
Um dos maiores temas do s�culo 21 � mobilidade. N�o apenas a capacidade de exerc�-la, movimentando-se e viajando de um lugar para o outro. Mobilidade no mundo p�s-ano 2000 significa a possibilidade de fazer quase tudo o que quisermos - e que faz parte da vida contempor�nea - enquanto estamos em movimento.
Falar com amigos, parentes e colegas de trabalho, escrever, pesquisar, ler jornais, ver televis�o, ouvir r�dio, ler livros, pagar contas, comprar roupas, encomendar comida, planejar viagens, medir seu estado de sa�de e muitas outras coisas costumavam ser feitas enquanto est�vamos parados. Aos poucos, por�m, come�amos a realizar mais e mais em movimento, at� que, com a chegada dos telefones celulares inteligentes, praticamente tudo listado acima passou a ser feito em tr�nsito.A partir de meados da primeira d�cada do mil�nio, o foco da ind�stria da inform�tica voltou-se para aparelhos m�veis, como se ningu�m mais pudesse ficar em casa ou no escrit�rio. Mesas e cabos foram as maiores v�timas, com as novas tecnologias fugindo da parede como o Diabo da cruz. O s�culo 21 tornou-se a era do telefone celular, do tablet, dos leitores de livros digitais e da ansiedade que a dificuldade em ficar parado e longe das telas causou em muitos de n�s.
3 grandes vantagens do 5G que mudar�o para sempre nossa experi�ncia na internet
A revolu��o do iPod
Desde 1979, quando a japonesa Sony lan�ou o Walkman, o ser humano apaixonou-se pela ideia de tecnologia com mobilidade. At� ent�o, muitas pessoas j� ouviam r�dios de pilha com um fone de ouvido - geralmente em apenas um ouvido -, mas apreciar m�sica com som de qualidade, individualmente, num poderoso fone cobrindo a cabe�a exigia proximidade com um aparelho de som. O Walkman mudou essa realidade, permitindo que pessoas levassem consigo, em fitas cassete, parte de sua discoteca, em viagens, no transporte coletivo para o trabalho ou descansando no parque.

A fita cassete foi substitu�da pelo CD, com a populariza��o dos tocadores de discos digitais port�teis. Mas ainda era pouco para aqueles que n�o queriam ficar limitado aos poucos CDs que conseguiam carregar na mochila. Tudo come�ou a mudar no final dos anos 1990, com a populariza��o de um servi�o de compartilhamento de arquivos entre pessoas - em ingl�s, "peer to peer", ou P2P. O Napster, criado em 1999 por Shawn Fanning e Sean Parker, permitia que usu�rios enviassem uns para os outros m�sicas e discos em formato digital. Artistas e gravadoras identificaram o risco para seus ganhos em vendas de discos e direitos autorais. As empresas foram � Justi�a contra o Napster e venceram, provocando o fechamento do servi�o. O princ�pio do Napster, por�m, prevaleceu. Muita gente gostou da facilidade de adquirir m�sica digital, sem a necessidade de comprar objetos f�sicos em que ela estivesse embalada.
Se m�sica j� podia ser adquirida apenas como arquivo digital, ela certamente podia ser transportada em maiores quantidades. Assim nasceu, em outubro de 2001, o iPod. O produto da americana Apple revolucionou o mercado ao colocar num aparelho port�til um total de mil m�sicas - na �poca um n�mero impressionante. "Ter toda a sua cole��o musical com voc�, o tempo todo, � um salto qu�ntico em termos de ouvir m�sica", disse o ent�o CEO da Apple, Steve Jobs, ao anunciar o produto. Al�m de caber no bolso da cal�a, o iPod vinha com bateria que durava at� 10 horas e criou a "scroll wheel", ou roda de navega��o, um item tecnol�gico que marcou �poca. Meses antes, em janeiro, a Apple j� havia lan�ado sua loja de m�sica digital, a iTunes, a partir da qual o iPod era alimentado. O primeiro passo da grande mobilidade tecnol�gica do s�culo 21 havia sido dado.

