
Com aux�lio da tecnologia que permite criar c�lulas-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em ingl�s) a partir de c�lulas da pele e depois transform�-las em neur�nios, os cientistas do grupo, liderados por Fred Gage, est�o comparando o padr�o de express�o dos genes no c�rebro de humanos com o de seus parentes evolutivos vivos mais pr�ximos: chimpanz�s e bonobos. Tamb�m est�o investigando como isso se reflete no desenvolvimento das c�lulas cerebrais.
Resultados preliminares foram apresentados pela brasileira Maria Carolina Nasser Marchetto, ex-bolsista da FAPESP que desde 2005 integra a equipe do Salk Institute, durante o evento “Advanced Topics in Genomics and Cell Biology”, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com apoio da FAPESP.
Em entrevista � Ag�ncia FAPESP, Marchetto afirmou que os conhecimentos gerados por esse tipo de estudo podem ajudar a identificar os genes importantes para a cogni��o, que seriam alvos terap�uticos para doen�as como autismo, esquizofrenia e Alzheimer.
Ag�ncia FAPESP – Que pesquisa voc� apresentar� neste evento?
Maria Carolina Nasser Marchetto – O projeto usa a tecnologia IPS para entender quais s�o as diferen�as entre n�s, humanos, e nossos parentes evolutivos mais pr�ximos ainda vivos – os chimpanz�s e os bonobos. Em vez de usar essa tecnologia para responder a d�vidas sobre uma doen�a, tentamos responder a d�vidas sobre a evolu��o.
Ag�ncia FAPESP – Que tipo de d�vidas?
Marchetto – Sob o ponto de vista da conserva��o gen�tica, somos muito parecidos. H� cerca de 98% de semelhan�a entre o genoma humano e o de primatas n�o humanos. A pergunta que tentamos responder �: o que nos torna diferentes? Como somos neurocientistas, acreditamos que grande parte dessa diferen�a esteja no c�rebro, uma vez que a fisiologia dos demais �rg�os � muito conservada nos mam�feros. Estudos que comparam c�rebros de humanos e de chimpanz�s apontam para diferen�as em rela��o ao n�mero de neur�nios, aos tipos de neur�nios existentes e ao grau de arboriza��o dos dendritos. Algumas estruturas presentes no c�rebro dos humanos n�o est�o no de chimpanz�s, principalmente no c�rtex. Como a �rea de Broca, ligada � linguagem. Ent�o nossa ideia � comparar a morfologia e o funcionamento de neur�nios humanos com a de neur�nios de chimpanz�s e bonobos – em ambos os casos os neur�nios s�o obtidos com a tecnologia IPS. � um projeto explorat�rio, cuja ideia inicial � investigar o que existe de diferente entre esses dois sistemas.
Ag�ncia FAPESP – E quais os resultados at� o momento?
Marchetto – Ainda na fase de pluripot�ncia – antes de induzir a diferencia��o em c�lulas progenitoras – j� vimos diferen�a na express�o de duas prote�nas: a APOBEC-3B e a PIWIL2. Esses dois fatores, que atuam como freios que limitam o pulo de elementos m�veis no genoma – tamb�m chamados genes saltadores –, est�o aumentados nas IPS humanas. Isso significa que humanos t�m controle maior na mobiliza��o de elementos geradores de variabilidade gen�tica. J� em chimpanz�s e bonobos essas prote�nas est�o pouco expressas e, portanto, eles t�m um genoma mais variado geneticamente. Ou seja, se compararmos dois chimpanz�s de regi�es vizinhas na �frica, eles ter�o mais diferen�as gen�ticas entre si do que eu, na Am�rica, e uma pessoa da �frica. Publicamos em um artigo na Nature a hip�tese de que para a evolu��o cultural humana acontecer n�s abrimos m�o de um excesso de evolu��o gen�tica. Ou seja, durante o processo evolutivo, o gen�tipo humano foi ganhando variabilidade at� um momento em que se atingiu um ponto ideal e, ent�o, surgiram mecanismos para conter a evolu��o gen�tica e, paralelamente, come�ou a acontecer a evolu��o cultural.
Ag�ncia FAPESP – Voc�s j� chegaram ao ponto de induzir a diferencia��o em neur�nios e comparar c�lulas humanas com as de primatas n�o humanos?
Marchetto – Sim. Partimos da premissa de que se h� 98% de similaridade entre humanos, chimpanz�s e bonobos, haver� um ou outro gene codificador de prote�na diferente, mas n�o ser�o muitos. A grande diferen�a estaria na din�mica de express�o dos genes. Estudos feitos com tecido cerebral post-mortem mostraram que os genes expressos no c�rtex pr�-frontal em humanos e chimpanz�s s�o muito parecidos durante os primeiros anos de desenvolvimento. Ao que tudo indica, a express�o de v�rios genes come�a mais cedo em chimpanz�s e vai diminuindo com o tempo, enquanto em humanos ela tem in�cio mais demorado, mas continua evoluindo e os neur�nios continuam a adquirir caracter�sticas de maturidade por mais tempo. N�s estamos investigando por meio de experimentos in vitro e in vivo como isso ocorre.
