Leonardo Augusto

Um gaiato passa a noite na farra em Salvador e ao nascer do sol rouba o primeiro acaraj� preparado por uma feirante para as vendas do dia. Um erro terr�vel. Na Bahia, todo mundo sabe. O quitute n�mero um a sair da panela tem dono. Vai para Oxum, um poderoso orix� do candombl� que evidentemente n�o gostou nada do comportamento do espertinho. O que se segue � uma persegui��o pelas ruas da capital baiana, com o gatuno tentando salvar a vida fugindo do acaraj� que roubou, agora transformado em monstro por Oxum.
A fic��o se passa no estado do Nordeste, mas foi idealizada e virou um jogo que est� em fase de produ��o por professores e alunos da Universidade Fumec, de Belo Horizonte. Foi batizado de Corra acaraj�, e a expectativa � que at� o fim do ano possa ser acessado nos tradicionais sites especializados em jogos gratuitos. “Muito do que � feito hoje na �rea tem como base os Estados Unidos. Queremos colocar no mercado produtos com a cara do Brasil”, diz Hudson Ludgero Ribeiro, professor do curso de jogos digitais da universidade.
A cadeira tem um laborat�rio que pode ser considerado de ponta para a produ��o do que � conhecido hoje como anima��o com captura de movimento. O sistema utiliza c�meras de alta defini��o para obter imagens que em seguida s�o aplicadas aos personagens das hist�rias que v�o para as telas. As filmagens s�o feitas dentro do laborat�rio com atores, muitas vezes alunos, em trajes especiais equipados nas articula��es com pequenas bolas que funcionam como refer�ncia para as c�meras, possibilitando que as montagens sejam feitas em 3D.

A pr�xima produ��o a ser conclu�da pela escola com o uso do sistema j� tem nome: A primeira perda da minha vida, um curta de 15 minutos com participa��o e a produ��o de integrantes do grupo de teatro Galp�o. A hist�ria � uma adapta��o de um encontro do escritor tcheco com uma garota de 5 anos em Berlim, na Alemanha, que acaba de perder a boneca. A anima��o deve ficar pronta no m�s que vem.
O laborat�rio da Fumec ganhou o atual formato, com o conjunto de c�meras de alta defini��o, h� um ano e meio, conta o coordenador do curso de jogos digitais da universidade, Jo�o Victor Boechat Gomide. Os recursos para a compra do equipamento partiram dos governos federal, estadual e da escola. Tudo muito sofisticado, mas, segundo o coordenador, nada que n�o possa ser dominado. “O aluno que chega aqui n�o precisa nem saber como pegar no mouse. � s� gostar de anima��o.” Os estudantes geralmente assumem tarefas como modelagem de personagens e produ��o de cen�rios, que podem ser originais ou criados a partir de fotos.
Projeto premiado
Entre os projetos j� conclu�dos, professores e alunos do curso colocaram na internet, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um site em que � poss�vel usar gratuitamente um software de captura de movimento para anima��o. “Esperamos que o sistema seja usado por profissionais do mundo inteiro”, diz Gomide. O retorno para a escola, conforme o coordenador do curso de jogos digitais, � a obrigatoriedade de citar a universidade como a desenvolvedora do software.
A pesquisa que originou o site, chamada “Sistema de captura de movimento em tempo real e de c�digo aberto”, foi finalista do Pr�mio Santander Ci�ncia e Inova��o 2012 na categoria Tecnologia da Informa��o. Artigo do coordenador sobre o tema levou ainda o t�tulo de melhor trabalho na �rea de cinematografia digital da International Association for Media in Science (IAMS), em meio a 140 t�tulos de 15 pa�ses. O curso tem hoje 160 alunos e a dura��o � de tr�s anos. A escola vai tentar lan�ar no ano que vem o primeiro bacharelado em computa��o gr�fica do pa�s.
Setor mega-aquecido
O setor de jogos movimenta no mundo cerca de US$ 70 bilh�es por ano, valor superior ao registrado pelo mercado de m�sica e cinema, conforme lembra Jo�o Victor Gomide. No Brasil, afirma ele, o giro ainda � pequeno. “O faturamento no pa�s ainda � baixo por causa da carga tribut�ria e da pirataria.”
Segundo dados da Associa��o Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), o mercado nacional de jogos foi o que mais cresceu em 2012. As vendas alcan�aram R$ 1,6 bilh�o, alta de 60% na compara��o com 2011. O Brasil � o quarto maior consumidor de jogos do mundo. Ainda segundo a entidade, o mercado de trabalho na �rea dever� subir 13,5% nos pr�ximos cinco anos. Os cargos mais procurados s�o os de programadores e designers de jogos para redes sociais e plataformas m�veis. O Brasil tem hoje 35 milh�es de habitantes que usam os chamados games, conforme pesquisa realizada pela Newzoo, empresa especializada no estudo do mercado de jogos.
O pa�s � o quarto no ranking mundial, atr�s da Alemanha, com 36 milh�es, da R�ssia, com 38 milh�es, e Estados Unidos, com 145 milh�es. O levantamento foi realizado em 10 pa�ses e confirmou o posicionamento de pa�ses emergentes em n�veis semelhantes aos de na��es da Uni�o Europeia no uso de jogos digitais.
Mem�ria
Videogames de 1970
A hist�ria dos jogos digitais pode ser contada a partir de um dos primeiros videogames a serem fabricados, o Telejogo, na d�cada de 1970. Eram duas barras em lados opostos da tela da televis�o controladas por pequenas caixas com bot�es semelhantes aos usados para regular o volume de um sistema de som. Eram basicamente tr�s esportes: futebol, t�nis e pared�o. A “bola” era um quadrado que precisava ser rebatido pelas barras. O marco seguinte foi o Pac-Man, da Atari, nos anos 80, um c�rculo amarelo que devorava pastilhas e era perseguido por fantasmas. O comando era dado por uma pequena alavanca com um bot�o vermelho fixado na diagonal. Foi o primeiro jogo a ter produtos tem�ticos vendidos no mercado. Novo salto foi dado pela Nintendo com Mario, o primeiro com narrativa. A princesa, raptada pelo gorila, tinha que ser libertada pelo her�i. Na d�cada seguinte veio a Sega, com o Sonic, inicialmente em 2D, mas que em seguida se transformou no primeiro a ser produzido em 3D. Os controles j� eram bem mais evolu�dos, com cursor e bot�es multifuncionais. Hoje, os jogos mais avan�ados usam sistemas de captura de movimento, com gr�ficos de alta resolu��o.