
A estrat�gia deu certo. Em 2008, os vampiros ainda jaziam em suas antigas covas. Foram descobertos por arque�logos que escavavam um cemit�rio medieval. No meio dos trabalhos, eles se depararam com algo completamente inesperado: tr�s corpos sujeitados a um tratamento post-mortem nada ortodoxo. Dois, pertencentes a adultos, tinham foices na regi�o da garganta. O terceiro, de um jovem, havia sido amarrado e, em sua boca, os alde�es encerraram uma enorme pedra. Em uma terra onde o folclore dos mortos-vivos � extremamente arraigado, os pesquisadores n�o tiveram d�vidas: aquele era um enterro de vampiros.
“Entre 2008 e 2012, foram escavados 285 corpos em Drawsko, de todas as idades e sexos. Desses, pelo menos seis eram o que chamamos de ‘enterro de depravado’, ou seja, funerais que diferem do ritual padr�o de uma determinada cultura. No caso do leste europeu, os enterros de depravados ocorriam, quase que exclusivamente, quando morria algu�m que eles acreditavam correr risco de se tornar vampiro”, explica o antrop�logo polon�s Marek Polcyn, pesquisador da Universidade de Lakehead, no Canad�. Na revista Plos One, o especialista em cultura europeia pr�-hist�rica e medieval publicou um artigo no qual analisa o contexto hist�rico do estranho rito de sepultamento daquelas pessoas.
Os seis esqueletos estudados, todos muito bem-preservados, haviam sido submetidos a diversos rituais. Um deles estava com uma foice na garganta e outro no abd�men — uma tentativa de remover a cabe�a ou abrir o intestino caso tentassem sair da sepultura. Dois tamb�m tinham pedras sob as bochechas, provavelmente para bloquear a garganta ou evitar que mordessem v�timas. Em outra cova, h� medalhas de S�o Benedito — muito associado � luta contra a malignidade — e moedas. Acreditava-se que esses objetos afastariam os esp�ritos ruins.
Polcyn conta que a no��o de vampiros, j� presente em culturas pag�s na antiguidade romana, grega e eg�pcia, alcan�ou o leste europeu por volta do s�culo 11. O pr�prio termo “vampiro” tem origem prov�vel em express�es usadas na regi�o, como vampir e upir, usadas para designar depravados. Eram esp�ritos que reanimavam corpos e provocavam estragos entre os vivos. Tamb�m se usava a palavra para aqueles que, por motivos diversos, pareciam “em risco” de se tornar vampiros, depois de mortos. Essas eram as pessoas que recebiam os estranhos enterros.
Estrangeiros suspeitos “Particularmente, aqueles que eram marginalizados em vida, por terem uma apar�ncia f�sica estranha, praticarem bruxaria, morrerem primeiro durante epidemias de praga, cometerem suic�dio, n�o terem sido batizados, nascerem fora do matrim�nio ou n�o pertencerem �quela comunidade, eram os mais suscet�veis de serem considerados vampiros”, observa Polcyn. No caso do cemit�rio de Drawsko, acreditava-se que os corpos do per�odo p�s-medieval — foram datados como sendo dos s�culos 17 ou 18 — eram de outsiders, afirma o pesquisador. Como n�o exibiam deforma��es ou sinais de terem sido vitimados pela praga, a explica��o inicial para o r�tulo de vampiro foi a de que, provavelmente, eram estrangeiros.
Por volta dos anos 1600, havia at� 8 milh�es de habitante na Wielkopolska (Grande Pol�nia), regi�o geogr�fica onde fica o vilarejo rural de Drawsko. Boa parte dessa gente migrou para l�, fugindo de persegui��o religiosa ou motivada por quest�es econ�micas. Os grupos diversos se avolumavam desde o s�culo 14, e foi esse influxo o respons�vel pela composi��o multi�tnica da Pol�nia, composta por lativianos, ruterianos, t�rtaros e arm�nios. Al�m dos povos tipicamente do leste, alem�es, holandeses e judeus de diversas partes do Velho Mundo migraram para o nordeste polon�s, no fim do per�odo medieval.
