Isabela de Oliveira
O c�rebro humano tem cerca de 100 bilh�es de neur�nios conectados. Essas c�lulas, no entanto, n�o s�o coladas umas �s outras: elas conversam pela sinapse, um pequeno espa�o em que subst�ncias qu�micas circulam, sendo liberadas e absorvidas. Uma delas � a dopamina. Quando o corpo recebe um est�mulo de prazer — que pode ser uma fatia de bolo de chocolate ou uma droga como a coca�na —, algumas c�lulas nervosas liberam a dopamina, que � absorvida por outros neur�nios que t�m receptores para isso. Assim, a subst�ncia circula e garante satisfa��o � pessoa.
O que os pesquisadores su��os descobriram � que a coca�na desencadeia um processo que resulta na inibi��o de neur�nios que liberam o Gaba, principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central. Essa inibi��o ocorre em uma regi�o espec�fica do c�rebro, conhecida como �rea tegmental ventral (VTA, na sigla em ingl�s).
“A grande novidade do estudo � apontar que a droga age indiretamente no sistema inibit�rio, e n�o t�nhamos conhecimento disso. A coca�na � um estimulante do sistema nervoso e, portanto, ela estimula os circuitos. O que esses pesquisadores viram � que ela estimula o neur�nio dopamin�rgico, mas inibe um outro centro, que tem como fun��o inibir essa excita��o”, explica Rog�rio Tuma, neurologista do Hospital S�rio-Liban�s de S�o Paulo, que n�o participou do estudo.

Esse resultado tamb�m � importante, segundo Rog�rio Tuma. “O estudo mostra que o neur�nio, sob efeito da droga, muda seu comportamento de forma duradoura e, talvez, at� permanente, o que � ruim. Claro que mais estudos precisam ser feitos, mas, se descobrirmos uma droga que iniba a a��o desse neur�nio, vamos diminuir o risco da depend�ncia e diminuir os efeitos da subst�ncia”, avalia o neurologista.
Mais informa��es
Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orienta��o e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), considera o estudo interessante porque ele amplia o conceito da depend�ncia qu�mica. “Antes, s� se falava em receptores de dopamina, mas, agora, sabemos que h� mais coisas no c�rebro acontecendo para que a pessoa fique dependente”, diz. “Hoje, temos um grande questionamento: muitas pessoas consomem drogas, como coca�na e crack, mas nem todas s�o dependentes. Por que uma certa minoria fica dependente dessas subst�ncias? Essa � nossa grande interroga��o”, prossegue.

Na Unifesp, h� estudos que investigam o potencial de subst�ncias usadas no ch� ayahuasca, consumido nos rituais da doutrina do Santo Daime, para frear o desejo pela coca�na e pelo crack. Segundo Xavier, h� pessoas que, ao iniciarem os rituais, abandonam o uso das drogas. “No in�cio, ach�vamos que era a filia��o religiosa, algo relacionado com a f�. Mas descobrimos que n�o � s� isso, pois esses alucin�genos t�m influ�ncia na plasticidade do c�rebro. Hoje, sabemos que eles t�m potencial para futuros tratamentos”, explica o especialista, para quem a depend�ncia � uma mistura de fatores psicol�gicos e biol�gicos.
“Se uma pessoa � submetida ao estresse e nasce no meio da cracol�ndia, vive tensa, com medo de agress�o, h� grandes descargas de adrenalina. O mesmo ocorre em pessoas que t�m pais opressores, por exemplo, ou possuem outros problemas familiares. Isso os leva a uma descarga de alguns horm�nios que tamb�m modificam fun��es cerebrais. As terapias hoje s�o uma jun��o de psicoterapia com rem�dios”, conta.