No come�o do s�culo, a Apple - fundada em 1975 por Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne em Los Altos, na Calif�rnia (EUA) - n�o podia ser considerada uma gigante do setor. Em 2001, tinha menos de 5% do mercado mundial de computadores pessoais, atr�s de nomes como Hewlett-Packard, Dell, IBM e Toshiba. Essas empresas, por�m, faziam produtos para quem ficava sentado, enquanto a Apple mergulhava no futuro da mobilidade. A revolu��o iniciada com o iPod foi t�o significativa que nenhuma outra empresa na �poca conseguiu acompanhar o ritmo e a extens�o dos saltos dados pela empresa de Steve Jobs.
O iPod foi amor � primeira vista. Segundo o site de tecnologia Lifewire, 25 mil unidades foram vendidas at� dezembro de 2001, n�mero que se multiplicou at� chegar a 10 milh�es, tr�s anos depois. Em outubro de 2006, uma reportagem da revista de neg�cios Forbes listava as tentativas de concorrentes em sua miss�o de vencer o iPod. V�rias empresas, entre elas Dell, Sony e SanDisk buscavam espa�o nesse novo mercado dominado pela Apple - apesar de uma queda em seu dom�nio, de 92% em 2004 para 77% em 2006.

O texto da Forbes afirmava que, cinco anos ap�s seu lan�amento, o CEO da Apple havia vencido os cr�ticos. "Jobs apostou certo desta vez: 67 milh�es de unidades depois, o iPod realmente transformou a maneira como as pessoas ouvem m�sica." O texto ia al�m e situava o tamanho do impacto causado por essa transforma��o. "A ind�stria da m�sica foi for�ada a rever seu modelo de neg�cio, enquanto as ind�strias da televis�o e do cinema se preparam para fazer o mesmo. E Jobs elevou seu pr�prio status, de l�der empresarial para �cone cultural." Ainda em 2006, a gigante Microsoft comprou a briga e lan�ou seu tocador digital Zune. Seria descontinuado em 2012.
A revolu��o do iPhone
O iPod deu aos seus usu�rios muito mais op��es de m�sicas para ouvir em tr�nsito. J� havia, no entanto, outra coisa ainda mais importante para as pessoas quando elas sa�am de casa: o telefone celular. Popularizado a partir de meados da d�cada de 1990, o celular trouxe um grau de autonomia nunca visto antes. Milh�es de pessoas no mundo todo davam adeus � secret�ria eletr�nica do telefone fixo em casa, �s chamadas sem identifica��o de n�mero e � busca por um telefone p�blico no meio da rua. De 2000 a 2005, o n�mero de assinaturas, ou linhas, de celular no planeta praticamente triplicou, segundo dados do Banco Mundial: de 12,04 para cada 100 pessoas, para 33,76. Na segunda metade da d�cada, esse total aumentaria ainda mais rapidamente, chegando a 76,14 em 2010.
Nesse mercado, havia um nome e um toque de celular conhecido por praticamente todos: Nokia. A empresa finlandesa, fundada em meados do s�culo 19 como fabricante de celulose, mergulhou no setor de tecnologia no final do s�culo 20. Por cerca de uma d�cada, foi l�der mundial no mercado de telefones celulares, ap�s ultrapassar a americana Motorola.
Em outubro de 2006, quando j� havia a categoria de "smartphone", ou telefone inteligente, o site de tecnologia Networkworld confirmava que a empresa da Finl�ndia continuava inquestion�vel em sua lideran�a no setor. Citando um estudo da consultoria Gartner, o texto dizia: "A Nokia possui 42% do mercado combinado de PDA [assistente pessoal digital] e smartphones, comparado a participa��es de mercado de um d�gito para Research in Motion [RIM, sistema da Blackberry], Motorola e Palm." Na segunda metade de 2006, a Nokia havia vendido 42,1 milh�es de unidades, "um aumento de 57%" em compara��o com o mesmo per�odo de 2005. Essa realidade estava prestes a mudar. Em poucos anos, a Nokia perderia relev�ncia e seria praticamente eliminada do mercado de telefones celulares.
