Humm! Tsc, tsc, tsc... Argh! Os sons emocionais fornecidos por uma pessoa podem mostrar muito mais do seu estado de esp�rito que seu rosto. Ao ouvir o barulho dessa forma de comunica��o, qualquer pessoa pode facilmente identificar as emo��es que ela exprime, como satisfa��o, desaprova��o e nojo, respectivamente. Essas express�es fazem parte de uma heran�a primitiva da esp�cie humana e pode, inclusive, ser compartilhada por outros animais. A pergunta de uma equipe internacional de pesquisadores, no entanto, �: quais delas podem ser encontradas em diferentes culturas e ainda assim manter seu significado original? Quais s�o comuns a todos os seres humanos?
A voz humana � uma das mais ricas fontes de informa��o emocional. As express�es vocais n�o verbais aparecem em duas formas principais: com modifica��es no tom de voz durante a fala e por meio de vocaliza��es n�o faladas, como a respira��o, o choro, suspiros, grunidos, risadas, gritos e solu�os. Em uma nova pesquisa, um grupo de cientistas usou essa gama de possibilidades, com a varia��o de entona��o, intensidade e barulhos produzidos pelo aparelho fonador humano, para reproduzir 18 sensa��es, sendo metade delas positiva e a outra metade negativa. Para a tarefa, foram escalados atores de quatro pa�ses culturalmente distintos: �ndia, Qu�nia, Cingapura e Estados Unidos. Eles foram instru�dos a expressar as emo��es da forma mais convincente poss�vel, como fariam em situa��es reais de emo��o. As vocaliza��es foram ent�o gravadas e apresentadas a 29 volunt�rios suecos.
Os resultados, apresentados na revista Frontiers of Psychology, mostraram que, ao tentar interpretar as emo��es positivas, os participantes suecos tiveram uma taxa de acerto de 39%. O �ndice pode parecer baixo, mas, segundo os autores, ele mostra que os volunt�rios conseguiram muitas vezes reconhecer as vocaliza��es de culturas distintas. Express�es de al�vio foram as mais bem percebidas (70% de acerto), seguidas por lasc�via (45%), interesse (44%), serenidade (43%) e uma surpresa positiva (42%). Felicidade (36%) e divertimento (32%) foram muitas vezes confundidas uma com a outra, o que sugere que elas s�o dif�ceis de separar. Juntas, essas duas �ltimas indicaram uma taxa de 60% de reconhecimento. As express�es positivas menos reconhecidas foram orgulho (22%) e afei��o (20%).
De forma geral, as emo��es mais dif�ceis e mais f�ceis de serem interpretadas eram as mesmas nas diferentes culturas. Segundo os pesquisadores, isso sugere uma consist�ncia intercultural. No entanto, eles observaram alguns casos que chamaram a aten��o. “Por exemplo, os ouvintes suecos n�o perceberam com precis�o vocaliza��es de divertimento feitas pelos atores indianos. Julgaram ser de surpresa”, exemplifica Petri Laukka, principal autor do estudo. Ele ressalta, contudo, que, ainda assim, � dif�cil afirmar que essa dificuldade se deva necessariamente a uma diferen�a cultural. “Temos de levar em conta a possibilidade de os atores indianos simplesmente n�o terem sido t�o bem-sucedidos em retratar o divertimento”, diz.
Os mesmos procedimentos de estudo das emo��es positivas foram realizados para analisar as formas negativas de sentimento. As taxas de reconhecimento se mostraram mais altas (45%) no total. O nojo foi a mais bem reconhecida (63%), seguida pela raiva e pelo medo (57%), tristeza (56%), surpresa negativa (53%) e desprezo (44%). A afli��o (33%) foi frequentemente confundida com medo e tristeza. Outra confus�o comum foi entre vergonha (21%) e culpa (20%). O mesmo fen�meno de variabilidade cultural foi visto para emo��es negativas. Segundo Laukka, os ouvintes suecos tiveram dificuldade especial para reconhecer vocaliza��es de tristeza de indianos e quenianos, e de medo emitidas por norte-americanas e cingapurianos.
