
Pedro Henrique Almeida de Oliveira � gay. Hoje ele sabe que isso � natural e at� sente orgulho. Mas o jovem de 23 anos precisou percorrer um longo caminho at� chegar a esse est�gio. E seu maior obst�culo estava justamente onde ele buscaria acolhimento: em casa, com a m�e.
“Ela me levou para um campo de futebol e come�ou a falar. Fez um c�rculo no ch�o e disse assim, com um graveto: ‘Aqui � a sociedade’. A� fez um tri�ngulo no meio, tipo uma porcentagem: ‘Essa margem � a minoria, que tem gay, ladr�o, sapat�o, tudo que n�o presta. A maioria � a sociedade em que a gente vive. Voc� quer viver comigo na maioria ou que a minoria?’”, narra o morador de Cabo de Santo Agostinho, munic�pio da regi�o metropolitana do Recife.
A not�cia de que Pedro era gay chegou at� a m�e por meio de outra pessoa. Na �poca, com medo, ele, com 18 anos, negou que era homossexual. “Eu pensava o que tinha de errado comigo, o que eu era, pensava que era uma aberra��o”, recorda. Tr�s meses depois tentou o suic�dio, cansado de reprimir at� a forma de andar para que ningu�m desconfiasse de sua orienta��o sexual. Sobreviveu a tudo isso e resolveu assumir para si e para a fam�lia que era gay.
As consequ�ncias ele vive at� hoje. A maioria dos parentes maternos n�o fala mais com Pedro; ouviu xingamentos de v�rios deles. A madrinha parou de pagar sua faculdade de gastronomia. E n�o tardou para que sua m�e o colocasse para fora de casa pela primeira vez. O abrigo veio da av� paterna. “Ela disse que jamais iria me abandonar, que jamais me deixaria sozinho. Eu esperava ouvir isso da minha m�e, mas veio de uma pessoa mais antiga. Ela deixou o amor falar mais alto.”
Mona Migs
Pedro, atualmente estudante t�cnico de um curso de cozinheiro, conseguiu abrigo e apoio, mas milhares de jovens que s�o expulsos de casa por sua orienta��o sexual n�o t�m a mesma sorte. Pensando nisso, um grupo de oito estudantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) criou o Mona Migs, uma plataforma que pretende unir homossexuais desabrigados a pessoas dispostas a ceder um espa�o tempor�rio.
A ideia surgiu em uma competi��o promovida pela universidade no fim de abril. Grupos de estudantes precisavam montar uma startup (ideia inicial de neg�cio que pode vir a gerar lucro) em 54 horas. “Alguns dos integrantes passaram pela situa��o de querer ajudar uma pessoa que havia sido expulsa de casa por conta de ser LGBT [sigla para L�sbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual]. E na competi��o aconteceu que este integrante pensou em conectar os dois lados”, conta Wallace Soares, desenvolvedor da plataforma online.
Dispon�vel no Facebook e com site em fase de testes, o Mona Migs deve ser inspirado num projeto de hospedagem solid�ria. “No geral, funcionar� mais ou menos como o Couchsurfing [surfando no sof�, em portugu�s]”, compara B�rbara Lapa, respons�vel pela �rea de neg�cios da startup, ao mencionar um site em que as pessoas oferecem hospedagem de gra�a e podem usufruir da mesma hospitalidade.
A rela��o afetiva de Pedro com a m�e tamb�m vem mudando. A m�e est� financiando o curso de cozinheiro no Servi�o Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), at� que ele consiga um emprego na �rea. “Gostaria que fosse melhor do que �, mas cada um tem seu limite e cada um tem que respeitar. Como ela diz: ela me tolera”, pondera Pedro, que estava com a m�e ao lado durante a conversa por telefone – e diante do pedido de entrevista, argumentou que precisava trabalhar. “Ela ainda diz que Deus vai me transformar”, acrescenta o jovem, a contragosto.
Abrigo
Por enquanto, o projeto est� pr�-cadastrando pessoas interessadas em fornecer abrigo. J� s�o 15 candidatos. � preciso informar dados pessoais e o tempo dispon�vel para acolhimento. Mas v�rios detalhes ainda precisam ser determinados, principalmente quest�es de seguran�a, para assegurar que nenhum dos dois lados possa se aproveitar da plataforma de m�-f�. “A pessoa vai poder conversar com a outra antes e decidir se pode confiar”, diz B�rbara.
Nesta primeira fase, o Mona Migs � voltado somente para Pernambuco, mas os estudantes pretendem expandir a ideia. Por enquanto, al�m de formatar o projeto jur�dica e administrativamente, a busca � por financiamento. Segundo os idealizadores, algumas organiza��es n�o governamentais j� est�o interessadas em fazer parcerias.
Pesquisas
Para verificar se havia, de fato, demanda para o servi�o, os criadores do Mona Migs fizeram pesquisas pela internet e em pontos do Recife que re�nem p�blico LGBT. Foram mais de 500 respostas online. Eles identificaram que 75% dos homossexuais tinham medo de ser expulsos de casa e 60% disseram conhecer algu�m que j� ficou sem abrigo. Por outro lado, 55% dos consultados afirmaram que acolheriam uma pessoa LGBT em situa��o urgente.
Mona Migs
Nas ruas, foram 23 depoimentos qualitativos com resultados semelhantes. Alguns foram publicados na p�gina do projeto. “Minha m�e me perguntou se eu estava saindo com uma mulher. Contei que sim, muito assustada, sem saber como ela sabia”, conta um dos relatos. “Disse que eu era uma m� influ�ncia para minha irm� pequena, e n�o confiava em mim por perto. Por fim, ela disse que n�o iria tolerar isso, e que ou eu parava ou eu deveria ir embora”, acrescenta.
F�rum LGBT
O movimento organizado em Pernambuco confirma essa realidade, e elogia a iniciativa do Mona Migs, mas defende que o Estado tamb�m deve garantir a seguran�a desses jovens. “Tem os abrigos que j� existem, mas n�o especificamente LGBT. E � outro processo do preconceito que esses jovens recebem muitas vezes nesses abrigos. Por isso, temos algumas iniciativas de inser��o na cria��o de pol�ticas p�blicas com centro de abrigos para a popula��o LGBT especificamente”, conta Thiago Rocha, um dos coordenadores do F�rum LGBT de Pernambuco. “Tem a pauta especificamente para travestis e transexuais, que � um caso mais urgente, que s�o as que mais sofrem quanto a isso, de expuls�o do seio familiar.”
Depois de morar com a av� por tr�s anos e em outras ocasi�es de menor tempo, intercaladas com r�pidas passagens pela casa da m�e, quando tentavam a reconcilia��o, este ano Pedro foi recebido por uma amiga. “Minha v� j� n�o est� com sa�de, n�o queria dar trabalho, e agora j� sou um homem e preciso resolver meus problemas”, justifica.
A dist�ncia tamb�m o permitiu impor sua identidade e pedir respeito � fam�lia. A m�e est� financiando o curso de cozinheiro no Servi�o Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), at� que ele consiga um emprego na �rea. A rela��o afetiva tamb�m vem mudando. “Gostaria que fosse melhor do que �, mas cada um tem seu limite e cada um tem que respeitar.”
Mas a diferen�a maior, talvez, seja na autoestima do estudante. “Sou desse jeito, sou bicha”, destacou. “Por onde eu ando, eu sou eu. Eu sou o Pedro.”
Com Ag�ncia Brasil