A ideia de unir m�sica que se carrega no bolso com o telefone celular ganhava for�a. O primeiro telefone com m�sicas veio em 2000, o SPH-M100, da Samsung. Anos depois, a uni�o da japonesa Sony com a sueca Ericsson, formalizada em 2001, gerou uma s�rie de aparelhos com fun��o de tocador de m�sica, usando a lend�ria marca Walkman. O telefone que lan�ou a s�rie, Sony Ericsson W800, parecia oferecer a vantagem de combinar uma esp�cie de iPod, produzida pelos criadores do Walkman, com a respeitada telefonia celular sueca. "Ainda n�o vai substituir seu tocador de MP3 normal, mas chega bem perto", disse o texto de avalia��o do site C/Net, em outubro de 2005. Os atores do mercado pareciam atirar para v�rios lados, por�m sem ainda acertar o alvo.
At� que chegou o dia 9 de janeiro de 2007. "De tempos em tempos, aparece um produto revolucion�rio que muda tudo", disse no palco da confer�ncia Macworld Expo, diante de uma plateia curiosa e atenta, o CEO da Apple, Steve Jobs. "Hoje, n�s estamos apresentando tr�s produtos revolucion�rios dessa categoria", disse ele, antes de relacionar os tr�s: um iPod com tela larga e controlada pelo toque; um telefone m�vel "revolucion�rio"; e um "inovador comunicador via internet". "Voc�s est�o sacando?", perguntou Jobs, ap�s repetir o menu. "Estes n�o s�o tr�s aparelhos separados. Este � um aparelho. E n�s o chamamos de iPhone." Em seguida, ele mesmo deu o veredicto disfar�ado de marketing: "Hoje a Apple vai reinventar o telefone".
Era verdade. Com o iPhone, a Apple acertava em cheio o alvo que os concorrentes perdiam de vista. Do desenho �s funcionalidades e seu sistema operacional, tudo no iPhone o tornava um novo par�metro para a ind�stria. A rea��o foi imediata. Horas depois da apresenta��o de Jobs, no mesmo 9 de janeiro, o site de tecnologia Techcrunch dizia: "Pela descri��o, parece ser um aparelho para mudar as regras do jogo, e os mercados de a��es parecem concordar". O texto ent�o informava que as a��es da Apple haviam subido 7%, enquanto as dos concorrentes Research in Motion (Blackberry) e Palm ca�am 6%.
No mesmo texto, o iPhone, que vinha em duas vers�es, de US$ 499 (4 GB) e US$ 599 (8 GB), era descrito como "caro". O custo, no entanto, n�o impediu que pessoas passassem dias na fila para adquirir o telefone no primeiro dia de vendas nos Estados Unidos, em 29 de junho de 2007. "N�s estamos na fila h� dias. � bem desconfort�vel aqui nestas cadeiras", disse Melanie Rivera, em Nova York, � rede CNN. "N�s sobrevivemos � chuva, ent�o achamos que estamos mais perto do telefone." Em 10 de novembro, quando o iPhone come�ou a ser vendido no Reino Unido, centenas de pessoas aguardaram em fila diante da principal loja da Apple em Londres. "Eu cheguei aqui 26 horas atr�s", disse � ag�ncia de not�cias PA o primeiro a adquirir o aparelho, Tom Jasinski.

Em dois anos, o iPhone consolidou-se como o principal objeto de desejo da telefonia m�vel no Ocidente. Os motivos eram v�rios. A tela que cobria todo o aparelho, dispensando teclados f�sicos, funcionava � base do toque dos dedos. O telefone trazia dentro dele um pequeno iPod, produto que era sucesso absoluto e j� atingira 100 milh�es de unidades vendidas. O sistema operacional, uma vers�o do OSX do computador pessoal Mac, da Apple, que deu in�cio � s�rie iOS, oferecia um desempenho in�dito no setor. Al�m disso, os aplicativos produzidos pela Apple - como calend�rio, c�mera, rel�gio, tempo -, dispostos de maneira agrad�vel e funcional na tela, eram f�ceis de usar. O primeiro iPhone, por�m, n�o era uma revolu��o bem acabada. Era apenas o in�cio de um processo revolucion�rio.
