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Voc� entra na internet, consulta sites de viagens e verifica os pre�os de um hotel, digamos, na Tail�ndia. Minutos depois, todas as p�ginas que voc� visita v�m recheadas de publicidades e informa��es sobre o pa�s pesquisado, sobre hot�is, cruzeiros pela �sia e passagens de avi�o.
A simula��o acima � apenas um pequeno exemplo de como o usu�rio est� inserido numa rede de informa��es em que ele � ao mesmo tempo sujeito e objeto. Como diz um antigo ditado norte-americano ligado ao mundo das finan�as: n�o existe almo�o gr�tis. A maior moeda de troca nos servi�os baseados na web – principalmente nos gratuitos – s�o as informa��es coletadas de seus usu�rios. Empresas como a Google e o Facebook t�m ferramentas no c�digo de seus aplicativos que permitem coletar, com precis�o, diversos dados de seus clientes. Al�m da publicidade baseada nas suas buscas, h� v�rios outros exemplos de como isso afeta sua vida.
Voc� provavelmente possui um computador ou um smartphone. Certamente, tem acesso � internet e j� fez uso de algum servi�o da Google ou do Facebook – mesmo que n�o saiba. Se voc� usa o WhatsApp, o Instagram, o Gmail ou, simplesmente, entra em alguma p�gina na web que tenha an�ncios publicit�rios, � prov�vel que essas empresas j� saibam grande parte de suas informa��es pessoais. Mas a discuss�o vai al�m de companhias registrando seu nome ou n�mero de telefone. As gigantes norte-americanas t�m acesso n�o somente aos lugares em que voc� passa, �s suas conversas, aos seus e-mails, �s suas fotos, mas tamb�m �s suas informa��es banc�rias, � sua sa�de, aos seus h�bitos de consumo, �s suas prefer�ncias sexuais e a praticamente toda a sua atividade on-line – e off-line. Inclusive, na maioria das vezes, � voc� quem permite que essas informa��es sejam, n�o apenas coletadas, mas repassadas a outras companhias pelo mundo – e isso � claramente descrito nos termos de ades�o a esses servi�os.

“As atividades em rede desses aplicativos cruzam diversos pa�ses e preceitos legais. A falta de transpar�ncia sobre a coleta, transmiss�o e processamento de dados levanta um s�rio problema de privacidade”, afirma o relat�rio. “H� graves problemas de seguran�a nos aplicativos, usados por bilh�es de pessoas no mundo”, alerta. Revelou-se que mais de 75% dos 300 aplicativos analisados pela Exodus cont�m esses rastreadores. Por�m, h� a possibilidade de que o n�mero seja ainda maior, j� que a ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores s� consegue identificar rastreadores que foram cadastrados anteriormente em seu sistema. “H� toda uma ind�stria baseada nesses rastreadores. Aplicativos que clamam ser ‘limpos’, podem conter alguns que ainda n�o conseguimos identificar”.
Entre os rastreadores encontrados, h� o “OutBrain”, que permite que informa��es como o nome do usu�rio, telefone, contato de e-mail e endere�o sejam n�o apenas coletadas e armazenadas, mas distribu�das para outras empresas. Os pesquisadores n�o tiveram acesso aos c�digos dos aplicativos oferecidos na loja da Apple, por�m, expandiram o alerta para outros sistemas operacionais. “Os rastreadores provavelmente est�o igualmente escondidos nos aplicativos para iPhone”.
Prote��o
“Os dados s�o o petr�leo da internet”, diz Alexandre Atheniense, que trabalha h� 30 anos como advogado especialista em direito digital no Brasil. Ele explica que as pr�ticas de venda e/ou compartilhamento de informa��es coletadas por aplicativos n�o s�o legais no pa�s. “De forma alguma isso � legal, mas n�o temos uma legisla��o clara sobre como lidar com esse tipo de situa��o. Est� em tramita��o uma lei de prote��o de dados, acredito que a partir da� podem surgir crit�rios mais definidos sobre o tipo de puni��o aplic�vel”. O especialista alerta, por�m, que mesmo que as respostas legais aos abusos que podem ser cometidos por essas empresas sejam dif�ceis, ainda h� como recorrer. “Precisamos ter uma defini��o legislativa que determine regras mais espec�ficas quanto � coleta, compartilhamento e registro de dados gerenciados por terceiros. Quando falo isso n�o quero dizer que se o problema acontecer hoje n�o h� respaldo legal. H�, mas seria muito melhor se tiv�ssemos uma legisla��o espec�fica. Entretanto, � sempre bom lembrar que a internet n�o � uma terra sem lei”, ressalta.
