
A internet se tornou menos livre no Brasil nos �ltimos meses. O pa�s, que j� esteve no "top 5" da liberdade online, hoje � considerado apenas "parcialmente livre" na rede mundial de computadores.
As conclus�es s�o da edi��o de 2020 do relat�rio Freedom on the Net (ou "Liberdade na Rede", em tradu��o livre). Trata-se de um estudo publicado anualmente pela organiza��o Freedom House, sediada em Washington, DC (EUA).
Desde 2009, o relat�rio da Freedom House atribui notas aos pa�ses com base no qu�o livres s�o seus cidad�os para se comunicar via internet.A medi��o � feita por meio de um longo question�rio, respondido por um grupo de especialistas no assunto em cada pa�s.
Em rela��o a 2019, o Brasil caiu um ponto na nota — de 64 pontos para 63.
Na edi��o deste ano, o Brasil est� em 21º lugar entre os 65 pa�ses analisados pelo relat�rio. O topo do ranking de 2020 � ocupado pela Isl�ndia, seguida pela Est�nia.
A queda n�o � novidade para o pa�s, que est� perdendo posi��es desde o come�o da medi��o, em 2009.
Naquele ano, o pa�s ficou em 4º lugar no ranking dos gozavam de mais liberdade online. Ficou atr�s apenas de Est�nia, Reino Unido e �frica do Sul.
Mesmo em decl�nio, o Brasil manteve o status de pa�s "livre" na internet at� 2015 — no levantamento de 2016, passou a ser considerado apenas "parcialmente livre" pelo relat�rio.
'Fake news' e o projeto no Senado

O Brasil possui hoje uma das legisla��es digitais mais completas e avan�adas do mundo — mas, na vis�o da Freedom House, os direitos do internauta brasileiro s�o hoje amea�ados pela prolifera��o de informa��es falsas na rede e por iniciativas legislativas consideradas equivocadas, como o chamado "PL das Fake News".
Al�m disso, a liberdade online no pa�s tamb�m � afetada por limita��es de infraestrutura — embora 75% dos domic�lios no pa�s tenham acesso � internet, esse percentual ainda � menor que o de outros pa�ses da regi�o, como o Chile e a Argentina.
"O que n�s vimos este ano, e que foi uma causa particular de preocupa��o, foi o envolvimento do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), e de pessoas pr�ximas ao governo, na dissemina��o de desinforma��o online", diz Amy Slipowitz, que � gerente de pesquisas da Freedom House e cobre a Am�rica Latina para a institui��o.
"Outro �rea (em que o pa�s declinou) � que jornalistas que trabalham no meio digital continuam sofrendo viol�ncia e ataques por causa do trabalho. S� durante o per�odo coberto por este relat�rio (junho de 2019 a maio de 2020), dois profissionais que faziam jornalismo local na internet foram mortos a tiros", diz Amy � BBC News Brasil.
"Ent�o, estas s�o algumas das raz�es para o Brasil ter sido classificado como 'parcialmente livre' no relat�rio deste ano", diz ela.
- QAnon: como e por que grupos ligados a teoria da conspira��o est�o se multiplicando na Am�rica Latina
- Por que o governo Trump estuda banir o TikTok dos EUA
Slipowitz diz ainda que os usu�rios de internet no Brasil e a sociedade civil do pa�s devem estar atentos a propostas legislativas que podem restringir a liberdade de express�o — na vis�o da organiza��o, seria o caso do chamado "PL das Fake News", que foi aprovado pelo Senado em junho deste ano. O texto tinha como objetivo coibir a dissemina��o de boatos online, e aguarda agora delibera��o na C�mara.
"No Brasil, o Senado aprovou um projeto de lei (o das Fake News) que � particularmente problem�tico, e perigoso para a liberdade na internet. Ent�o, seria importante que os internautas e a sociedade civil se mantivessem atentos e trabalhassem contra este projeto", diz Slipowitz.
"Se aprovado, ele pode criminalizar certos tipos de conte�do; pode criar pr�-requisitos de identifica��o de usu�rios de redes sociais e outras plataformas; e pode obrigar aplicativos (como o WhatsApp) a manter c�pias das mensagens enviadas", diz a pesquisadora da Freedom House.