Entre junho e setembro de 2007, a Apple vendeu 1 milh�o de unidades de iPhone. A empresa ent�o baixou o pre�o do aparelho em US$ 200, o que o popularizou ainda mais, e come�ou a oferecer atualiza��es anuais, geralmente com mais capacidade operacional e de armazenamento. Tamb�m em setembro a Apple lan�ou seu iPod Touch, um iPhone sem o telefone que tamb�m mostrou-se popular. A mais importante novidade ap�s o surgimento do iPhone, entretanto, n�o estava dentro de nenhum aparelho.
Apesar da relut�ncia inicial de Steve Jobs, a Apple decidiu permitir que terceiros desenvolvessem aplicativos nativos para o iPhone e o iPod Touch. Em outubro de 2007, anunciou que ofereceria uma SDK - kit de desenvolvimento de programas - � comunidade do setor, o que ocorreu em fevereiro do ano seguinte. Em 10 de julho de 2008, veio a grande mudan�a: o lan�amento da App Store, a loja de aplicativos da Apple, inicialmente com 500 "apps". No dia seguinte, chegava �s lojas o segundo modelo do transformador telefone: o iPhone 3G.

"O iPhone 3G inclui a nova App Store, oferecendo aos usu�rios do iPhone aplicativos nativos numa variedade de categorias incluindo jogos, neg�cios, not�cias, esporte, sa�de, refer�ncia e viagens", disse o an�ncio oficial da empresa. Um dos maiores f�s do aparelho - e do mundo Apple - era o ator brit�nico Stephen Fry, que escrevia sobre tecnologia regularmente para o jornal The Guardian. Segundo ele, a App Store representava a chegada de uma esp�cie de admir�vel mundo novo na telefonia celular. "Acredite em mim, em poucas semanas voc� ver� coisas sendo feitas num iPhone que far�o voc� prender a respira��o e esticar os olhos."
Em junho de 2009, dois anos depois da venda dos primeiros iPhones, o jornalista de tecnologia americano Brian X. Chen avaliou, em texto na revista Wired, o tamanho da revolu��o at� ent�o. "Foi o primeiro telefone a fazer dos atos de ouvir m�sica, verificar o correio de voz e navegar na Web coisas t�o f�ceis quanto arrastar, tocar e pressionar uma tela - t�o agrad�veis quanto uma massagem." Sobre a loja de aplicativos, Chen foi ainda mais contundente. "Com o lan�amento da sua App Store, a Apple sacudiu a ind�stria novamente ao reinventar a distribui��o de programas de computador." Em mar�o de 2011, a Apple anunciava ter atingido a marca de 100 milh�es de iPhones vendidos.
Infraestrutura e Google
A capacidade de carregar m�sica no bolso e o pr�prio iPod perderiam relev�ncia com o tempo. Muito mais decisivo para o usu�rio do iPhone e todos os outros smartphones do mercado era a navega��o pela World Wide Web e o uso de aplicativos via internet, experi�ncia que s� foi poss�vel com a implanta��o da devida infraestrutura em todo o mundo. A primeira vers�o do celular da Apple ainda funcionava com 2G, a segunda gera��o dos sistemas de telecomunica��o m�vel, mas tudo mudou com o aumento do n�mero em frente � letra G.

A terceira gera��o da tecnologia de telecomunica��o m�vel, sem fio, ou 3G, refere-se a padr�es desenvolvidos no final dos anos 1990 - uma sopa de letras e n�meros que inclu�a CDMA2000, W-CDMA, UWC-136 e UMTS. Este �ltimo tornou-se o padr�o para Europa, China e Jap�o, enquanto os Estados Unidos concentraram-se no CDMA2000. Em rela��o ao anterior 2G, o 3G oferecia muito mais capacidade de transmiss�o multim�dia de dados e maior seguran�a, em termos de privacidade. A diferen�a b�sica, por�m, era de velocidade. O salto foi de um m�ximo de cerca de 300 kbps (kilobits por segundo) no 2G para um limite de cerca de 4 mbps (megabits por segundo) no 3G - mais de dez vezes mais veloz.
