizemos, inicialmente, o que chamamos de classifica��o granulom�trica do p�, a fim de selecionar a faixa de tamanho de part�culas mais adequada � compacta��o seguida de tratamento t�rmico. � algo como um peneiramento seletivo para separar as part�culas de tamanhos indesej�veis ou inadequadas ao processo”, explica o professor. Na etapa seguinte, o p� j� selecionado foi colocado em moldes no formato de pastilhas para revestimento de paredes. “O p� foi compactado a altas press�es e levado ao forno em temperatura elevada, variando de 700 a 900 graus. Com esse aquecimento, a pe�a se consolidou e apresentou propriedades adequadas �s utiliza��es propostas: resist�ncia mec�nica e dureza, principalmente.” Uma vez agregado e compactado, o material ganha resist�ncia pr�xima a das cer�micas comerciais, como a dos revestimentos dispon�veis no mercado. Toda a pesquisa foi conclu�da em 2002, mas somente agora foi concedida a patente. “� um reconhecimento pelo trabalho cient�fico empreendido. Uma vez depositado o pedido de patente no Inpi, o processo de avalia��o � muito demorado, infelizmente”, acrescenta o pesquisador.
Durante a espera pelo processo no Inpi para concess�o da patente, a pesquisa da Ufop foi apresentada a empres�rios do setor de processamento da pedra na busca de futuras parcerias. “O foco na quest�o socioambiental sempre foi enfatizado procurando proporcionar uma forma alternativa de renda para as fam�lias que vivem do artesanato. Procurei empres�rios da regi�o e n�o houve muito interesse. Nem o Minist�rio do Meio Ambiente se manifestou, apesar das tentativas de articula��o”, desabafa o professor da Ufop Adilson da Costa.
Uma das possibilidades � que sejam criadas cooperativas articuladas em torno da ideia de transforma��o dos rejeitos da pedra-sab�o, propriedade de seu inventor em parceria com uma institui��o p�blica. “N�o � uma tecnologia que permita ao artes�o trabalhar dentro do seu ateli� face aos investimentos necess�rios e �s habilidades requeridas. Mas ao articular esse movimento, podem-se criar pequenas ou m�dias estruturas industriais, para que seja poss�vel a produ��o em escala.
Aprova��O Artes�o em Ouro Preto h� 12 anos, Eliomar Ricardo Vila�a diz que descarta o p� gerado com o artesanato da pedra-sab�o em aterros. “Achei o invento interessante, j� tentei fazer isso com resina, mas n�o h� muito valor no mercado. Nesse caso do p� da pedra-sab�o, se houvesse uma f�brica, seria interessante. J� vendemos o p� para fazer talco e massa pl�stica, mas tem que ser de determinada pedra, que tem um tom esverdeado.”
Na opini�o do ge�logo Eduardo Brandau, do Laborat�rio de Materiais de Constru��o Civil, do Instituto de Pesquisas Tecnol�gicas (IPT), de S�o Paulo, qualquer iniciativa de reaproveitamento de res�duos ou subprodutos � bem-vinda. “Existem muitas iniciativas de desenvolvimento de t�cnicas para reaproveitamento de res�duos, mas muitas delas acabam n�o produzindo efeito, n�o s�o vi�veis economicamente. Claro que a preocupa��o principal � ambiental, mas o fator pr�tico e econ�mico sempre � relevante. Se esse projeto resolve as quest�es pr�ticas, econ�micas e de sa�de p�blica, ent�o ser� realmente �til � cadeia produtiva da pedra-sab�o”, opina.
ENTENDA O PROCESSO
» A fabrica��o de pe�as (artesanato, principalmente) em pedra-sab�o gera rejeitos na forma de p� da pedra.
» O p� coletado �, inicialmente, processado por peneiramento.
» A seguir, o p� � compactado em moldes no formato da pe�a final desejada e tratado em fornos
de alta temperatura (acima de 700 graus).
» Ap�s o tratamento, a pe�a tem propriedades adequadas ao uso enquanto revestimento cer�mico, por exemplo.
CARACTER�STICAS
» A pedra-sab�o tem esse nome por se tratar de uma rocha composta essencialmente por talco, mineral de menor dureza na escala Mohs (escala de refer�ncia da dureza de minerais). A pedra � considerada macia e por essa raz�o � f�cil de ser trabalhada manualmente, o que explica o uso na produ��o dos mais variados tipos de objetos. A rocha apresenta varia��es de qualidade e pureza que lhe permitem ser usada como mat�ria-prima em diversos setores da ind�stria.
RIQUEZA QUE VEM DO P