Isabela de Oliveira

Segundo um estudo publicado na revista Science por pesquisadores envolvidos no projeto, os instrumentos do Curiosity detectaram no Planeta Vermelho a presen�a de metano, g�s relacionado � atividade biol�gica. Al�m disso, uma an�lise mais detalhada do solo confirmou, como se suspeitava, a presen�a de mol�culas org�nicas, compostas por carbono e hidrog�nio. Somados a ind�cios anteriores de que j� houve �gua l�quida em abund�ncia na superf�cie marciana, o dado refor�a ainda mais a possibilidade de que, no passado, as condi��es para brotar a vida existiam no mundo vizinho.
A an�lise das informa��es, entretanto, � cautelosa porque, mesmo aliadas, essas descobertas n�o s�o provas definitivas de que o planeta j� foi habit�vel. Apesar de mol�culas org�nicas serem os blocos da vida, eles podem existir sem ela. E a detec��o de metano, por enquanto, levanta mais d�vidas do que respostas e ainda coloca em xeque os atuais modelos te�ricos utilizados para estudar outros planetas. A confus�o vem do fato de os n�veis do g�s encontrados serem menos da metade do que o esperado segundo o projetado para os processos de produ��o do g�s conhecidos, como a degrada��o por radia��o ultravioleta (UV) de poeira interplanet�ria ou de material org�nico — mas n�o vivo — levado a Marte por meteoritos que se chocam contra ele.
D�vidas
As novas informa��es s�o resultado de 20 meses de coletas feitas por instrumentos a bordo do Curiosity na Cratera Gale, onde o laborat�rio-rob� pousou. Esses dados mostraram que, ap�s 60 dias marcianos (um dia de Marte tem 48 minutos a mais do que na Terra), a presen�a de metano sofre curiosos picos que elevam em 10 vezes a quantidade do g�s na atmosfera. Depois, tudo volta a um n�vel mais baixo. No estudo, os autores apontam que o dado � surpreendente, pois a dura��o do g�s � de aproximadamente 300 anos. O esperado, portanto, era que os n�veis de metano diminu�ssem s� ap�s esse per�odo, e n�o em um intervalo de dias, como foi constatado. A dist�ncia entre as medi��es mais altas do g�s foi de 300m, e elas desapareceram ap�s o rob� se deslocar por um quil�metro.
Christopher Webster, principal autor do estudo, n�o acredita que o metano seja produzido por fontes independentes porque os ventos do terreno t�m velocidade m�dia de 7m/s, o que significa que eles poderiam, facilmente, cobrir todos os pontos em dois minutos. Tudo isso sugere um evento de curta dura��o, que poderia ser fraco, e originado na pr�pria cratera ou muito forte, vindo de uma regi�o mais distante. O cientista, entretanto, n�o sabe exatamente as causas dos processos nem especula se indicam vida. “Nossas medi��es abrangem um ano completo em Marte e indicam somente que tra�os de metano s�o gerados no planeta por mais de um mecanismo ou por uma combina��o de mecanismos, incluindo a pr�pria produ��o do g�s e a libera��o de reservat�rios passados e presentes, ou ambos”, diz.
Douglas Galante, pesquisador do Laborat�rio Nacional de Luz S�ncrotron (LNLS/CNPEM) e do N�cleo de Pesquisa em Astrobiologia da Universidade de S�o Paulo, traduz as suposi��es do autor do estudo: uma possibilidade seria as rochas da superf�cie de Marte soltarem o g�s retido ao longo dos mil�nios ou o metano estar se desprendendo de elementos org�nicos levados ao planeta por meteoritos e asteroides que se chocam contra ele. Uma outra possibilidade seria alguma fonte bi�tica, caso haja micro-organismos no subsolo, ser a produtora do metano. “Aqui na Terra isso acontece, por exemplo, no fundo dos mares, com arqueias metanog�nicas (um tipo de micro-organismo)”, afirma.

Segundo Rafael Sfair, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Guaratinguet�, ainda � cedo para entender o que est� acontecendo com o metano em Marte. Ele tamb�m reitera que n�o h� como dizer que a presen�a do g�s seja resultado de atividade biol�gica ou de vida, presente ou passada. Sfair explica que �gua em forma l�quida, cujos vest�gios j� foram rastreados em Marte, e metano, juntos, s�o indicadores de habitabilidade. O problema, ele diz, � que as vari�veis n�o est�o em sincronia. “Agora, tem metano, e antes tinha �gua. Mas, para ter vida, � preciso que eles ocorram simultaneamente. A atividade biol�gica produz metano, mas para ter atividade biol�gica � preciso �gua l�quida. Teve �gua l�quida h� muito tempo, e isso n�o implica que vai ter vida agora. Precisa ser tudo ao mesmo tempo.”
DUAS PERGUNTAS PARA...
Marcos Rincon Voelzke - professor dos programas de mestrado
e doutorado em ensino de ci�ncias e matem�tica da Universidade Cruzeiro do Sul, em S�o Paulo
1) Os dados fornecem pistas sobre a vida em Marte?
Aqui na Terra, a maior quantidade de metano vem dos seres vivos. Se a gente achar metano em Marte, pode ser que existam seres vivos liberando esse g�s l�, mas os laborat�rios daqui demonstram claramente que mat�ria org�nica n�o viva tamb�m tem condi��es de produzi-lo. O estudo n�o fala nada sobre vida, mas a gente sabe que, cerca de 4 bilh�es de anos atr�s, Marte tinha �gua em sua superf�cie. Pode ser que nessa �poca existisse vida e que esse metano seja proveniente da mat�ria org�nica que existia naquela �poca. Mas isso � conjectura. Como a forma��o da Terra primitiva teve �gua no estado l�quido, radia��o eletromagn�tica dos raios e trov�es e aquecimento com a grande atividade vulc�nica, imaginamos que esses tr�s fatores juntos d�o origem � vida. Isso, contudo, � em fun��o do que a gente conhece, porque pode existir um ser com outra constitui��o qu�mica, que n�o precisa respirar nem de �gua. Mas a gente n�o procura isso.
2) Quais s�o as implica��es pr�ticas desse estudo?
Os modelos te�ricos previam uma quantidade maior de metano, mas o rob� mediu menos. Isso significa que os modelos s�o muito bons quando voc� n�o conhece as coisas, mas os dados observacionais suplantam a teoria. As medidas, pelo menos na cratera, v�o fazer com que os modelos sejam reajustados. Isso n�o significa, entretanto, que Marte todo seja assim. �s vezes, esse g�s � regional e localizado. Pode ser uma condi��o da cratera, e os pesquisadores aventam a possibilidade de ela ter sido criada por um cometa ou meteoro que atingiu a parte interna do planeta. Nesse caso, ela iria, aos poucos, liberando o metano que foi trazido pelo objeto. Os dados s�o inconclusivos, mas s�o inovadores porque foram coletados in loco e revelaram algo inesperado.