A mudan�a da infraestrutura global para 3G ocorreu aos poucos, come�ando pelo Jap�o, com a primeira rede lan�ada em T�quio, em outubro de 2001, pela operadora japonesa NTT Docomo. Dois meses depois, a Verizon lan�ava a primeira rede 3G nos Estados Unidos, passo dado pelo Reino Unido em mar�o de 2003. A nova tecnologia chegou ao Brasil em 2004, de forma restrita, sendo ampliada em 2007. Globalmente, o 3G permitiu a expans�o dos telefones celulares inteligentes, oferecendo uma experi�ncia em movimento semelhante ao uso da internet por um computador conectado ao um cabo na parede. Sem a infraestrutura do 3G, os telefones celulares continuariam presos a mensagens de texto por SMS e conte�do b�sico, e a revolu��o da mobilidade n�o teria sido poss�vel.
Um dos pa�ses que surfaram bem nessa onda foi a Coreia do Sul, que no in�cio do s�culo era considerada a na��o mais avan�ada do mundo em termos de telefonia celular. Sua tradicional Samsung , que produzia aparelhos desde o final dos anos 1980, e a LG, que entrou no mercado em 2002, tornaram-se sin�nimos de telefones de qualidade, especialmente no mercado asi�tico. Para o novo mundo criado pelo iPhone, no entanto, os sul-coreanos viam-se em dificuldade semelhante � enfrentada pela europeia Nokia, a americana Motorola ou a japonesa Sony Ericsson. O que mudaria o jogo seria a entrada de um jogador poderoso, com recursos, capacidade tecnol�gica e vis�o suficientes para enfrentar as m�gicas de Steve Jobs. Esse nome era o Google.

Em 2005, o gigante da internet, fundado por Larry Page e Sergey Brin em 1998, adquiriu uma pequena empresa da Calif�rnia chamada Android Inc. Inicialmente interessada em produzir um sistema operacional para c�meras digitais, a Android percebeu que seu uso seria mais valioso em telefones celulares. J� sob o enorme guarda-chuva do Google, o sistema Android foi desenvolvido usando como base tecnol�gica o Linux, de c�digo aberto (em ingl�s, "open source"). Isso significou que o Android tamb�m seria um sistema de c�digo aberto, podendo ser utilizado e melhorado por outros programadores e empresas. O ambicioso projeto foi anunciado em novembro de 2007.
Comandado pelo Google, o grupo por tr�s do Android ganhou o nome de Open Handset Alliance (Alian�a de Aparelhos Abertos), com a participa��o de HTC, T-Mobile, Motorola, Samsung, LG e outras 28 empresas. "Ao oferecer aos desenvolvedores um novo n�vel de abertura que permita que eles trabalhem de forma mais colaborativa, o Android acelerar� o ritmo com que novos e atraentes servi�os m�veis sejam colocados � disposi��o dos consumidores", disse o comunidade oficial da alian�a. Em setembro de 2008, o projeto do Google tornou-se realidade, com o lan�amento do primeiro celular com o sistema operacional Android, o HTC Dream, da taiwanesa HTC. Um m�s depois, era lan�ada a Android Market, a loja de apps feitos para o novo sistema - que, em 2012, se tornaria Google Play.