Mesmo que seja praticamente invi�vel afastar-se dos ambientes virtuais em que h� a coleta de dados, h� alternativas e maneiras mais conscientes de navegar na web. Alexandre explica que � necess�rio se manter atento a quais tipos de informa��o est�o sendo compartilhadas. “H� duas formas de coleta de informa��es as previstas e as que n�o se tem acesso. � importante tomar cuidado com o que voc� ativamente informa �s empresas na internet. Caso voc� perceba que algum servi�o est� requisitando muitas informa��es, mais do que as absolutamente necess�rias para o seu funcionamento, evite compartilh�-las. � um ind�cio de que h� muito mais por tr�s”, alerta.
Um mapa sem privacidade
Mesmo quando a coleta de dados � informada ao usu�rio, a quest�o da privacidade na web � preocupante. Tem-se, por exemplo, expl�cito nas condutas do Google a grava��o, o armazenamento e o uso de informa��es captadas pelo microfone de smartphones. Usu�rios podem, inclusive, acessar as grava��es feitas pela empresa atrav�s da nuvem. Muitas dessas coletas sistem�ticas prop�em-se, de acordo com as empresas, a utilizar as informa��es dispostas pelos usu�rios para que os algoritmos sejam otimizados pelas empresas. Exemplo disso � o aplicativo Google Fotos, que vem sendo cada vez mais “empurrado” para os usu�rios do Android.
Com a Google tendo acesso irrestrito �s fotografias de seus clientes, ela consegue encontrar padr�es cada vez mais precisos e, com o tempo, ser� capaz de cruzar todas as suas informa��es pessoais – e identific�-lo por completo – apenas com uma foto sua. Essa t�cnica � chamada de machine learning. Um dos efeitos desse tipo de ac�mulo de informa��es pode ser percebido no uso de aplicativos de mapas, como o Google Maps. Ap�s um intenso trabalho de aprendizagem, o algoritmo da empresa j� consegue identificar as rotas mais comuns do usu�rio e determinar, com precis�o, seu local de trabalho, sua resid�ncia, etc. O mesmo tende a ocorrer com outros tipos de informa��es coletadas.
“A Google � um pesadelo quando o assunto � privacidade”, diz o ex-funcion�rio da empresa Marton Barcza, especialista em marketing e tecnologia. “Quase todo o modelo de neg�cio da empresa depende da coleta massiva de informa��es de seus usu�rios e da monetiza��o desses dados. Eles n�o apenas fazem isso com usu�rios de suas plataformas, mas com pessoas que nunca entraram em qualquer servi�o da Google e, tamb�m, com as que ativamente tentam se manter distante deles”, afirma. “O dom�nio nas redes de publicidade on-line, nas ferramentas da web, nos buscadores, nos sistemas operacionais mobile, nos navegadores. Tudo isso significa que eles conseguem alcan�ar quase todas as bordas da internet e coletar informa��es dos usu�rios mesmo quando eles n�o t�m a m�nima ideia de que isso est� acontecendo”, descreve.
O alerta de Marton Barcza converge com o estudo que exp�s os rastreadores escondidos. “Mesmo se seguissem � risca suas pr�prias regras, essas empresas coletariam quantidades inacredit�veis de dados. Por�m, h� cada vez mais relatos de que eles v�o al�m do que declaram. � quase imposs�vel saber de verdade as formas com que a Google coleta, e o que ela faz com a informa��o”, frisa.