N�o se sabe como a popula��o de Drawsko lidou com as mudan�as em sua identidade cultural, diz Polcyn. “Como os outsiders eram considerados mais suscet�veis ao vampirismo depois da morte, havia a hip�tese de que as v�timas de rituais apotropaico (aqueles que visam afastar a malignidade) fossem imigrantes”, conta. Para validar essa teoria, a equipe de pesquisadores fez testes qu�micos, analisando os is�topos radiog�nicos presentes nos dentes dos esqueletos. Esse material � usado amplamente em pesquisa arqueol�gica porque d� ind�cios do tipo de plantas e animais consumidos pelo indiv�duo, permitindo, dessa forma, estimar a regi�o geogr�fica da qual ele vinha.
Contudo, nenhum dos esqueletos avaliados exibiu sinais de ser de fora da Grande Pol�nia. Aquelas pessoas pertenciam � comunidade e outro motivo, al�m da desconfian�a com estrangeiros, a deforma��o f�sica ou a morte por uma epidemia est� por tr�s da acusa��o de vampirismo. Provavelmente, jamais se saber� a raz�o. “Hoje sabemos que vampiros n�o existem, mas muitos estudos mostram que, por um bom per�odo da hist�ria, as pessoas acreditavam neles”, observa o arque�logo e antrop�logo Matteo Borrini, da Universidade de Floren�a. Ele foi um dos cientistas italianos a analisar os vampiros de Veneza. “Muitos eram, na realidade, pessoas que n�o estavam de acordo com as regras sociais: de ad�lteros a pag�os”, diz.
FALSAS EVID�NCIAS
Hoje, pode parecer inacredit�vel a cren�a em vampiros. Contudo, at� o in�cio do s�culo 19, a medicina ainda engatinhava, e a pr�tica forense era quase inexistente. A apar�ncia dos corpos em decomposi��o poderia ser id�ntica � do que se esperava de um vampiro. Com direito a dentes compridos, filetes de sangue na boca e at� barulhos assustadores quando o cora��o era espetado pela estaca. Algumas vezes, quando exumados, os cad�veres estavam em perfeito estado de conserva��o.
No livro Vampire forensics (Vampirismo forense, tradu��o livre), o escritor Mark Collins Jenkins conta que nem sempre a decomposi��o do corpo ocorre como o esperado. Embora, geralmente, a putrefa��o comece no quinto dia ap�s o enterro, isso pode variar muito, dependendo das condi��es locais, como calor e umidade, e da forma como o corpo foi preparado. Al�m do que, a maioria das exuma��es aconteciam pouco tempo depois da morte do suposto vampiro, j� que bastava algu�m morrer e um familiar ou vizinho ficar doente ou ter pesadelos com o defunto para que se suspeitasse do falecido.
J� os mortos enterrados em ambientes �midos e pantanosos podem sofrer uma rea��o qu�mica natural, chamada saponifica��o ou adipocra, que impede a putrefa��o. Dessa forma, o cad�ver n�o se decomp�e, mesmo passados s�culos. Uma outra explica��o cient�fica para a conserva��o de corpos � a coreifica��o, processo pelo qual a pele fica parecendo couro curtido, quando o morto � enterrado em um caix�o de zinco.
Quanto � apar�ncia dos dentes e ao fato de as unhas crescerem, isso � ilus�rio, afirma Jenkins. O que acontece � que a pele ao redor se contrai, fazendo com que os dentes, as unhas e os cabelos pare�am maiores. O barulho resultante da estaca enfiada no cora��o do “vampiro” � mais f�cil ainda de explicar. “Martelar uma pe�a de madeira na cavidade peitoral de forma violenta pressiona os pulm�es e for�a o ar para fora. Anormal seria se n�o se produzisse qualquer barulho”, diz o escritor. J� o filete de sangue perto da boca, sinal de que o vampiro saiu para se alimentar, � um fen�meno comum. O corpo em decomposi��o produz um fluido escuro que costuma escorrer pela cavidade oral ou pelas narinas. “Facilmente pode ser confundido com o sangue consumido por um vampiro”, constata Jenkins. (PO)