Com o passar dos anos, o mundo dos smartphones passaria a ser basicamente dividido em dois: de um lado a Apple e seu sistema iOS, para o iPhone, e do outro o Google e sua alian�a Android. O primeiro fechado, sob controle total da Apple, e outro aberto para a participa��o de criadores do mundo todo. A Apple com participa��o do mercado em torno de 15%, e o Android dominando os outros 85%. A partir de 2009, com sua s�rie Galaxy operadas com Android, a sul-coreana Samsung voltou ao topo do mercado internacional e tornou-se a principal concorrente da Apple na disputa pela lideran�a nas vendas. Isso tudo facilitado pela chegada da nova infraestrutura de telecomunica��es do sistema 4G, introduzido e disseminado na segunda d�cada do s�culo 21. Usu�rios de celular passaram a contar com velocidades de conex�o de at� 100 megabits por segundo - mais de 20 vezes mais r�pido que o 3G.
Efeitos da tecnologia
Em junho de 2006, os telefones celulares apareceram com destaque no site de not�cias da BBC News, o que j� se tornara comum. Dessa vez, no entanto, a reportagem estava na �rea de sa�de. "Especialistas alertaram sobre os perigos do uso excessivo de telefones celulares e consoles de jogos em crian�as, depois que uma menina desenvolveu ferimento por esfor�o repetitivo."
A paciente, uma inglesa de 8 anos de idade, "percebeu dores em seus dedos e pulsos depois de enviar 30 mensagens de texto por dia". Na reportagem, Tim Hutchful, da Associa��o Brit�nica de Quiropraxia, explicava o fen�meno. "Quando voc� escreve uma mensagem de texto, voc� tende a deixar seus ombros e bra�os tensos. Isso reduz a circula��o para o antebra�o, quando na verdade ele precisa de um fluxo sangu�neo maior que o normal para realizar os leves movimentos dos ded�es e dos dedos." Era o come�o de longos debates e detalhadas pesquisas sobre o efeito do constante e crescente uso do telefone celular por bilh�es de pessoas no mundo.

Os celulares avan�aram e mudaram muito desde o fim dos anos 2000. A tela do primeiro iPhone media 8,9 cent�metros na diagonal, e a do HTC Dream apenas 8,1 cm. Com o tempo, por�m, os fabricantes passaram a apostar em telas amplas e de alt�ssima qualidade. Os Galaxy da Samsung cresceram at� chegar a uma tela com 17 cent�metros na diagonal. O padr�o de tela m�nimo do iPhone evoluiu para 12 cm com o iPhone 6, chegando a 15 cm nos modelos maiores, como os iPhones 11 e 12. Essa tend�ncia liberou mais os movimentos da m�os e dos dedos, antes restritos a teclados fixos e muito pequenos. Outros efeitos do uso do celular, no entanto, passaram a preocupar profissionais da �rea da sa�de.
Na virada da primeira para a segunda d�cadas do mil�nio, os celulares despertavam preocupa��o quanto � possibilidade de causarem c�ncer, especialmente em crian�as. "Crian�as t�m um cr�nio mais fino, menos protegido, t�m mais �gua no c�rebro, ent�o h� v�rias raz�es pelas quais elas absorvem mais radia��o", disse em 2011 a m�dica especialista Annie Sasco, � reportagem da BBC News. Em meio ao debate, pais passaram a deixar seus filhos mais longe dos aparelhos, e usu�rios de todas as idades adotaram diferentes pr�ticas, como usar fones de ouvido para conversar com o celular. Al�m disso, o aparelho tornava-se muito mais �til para a navega��o em aplicativos e na Web do que para a antiga conversa pelo telefone. O contato do celular com o ouvido tornou-se menos frequente, mas os olhos ficaram grudados na tela.

A crescente adi��o de novas fun��es aos smartphones fez com que, gradativamente, as pessoas substitu�ssem outros aparelhos e objetos pelo telefone que carregavam no bolso ou na bolsa. Muitos deixaram de usar rel�gios de pulso, consultando a hora no telefone, que j� havia substitu�do o despertador ao lado da cama. Turistas n�o mais carregavam c�meras fotogr�ficas em suas viagens, com seus telefones n�o s� resolvendo o registro da experi�ncia como tamb�m permitindo a remessa imediata de cada foto. O computador de mesa foi substitu�do pelo aparelho m�vel em v�rias ocasi�es, e at� os consoles e joysticks de videogames passaram a ser menos usados com a inunda��o de jogos no celular. Outros objetos, como r�gua, b�ssola, gravador e at� mesmo espelho, tornaram-se irrelevantes para muita gente que preferia usar o celular para atividades do cotidiano - como ao usar a c�mera de selfie para arrumar o cabelo.