Sinais primitivos De acordo com o trabalho de Laukka, vocaliza��es n�o lingu�sticas s�o muitas vezes consideradas uma forma especial e “primitiva” de sinaliza��o da emo��o humana, funcional desde o momento do nascimento e, em muitos aspectos, semelhante a express�es animais. Ao mesmo tempo, estudos anteriores relataram taxas de reconhecimento modestos para afei��o, culpa, orgulho e vergonha. Isso sugeriria que essas emo��es podem n�o estar associadas a vocaliza��es altamente distintas.
“A culpa, o orgulho e a vergonha envolvem reflex�o e avalia��o do ser, o que faz com que essas emo��es sejam mais dependentes das habilidades cognitivas complexas em compara��o com as emo��es b�sicas”, detalha Laukka. As culturas variam sobre como o ser � conceituado, e isso pode levar a interpreta��es culturais espec�ficas de situa��es particularmente relevantes para as emo��es autoconscientes, tais como orgulho e vergonha. “H�, portanto, uma possibilidade de que a vari�ncia cultural seja especialmente marcante para a manifesta��o de emo��es autoconscientes.”
Segundo Orestes Diniz Neto, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo est� inserido na linha de pesquisa da psicologia evolutiva, que surge basicamente da pergunta: quanto do comportamento humano � fruto da cultura e quanto tem uma natureza biol�gica, determinada evolutivamente. “Charles Darwin indica isso quando relata sua viagem a bordo do navio Beagle, por cinco anos, ao redor do mundo. Ele dizia que chegava a v�rios pa�ses, inclusive o Brasil, e n�o conseguia se comunicar com as pessoas por meio das palavras ou mesmo dos gestos”, lembra Diniz Neto. Gestos que podem parecer absolutamente naturais, como virar a cabe�a para a direita e para a esquerda e indicar “n�o”, em outros pa�ses t�m o sentido oposto. “Mas, por outro lado, ele conseguiu entender muito bem as express�es emocionais.”
Na d�cada de 1960, o psic�logo norte-americano Paul Ekman fez uma s�rie de pesquisas interculturais na busca por identificar se as express�es faciais tinham uma natureza culturalmente determinada, como se acreditava na �poca, ou se simplesmente eram uma forma de comunica��o natural. “Ele descobriu que existem algumas express�es emocionais com as quais nascemos, como a raiva, o medo, o desgosto, a tristeza, que s�o, razoavelmente, universais”, conta Diniz Neto. Em estudo posterior, essa teoria foi confirmada pela observa��o de beb�s cegos, sem a capacidade ou a possibilidade de registro de como essas emo��es se apresentam, mas que representam as sensa��es da mesma maneira. “� o que nos leva � convic��o de que uma parte das nossas emo��es s�o realmente marcadas pela nossa biologia e evolu��o.”
Informa��o n�o verbal
“O rosto e a voz s�o as duas dimens�es n�o verbais que trazem a maior quantidade de informa��es. O tom de voz tem uma expressividade muito grande com a ideia de que ela pudesse de fato caracterizar os aspectos emocionais em diferentes culturas. A psicologia evolucionista pressup�e exatamente que todos os comportamentos, as atitudes e as emo��es t�m uma hist�ria evolutiva, e � isso que se percebe em boa parte das pesquisas que s�o feitas hoje. Algumas caracter�sticas t�m uma modula��o, uma variabilidade cultural, e outras muitas, um padr�o universal, compartilhado por diversas culturas entre todos os seres humanos. S�o justamente esses comportamentos que est�o ligados aos mais primitivos, mais biol�gicos, dos seres humanos, e as emo��es entram nessa categoria de manifesta��es que fazem parte da nossa bagagem biol�gica, relacionada � sobreviv�ncia e ao relacionamento social. Na verdade, o que vamos perceber � que a linguagem acaba se sobrepondo a esses aspectos n�o verbais. Normalmente, as pessoas prestam muito mais aten��o no conte�do verbal, e o n�o verbal ocorre de uma maneira subliminar, n�o consciente. Ent�o, as pessoas at� percebem, detectam tudo, mas t�m muita dificuldade de especificar o que est� sendo sentido em algumas situa��es.”