A vis�o, no entanto, n�o � un�nime entre os pesquisadores que estudam a regulamenta��o da internet no Brasil.
Pablo Ortellado � professor do curso de gest�o de pol�ticas p�blicas da Universidade de S�o Paulo (USP) e pesquisador do Monitor do Debate Pol�tico no Meio Digital, da mesma universidade.
Segundo ele, o relat�rio da Freedom House � minucioso e est� bem fundamentado, mas possui um vi�s liberal — o relat�rio defende de que a liberdade de express�o online se sobrep�e a outros direitos humanos, como o direito ao esquecimento.
"H� (no relat�rio) uma vis�o unilateral em defesa da liberdade de express�o e da privacidade, sobretudo quando ela conflita com outros direitos", diz Ortellado.
"O direito ao esquecimento, quando bem implementado, � parte do direito ao desenvolvimento da personalidade. � um direito humano. Direito ao esquecimento, quando bem implementado, significa a desindexa��o das plataformas. Ent�o, num mecanismo de busca, eu n�o vou mais encontrar resultados sobre um crime que eu cometi, depois que a senten�a foi cumprida", explica ele.
"Por que? Para permitir que eu possa desenvolver minha personalidade. Reconstruir minha vida e seguir me desenvolvendo sem estar amarrado", diz. "Mas no relat�rio eles tratam isso como se fosse um impedimento � liberdade de express�o", diz Ortellado.
O pesquisador tamb�m discorda da caracteriza��o feita sobre o PL das Fake News.

Em sua �ltima vers�o, diz Ortellado, o projeto de lei superou os principais problemas, embora ainda tenha imprecis�es pontuais.
"O PL teve muitas vers�es. Mas o PL que foi aprovado n�o � ruim. Ele tem problemas de implementa��o e de defini��es aqui e ali. Mas n�o � uma amea�a � liberdade na internet, de forma alguma, ao meu ver", diz Ortellado.
O professor da USP defende medidas que est�o presentes no projeto de lei, como a possibilidade de identificar a origem de mensagens virais em aplicativos como o WhatsApp.
No mundo, liberdade na internet cai pelo 10º ano seguido
Em termos globais, este � o d�cimo ano seguido de recuo na liberdade online conforme o relat�rio da Freedom House.
O think-tank destaca tr�s fatores que contribu�ram para piorar a situa��o ao redor do mundo.
Primeiro, v�rios governantes ao redor do mundo passaram a usar a pandemia como um pretexto para limitar o acesso � informa��o. Depois, tecnologias que antes eram vistas como excessivamente intrusivas passaram a ser usadas para controlar o movimento da popula��o durante a pandemia. Por fim, v�rios pa�ses aumentaram os controles sobre o fluxo de dados com o restante do mundo, num processo de "fragmenta��o" da internet.
"Este � o d�cimo ano seguido em que vemos um decl�nio da liberdade online. Ent�o, � uma tend�ncia que n�o se deve exclusivamente � pandemia", diz Amy Slipowitz.
"Dito isso, a pandemia (do novo coronav�rus) de fato teve um papel importante em muitos dos pa�ses onde esse decl�nio aconteceu. Atores estatais em muitos pa�ses aproveitaram 'oportunidades' criadas pela pandemia para controlar a narrativa na internet, para censurar vozes cr�ticas e para implementar novas ferramentas tecnol�gicas de controle", diz Slipowitz � BBC News Brasil.
"(Alguns governos) usaram a pandemia como um pretexto para expandir a vigil�ncia e a coleta de dados dos cidad�os. Tamb�m houve uma expans�o r�pida de mecanismos de biometria e de intelig�ncia artificial para lidar com a crise de sa�de p�blica. E isso criou novos riscos para a democracia e para os direitos humanos", diz ela.
"Ao mesmo tempo, alguns l�deres pol�ticos usaram a pandemia como desculpa para censurar not�cias desfavor�veis e para prender cr�ticos; tamb�m usaram minorias �tnicas e religiosas como 'bodes expiat�rios' para os problemas", diz Slipowitz.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!