O celular tornou-se um objeto de uso di�rio, essencial para manter-se informado, ter uma vida social e at� mesmo para namorar. Em setembro de 2012, chegou ao mercado, inicialmente apenas para usu�rios de iPhone, o aplicativo de relacionamentos Tinder. Adaptado � natureza do uso dos novos celulares inteligentes, o app baseava-se em tr�s a��es: ver fotos de candidatos a par rom�ntico; arrast�-las, para a direita em sinal de aprova��o ou para a esquerda no caso de rejei��o; iniciar uma conversa por meio de mensagens escritas, o que permitiria o arranjo de um poss�vel encontro.

As preocupa��es com o uso supostamente excessivo do celular cresceram. Em maio de 2013, o t�tulo de um texto do jornal brit�nico The Daily Mail dizia: "N�s agora passamos mais tempo olhando para a tela do celular do que com nosso parceiro". Citando um estudo da operadora de telefones O2, a reportagem afirmava que o usu�rio m�dio brit�nico de smartphone "tende a passar duas horas (119 minutos) por dia usando o equipamento". Em seguida, dizia que a m�dia de tempo dedicada ao companheiro ou companheira era de 97 minutos di�rios. O estudo tamb�m mostrava que a atividade preferida dos brit�nicos no celular era navega��o pela Web, 24 minutos em m�dia por dia, seguida das redes sociais (16 minutos), ouvir m�sica (15 minutos) e jogos (13 minutos). A tradicional atividade de falar ao telefone ocupava apenas 13 minutos do uso do aparelho, o mesmo que jogos eletr�nicos.
A populariza��o de apps sociais como Instagram, Snapchat e TikTok, sem falar dos onipresentes Facebook e WhatsApp, fizeram o uso do celular aumentar em frequ�ncia e intensidade. Isso levou a novos temores sobre o impacto desse envolvimento �ntimo com um aparelho eletr�nico, com novos estudos e debates na televis�o e no r�dio sobre o fen�meno. Seguidas manchetes na imprensa mostravam o tamanho da preocupa��o, como essas da BBC News: "V�cio em smartphone: Jovens 'ficam em p�nico' quando s�o proibidos de acessar o celular" (29 de novembro de 2019); "A maioria das crian�as dorme com seu celular ao lado da cama" (30 de janeiro de 2020); "Metade das crian�as de 10 anos do Reino Unido tem celular" (4 de fevereiro de 2020)".
Na primeira reportagem, sobre jovens "viciados" em celular, a doutora Nicola Kalk, da universidade King's College London, dizia: "Os smartphones vieram para ficar, e precisamos entender a preval�ncia de seu uso problem�tico". A poss�vel causa do suposto v�cio era incerta. "N�o sabemos se � o pr�prio smartphone que pode ser viciante ou se s�o os aplicativos que as pessoas usam." O mundo vivia um embate entre seu apetite por novidades oferecidas em seus aparelhos m�veis e o esfor�o para evitar que eles controlassem nossas vidas.
Rea��o anal�gica e futuro
Ao final da segunda d�cada do terceiro mil�nio, uma coisa era inquestion�vel: o telefone celular, mesmo em sua mais avan�ada vers�o de smartphone, n�o era mais novidade. O mundo j� tratava com normalidade o fato de que esses pequenos aparelhos podiam nos oferecer conex�es sociais antes inimagin�veis, imagens em realidade aumentada, contextos em realidade virtual e respostas extremamente velozes baseadas em algum n�vel de intelig�ncia artificial. Nesse cen�rio, muitos come�aram a retomar o apre�o por algumas experi�ncias e produtos anal�gicos.
