Isabela de Oliveira

Segundo um estudo publicado na edi��o de ontem da revista Nature por pesquisadores da ag�ncia espacial dos Estados Unidos, a Nasa, o sat�lite MODIS/Terra, um dos mais importantes olhos da ci�ncia no espa�o, tem enviado informa��es imprecisas sobre a Amaz�nia durante a seca. E a respons�vel pelo erro � a ilus�o de �tica: o comportamento da luz em per�odos de estiagem acaba dando a falsa impress�o de que h� mais verde do que realmente existe.
Em an�lises anteriores, cientistas tiveram a impress�o de que a Amaz�nia reagia de uma forma extraordin�ria � seca, inclusive aumentando a cobertura vegetal nos per�odos de estiagem. A nova pesquisa, contudo, mostra que isso n�o ocorre. “Nosso estudo demonstra que a floresta mant�m uma estrutura consistente durante a esta��o seca, indicando que n�o h� nenhuma evid�ncia, por sat�lite, de resposta positiva a condi��es de seca”, afirma Douglas Morton, principal autor do trabalho e estudioso da floresta tropical desde 2001.
Observa��o brasileira
Para L�nio Soares Galv�o, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estudo � importante por trazer dados que colaboram para a discuss�o sobre o grau de resist�ncia da floresta a eventos de secas prolongadas. “Na vis�o de alguns cientistas, essas secas provavelmente se tornar�o cada vez mais frequentes e severas, devido a mudan�as clim�ticas”, lembra.
Galv�o, que n�o participou da nova an�lise, conta que j� havia percebido o problema de leitura de sat�lites em 2011. “Esses resultados s�o concordantes com estudos j� realizados pelo Inpe. O �ndice da vegeta��o parece aumentar porque sua formula��o matem�tica o torna muito dependente da resposta da floresta ao infravermelho pr�ximo e do sombreamento. Esse fen�meno � resultado da geometria de aquisi��o de dados no sat�lite”, afirma.
O brasileiro conta que a primeira vez que o suposto verdejamento fora de �poca apareceu nas revistas especializadas foi em 2007, quando um artigo publicado na revista Science sugeriu que a floresta, ao contr�rio do que poderia se esperar, estava mais verde durante a seca. Os estudos se baseavam em uma das piores estiagens da regi�o, registrada em 2005.
Na �poca, os autores sugeriram que a “onda verde” teria sido causada pelo aumento da disponibilidade de luz – menos nuvens no c�u teriam ajudado as plantas a se proliferarem. “Com base nesses resultados, os autores sugeriram que a floresta poderia ser mais resistente �s anomalias clim�ticas do que imaginado, pois apresentava valores an�malos do �ndice de vegeta��o justamente no per�odo de maior estresse h�drico”, diz Galv�o.
Poss�vel solu��o
No estudo publicado agora na Nature, Douglas Morton e pesquisadores de diversas universidades dos Estados Unidos analisaram tanto as propriedades �ticas de folhas e de copa de �rvores como as mudan�as na incid�ncia da luminosidade solar em diferentes �pocas do ano. Usando uma reconstru��o tridimensional da floresta e um modelo de rastreador de raios de luz, os autores demonstraram que o aumento de verdor n�o ocorre porque nascem mais folhas, mas devido ao aumento da reflex�o de radia��o durante a esta��o seca. Isso significa que o fen�meno � apenas um “ru�do” nas imagens colhidas pelos equipamentos.
Tamb�m pesquisador do Inpe, Luiz Eduardo de Arag�o considera que uma das principais contribui��es dos resultados de Morton � a proposta de corre��o dos dados a partir de uma calibragem das informa��es que chegam � Terra. “(Corrigidos), esses dados teriam menos interfer�ncia do Sol no sensor e, consequentemente, no alvo, que � a floresta. Isso possibilitaria novas avalia��es. Esse sat�lite, l� do espa�o, est� em uma posi��o que, principalmente na seca, � influenciada pela incid�ncia do Sol. Uma padroniza��o na posi��o do sat�lite e do Sol em rela��o aos alvos eliminaria a confus�o e poderia gerar dados mais limpos”, explica Arag�o.
Em outro estudo publicado na Nature, um grupo de cientistas liderado pela brasileira Luciana Gatti, do Instituto de Pesquisas Energ�ticas e Nucleares (Ipen), em S�o Paulo, revela que os extremos clim�ticos observados na Amaz�nia nos �ltimos anos t�m um grande impacto sobre a capacidade de absor��o de carbono do bioma. Caso persistam as varia��es clim�ticas radicais – fortes secas seguidas por per�odos de muita chuva –, a floresta pode chegar ao ponto de liberar mais CO2 do que consegue absorver, alertam os especialistas.
Os pesquisadores centraram as an�lises em 2010 e 2011. No primeiro ano, uma estiagem intensa atingiu a Amaz�nia, que, no ano seguinte, registrou uma quantidade de chuvas maior do que o normal. Durante a �poca chuvosa, a libera��o e o resgate de carbono empataram. A floresta absorveu uma quantidade maior do g�s de efeito estufa do que a lan�ada, mas as queimadas acabaram influenciando para o resultado neutro. Em 2010, todavia, foi vista uma grande queima de biomassa, fazendo com que o CO2 lan�ado para a atmosfera fosse maior. Os resultados sugerem, portanto, que h� risco de a floresta deixar de ser uma combatente do aquecimento global para se tornar uma colaboradora.
Recursos
Para medir a respira��o da floresta, os cientistas avaliaram a qualidade do ar durante sobrevoos na regi�o, al�m de fazer medi��es em terra. No ano mais quente, os inc�ndios soltaram cerca de dois ter�os mais carbono do que no per�odo mais �mido. “Em 2010, foram absorvidos apenas 30 milh�es de toneladas dos 510 milh�es de emitidos, e essa � uma not�cia triste. Descobrimos que n�o � s� a temperatura que influencia o comportamento da floresta, mas principalmente a umidade no solo”, diz Luciana. A pesquisadora afirma que � preciso prosseguir com as an�lises. “Ainda � muito cedo para prever tend�ncias. Precisamos de recursos para continuar.”
Ant�nio Manzi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaz�nia (Inpa), concorda com Luciana. “O tempo (analisado) � muito curto, e, por isso, � importante que esses pesquisadores recebam recursos para continuar o trabalho”, diz. Segundo Manzi, desde a d�cada de 1990, a Amaz�nia est� passando por uma frequ�ncia maior de eventos extremos. “Uma coisa interessante � o que ocorre com o Rio Negro, em Manaus. Uma s�rie de 110 anos mostra uma variabilidade de 10,2m na profundidade durante a seca e nos per�odos chuvosos. No entanto, nos �ltimos 30 anos, essa varia��o saltou para 12m. Isso significa secas mais secas e chuvas mais intensas”, conta o pesquisador. Luciana espera continuar o estudo por mais seis anos, pelo menos, a fim de produzir uma s�rie hist�rica de 10 anos. (IO)