O computador ‘mui amigo’
A ind�stria de tecnologia vem se mostrando cada vez mais c�mplice do pesadelo de privacidade que seus produtos t�m se tornado. As informa��es coletadas s�o t�o substanciais que j� se consegue tra�ar perfis psicol�gicos precisos dos usu�rios apenas com suas intera��es nas redes sociais. Analisando apenas 150 likes feitos pelo usu�rio no Facebook, � poss�vel saber mais informa��es pessoais do que seus familiares. Com apenas 10 curtidas, sabe-se mais do que um colega de trabalho; com 70 curtidas, mais do que um colega de quarto; e, com 300 likes, mais do que seu companheiro amoroso. Esses resultados foram apontados em estudo conjunto entre pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Departamento de Ci�ncia da Computa��o da Universidade de Stanford, nos EUA.
A pesquisa, intitulada “Julgamentos de personalidade feitos por computadores s�o mais precisos do que aqueles feitos por seres humanos”, coletou informa��es de 86,2 mil volunt�rios em um question�rio que continha mais de 100 aspectos de suas personalidades em quase 1 mil perguntas distintas. De acordo com os Third quarter 2017 reports, um boletim fiscal do Facebook, h� cerca de 1,37 bilh�o de usu�rios ativos diariamente na plataforma e 2,07 bilh�es ativos mensalmente. A empresa tem acesso a informa��es pessoais cr�ticas da grande maioria de seus usu�rios – e esses nem suspeitam ou n�o se importam com isso. “O problema � que, para a maioria das pessoas, a privacidade on-line parece um problema distante. At� que essas ilegalidades causem danos reais a quantidades gigantescas de pessoas, infelizmente, n�o creio que as coisas v�o mudar. A conveni�ncia atropelar� a responsabilidade at� que algo catastr�fico aconte�a”, lamenta Barcza.
tr�s perguntas para...
Joana Ziller
Professora da UFMG e pesquisadora do N�cleo de Pesquisa em Conex�es Intermidi�ticas (NucCom)
Como a senhora pensa a quest�o da privacidade na internet hoje? Qual � o panorama em que estamos vivendo?
A privacidade hoje � um artigo de luxo. N�o apenas no sentido financeiro. Pouca gente tem privacidade hoje e ela est� restrita a uma elite de poder. Restrita a pessoas que n�o precisam usar celular, pois t�m por perto um assessor que pode fazer isso por elas e que, mais importante, tem consci�ncia da vigil�ncia. Abrimos m�o da privacidade pelo conforto. Pensar que quando estamos com o celular ou com qualquer outro aparelho conectado n�o estamos sendo rastreados � ingenuidade.
Como a senhora pensa que essas quest�es deveriam ser ensinadas ao grande p�blico?
Existem certas coisas na sociedade que s�o bem parecidas com a quest�o da privacidade. Coisas que dever�amos saber, mas abrimos m�o porque � c�modo. Qual � a quantidade de agrot�xicos que h� na nossa comida di�ria, por exemplo? Sabemos dos males, mas � mais f�cil comprar um tomate no supermercado do que plantar o pr�prio. Com a privacidade � a mesma coisa. N�o pensamos muito profundamente no assunto, pois isso exigiria uma mudan�a de estilo de vida. Certamente, seria interessante que pens�ssemos mais nisso, que f�ssemos educados sobre. Mas, levar isso a s�rio, de fato, acarretaria mudan�as que as pessoas talvez n�o aceitariam.
H� a��es que podem preservar, minimamente, a privacidade do usu�rio?
A��es mais efetivas exigem conhecimento maior das plataformas e da maneira como a web e os sistemas operacionais funcionam. N�o � � toa que as tecnologias que nos rastreiam investem pesado na facilidade de uso de seus servi�os. Mas, � importante que haja uma reflex�o sobre o que publicamos nas redes sociais. � preciso ter a consci�ncia de que tudo aquilo � p�blico, por mais que os perfis das redes sejam fechados. Manejar bem as permiss�es que damos aos aplicativos instalados, tamb�m, � uma quest�o importante. Se um app pede autoriza��o para usar o microfone do celular e voc� consegue perceber que ele n�o � necess�rio para que o mesmo funcione, negue o acesso. Entretanto, isso s�o medidas paliativas. � importante saber que estamos sendo inevitavelmente rastreados.