Em 2013, um peda�o da nova era digital j� parecia perder for�a. Segundo escreveu o jornal The Wall Street Journal, em janeiro daquele ano, "livros de capa dura est�o demonstrando uma resili�ncia surpreendente". Segundo o jornal: "Pode ser que os e-books, em vez de substituir os livros impressos, no final ter�o um papel mais como o dos livros em �udio - um complemento � leitura tradicional, n�o um substituto". Nos anos seguintes, a parcela ocupada pelas edi��es eletr�nicas nos mercados de livros dos Estados Unidos e da Europa estabilizou-se em 20% ou menos - 80% do mercado continuaria a ser de livros impressos. Em 2017, o The Guardian noticiava que, no Reino Unido, as vendas de livros impressos haviam aumentado 4% em 2016, enquanto as das obras em vers�o digital haviam ca�do 4%.

Outra experi�ncia cultural anal�gica que se recuperou na d�cada de 2010 foi o disco de vinil, que no final do s�culo 20 muitos consideravam quase extinto, ap�s o aparecimento dos CDs. Depois de anos de aumento de vendas, no primeiro semestre de 2020 as vendas de LPs de vinil superaram as de CDs nos Estados Unidos, algo que n�o ocorria desde os anos 1980 - chegaram a 62% do total de unidades f�sicas de m�sica.
Nada disso, entretanto, mudaria a trajet�ria, iniciada nos anos 1990 e potencializada pela chegada do iPhone em 2007, de crescente ado��o da tecnologia digital m�vel. Nas duas primeiras d�cadas do s�culo 21, esse movimento esteve concentrado no telefone celular, mesmo ap�s o lan�amento dos tablets - tanto o iPad, da Apple, como o Galaxy, da Samsung, que vieram em 2010. O smartphone tornou-se o objeto mais essencial na vida de qualquer cidad�o moderno, superando sua pr�pria carteira - pagamentos, afinal, passaram a tamb�m ser feitos via celular.
No entanto, o futuro, a partir dos anos 2020, sugeria que um dia talvez o celular n�o fosse mais t�o necess�rio. O acesso � internet come�ava a ser poss�vel a partir de pe�as de roupas, �culos, rel�gios e outros objetos de uso pessoal - e tudo isso seria impulsionado pela incrivelmente veloz conex�o 5G. O projeto do Google de um �culos online, o Google Glass, lan�ado em 2013, n�o foi amplamente adotado devido a receios quanto � privacidade. Especialistas apostavam, por�m, que o interesse por objetos conectados s� aumentaria com o tempo. O pr�prio corpo humano come�ava a ser poss�vel campo de explora��o para a tecnologia m�vel - para que um celular, se a pr�pria m�o estiver conectada � internet?

Essas possibilidades foram muito bem exploradas num dos produtos culturais de maior sucesso e relev�ncia dos anos 2010: a s�rie de TV brit�nica Black Mirror. Em um texto para o The Guardian, na �poca da estreia da s�rie, em dezembro de 2011, seu criador, Charlie Brooker, falou sobre sua experi�ncia com as novas tecnologias. "Eu estava usando o novo iPhone, aquele com o Siri, o assistente pessoal do telefone com o qual voc� conversa", escreveu Brooker, que admitiu usar o sistema n�o apenas para test�-lo, mas porque precisava de ajuda. "� isso. Eu agora posso esperar falar com m�quinas para o resto da minha vida. Hoje � o Siri. Amanh� ser� um carro falante."
O in�cio do s�culo 21 foi a �poca em que tecnologias de comunica��o e conex�o m�veis que pareciam pertencer � fic��o cient�fica finalmente viraram realidade. J� era poss�vel sentir, por�m, que a velocidade e a intensidade de futuras fases dessa revolu��o fariam com que muitos se esquecessem facilmente dos marcos atingidos nos anos 2000 e 2010. Nas pr�ximas d�cadas de 2020, 2030, 2040 etc, a tecnologia digital continuaria avan�ando, cada vez mais rapidamente, sem tempo de olhar para tr�s.
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!