Ag�ncia FAPESP – De que forma?
Marchetto – Transplantamos c�lulas progenitoras de neur�nios humanos e de chimpanz� no c�rebro de camundongos e avaliamos o est�gio de desenvolvimento dos neur�nios ap�s duas, quatro, seis, oito, 19 e 26 semanas. Comparamos, ao longo do tempo, caracter�sticas morfol�gicas que demonstram o grau de maturidade, como o tamanho do corpo da c�lula, o comprimento do dendrito e o grau de arboriza��o. Olhamos tamb�m para a densidade de spines, que s�o os locais onde ocorre a libera��o de neurotransmissores – o que permite a comunica��o entre os neur�nios. Quanto mais maduro � o neur�nio, maior � o n�mero de spines. As an�lises feitas na segunda semana revelaram que o neur�nio humano est� menos desenvolvido que o do chimpanz�. Entre a sexta e a oitava semana a rela��o come�a a se inverter. Os neur�nios de chimpanz� permanecem no est�gio de desenvolvimento em que estavam, �s vezes at� regridem, enquanto as c�lulas humanas continuam se desenvolvendo at� a 26ª semana.
Ag�ncia FAPESP – E quais s�o os resultados in vitro?
Marchetto –Acabamos de receber os resultados dos testes e ainda vamos analisar. Mas estamos olhando a express�o de RNA mensageiro – que � o que vai dar origem �s prote�nas – para ver se h� diferen�a. In vitro � mais dif�cil analisar por um per�odo prolongado, pois os neur�nios n�o t�m suporte suficiente para sobreviver at� 26 semanas. Mas conseguimos chegar at� oito semanas. Tamb�m � mais dif�cil avaliar morfologia in vitro porque temos uma salada mista celular. J� in vivo estamos comparando apenas os neur�nios piramidais do c�rtex.
Ag�ncia FAPESP – Qual � o passo seguinte?
Marchetto – Esses dados preliminares abrem diversos caminhos a serem investigados. Na parte de c�lulas pluripotentes, por exemplo, pretendemos descobrir por que aquelas duas prote�nas est�o menos expressas em chimpanz�s e bonobos. O que est� regulando esse processo? Tamb�m estamos estudando c�lulas de um grupo de pacientes brasileiros descoberto recentemente que apresentam uma muta��o e n�o expressam a prote�na APOBEC-3B. Vamos criar c�lulas IPS desses pacientes para estudar o que acontece com esses elementos m�veis do genoma sem essa prote�na.
Ag�ncia FAPESP – Que tipos de benef�cios esse conhecimento sobre a diferen�a entre c�rebro humano e de primatas n�o humanos pode oferecer?
Marchetto – Se conseguirmos entender como ocorreu a evolu��o e quais s�o as diferen�as entre humanos e chimpanz�s, fica mais claro quais s�o os genes importantes para a cogni��o. Isso ajuda a identificar alvos terap�uticos para doen�as que afetam a cogni��o. � um conhecimento de ci�ncia b�sica que facilita, por exemplo, o processo de desenvolvimento de novas drogas.
Ag�ncia FAPESP – Al�m disso, voc�s utilizam a tecnologia de c�lulas IPS para estudar as doen�as que afetam o c�rebro?
Maria Carolina Nasser Marchetto – A grande dificuldade que enfrentamos ao estudar doen�as neurodegenerativas, neuropsiqui�tricas ou doen�as do desenvolvimento – como autismo – � n�o saber com exatid�o qual � a muta��o envolvida. Isso dificulta, por exemplo, a cria��o de modelos animais para estudo de mecanismos ou para testes de novas drogas. Mas a tecnologia IPS permite usar c�lulas do pr�prio paciente como modelo de estudo e, portanto, a muta��o certamente estar� presente – ainda que n�o saibamos aonde. Pegamos uma c�lula da pele do paciente, induzimos a pluripot�ncia e depois a diferencia��o em c�lula progenitora de neur�nio e, em seguida, neur�nio. Isso permite, por exemplo, comparar neur�nios de um grupo de volunt�rios com uma forma grave de autismo – pacientes que n�o falam e que t�m o c�rebro aumentado ao longo do desenvolvimento – com c�lulas de um grupo controle, considerado neurot�pico.
Ag�ncia FAPESP – Quais caracter�sticas s�o comparadas?
Marchetto – O n�mero de conex�es de cada neur�nio, o n�mero de divis�es celulares e o padr�o de comunica��o neuronal s�o alguns exemplos.