
A professora Aline Bruna da Silva, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMAT), do Centro Federal de Educa��o Tecnol�gica de Minas Gerais (Cefet-MG), � respons�vel pela condu��o de pesquisas com carne cultivada, tamb�m conhecida como carne de laborat�rio.
“A carne cultivada � uma carne para consumo humano, produzida a partir do cultivo de c�lulas animais em laborat�rio. Essa � uma nova frente tecnol�gica que utiliza t�cnicas de reprodu��o da engenharia de tecidos, combinando materiais e c�lulas, para obten��o de carne id�ntica � carne convencional. Ou seja, � simplesmente carne”, explica.
Segundo a pesquisadora, “o desenvolvimento de novas tecnologias do setor � uma quest�o de sobreviv�ncia”.
Basicamente, a produ��o de carne cultivada envolve a extra��o de c�lulas de um animal, como c�lulas-tronco, em uma bi�psia. Em seguida, esse material � expandido em um biorreator com nutrientes adequados (meio de cultura) para prolifera��o e diferencia��o das c�lulas. A carne, ent�o, � colhida.
“O produto resultante dessa tecnologia � uma carne real, mas sem a necessidade de sacrif�cio de animais, obtida em ambiente limpo, livre de doen�as e sem uso de antibi�ticos durante sua produ��o”, pontua a pesquisadora.
Ecossistema e sa�de agradecem
A tecnologia garante a alimenta��o humana sem a necessidade da cria��o de animais para obten��o de carne, trazendo benef�cios para a sa�de e para o meio ambiente.
“Estima-se que com a produ��o de carne cultivada o consumo de energia pode ser reduzido em at� 50%, a emiss�es de gases de efeito estufa entre 75 e 90%, o consumo de �gua entre 80 e 95% e o uso de terra em at� 99%”, detalha Aline.
O tempo de produ��o do alimento � outra vari�vel que chama a aten��o: uma tonelada do produto levar� cerca de duas semanas para ser produzida. A cria��o de um boi pronto para abate leva, em m�dia, dois anos.
Na nutri��o, as carnes cultivadas s�o consideradas fontes alternativas de prote�na animal, que podem trazer benef�cios para a sa�de humana.
“Os n�veis de gordura e colesterol nas carnes cultivadas podem ser controlados, levando a resultados potencialmente positivos para a sa�de, uma vez que valores elevados de colesterol no sangue podem levar ao desenvolvimento de doen�as cr�nicas n�o-transmiss�veis, como as doen�as cardiovasculares. Devido �s caracter�sticas inerentes da sua produ��o, essas carnes tamb�m podem ser fortificadas com vitaminas e minerais e, dessa forma, se enquadrar como um alimento de relevante valor nutricional”, explica a nutricionista do CEFET-MG em Varginha, Andreza Campos.
Para o presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Ricardo Laurino, a carne cultivada pode ser uma “op��o interessante”, com contribui��es para o meio ambiente e para a vida dos animais.
“Vemos como um desenvolvimento, uma novidade que pode, sim, atingir um grupo numeroso de pessoas que, at� ent�o, n�o abre m�o de comer carne e � relutante quanto �s grandes possibilidades dispon�veis na alimenta��o � base de vegetais.”
Por outro lado ...
Nenhuma empresa de carne cultivada atingiu produ��o comercial em termos de escala ou custo no mundo, apesar dos avan�os nos �ltimos anos.
O primeiro hamb�rguer totalmente cultivado em laborat�rio foi fruto de pesquisas lideradas pelo professor Mark Post, bi�logo da Universidade de Maastricht, na Holanda, e custou U $330 mil. Atualmente, o mesmo hamb�rguer j� pode ser produzido por U$ 10.
As dificuldades passam por desafios t�cnicos e cient�ficos para alavancar a tecnologia, que v�o desde o desenvolvimento da linhagem celular ao projeto do biorreator, al�m da forma��o de profissionais qualificados para atuar na �rea, aponta a professora do Cefet-MG.
Al�m do custo do produto, � preciso considerar um fator determinante para que ele chegue � mesa dos brasileiros: o consumidor, avalia a nutricionista Andreza Campos.
“� importante que este tipo de produto possa replicar as experi�ncias sensoriais (vis�o e paladar) trazidas pelo consumo de carne. Passar pela aprova��o dos consumidores, incluindo vencer a resist�ncia por ser um produto ‘de laborat�rio’, enquanto h� forte prefer�ncia por alimentos naturais, deve ser o desafio mais decisivo”, afirma.
Regulamenta��o
No mundo, as negocia��es para comercializa��o desses novos produtos est�o a todo vapor. Em 2020, a empresa israelense Eat Just recebeu aprova��o regulat�ria para vender seu frango cultivado em Singapura. Logo em seguida, foi aprovada e regulamentada a primeira instala��o para produ��o da carne, tamb�m em Singapura.
A seguran�a alimentar � um fator decisivo para aprova��o e regulamenta��o de produtos pelos �rg�os de fiscaliza��o e controle. Por isso, a ind�stria aliment�cia deve atender a padr�es de qualidade, tanto nos aspectos higi�nico-sanit�rio, quanto nutricional, ou seja, precisa estar atenta � isen��o de contaminantes de toda ordem e oferecer nutrientes e minerais, explica Andreza.
No Brasil, grandes empresas, como a BRF e a JBS, declararam recentemente que est�o investindo nessa tecnologia e pretendem comercializar carne cultivada no pa�s a partir de 2024.
Essas not�cias mobilizaram o The Good Food Institute (GFI), institui��o sem fins lucrativos que busca promover e financiar solu��es inovadoras para resolver o problema da alimenta��o no mundo.
A entidade organizou um workshop para reguladores brasileiros, com foco nas equipes do Departamento de Inspe��o de Produtos de Origem Animal do Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (DIPOA/MAPA) e da Ger�ncia Geral de Alimentos da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (GGALI/Anvisa).
Durante o evento, realizado entre 17 e 22 de junho de 2021, foram apresentadas informa��es sobre a t�cnica de cultivo celular para obten��o de produtos c�rneos, al�m de pontos importantes que podem ser considerados na regula��o. A pesquisadora destaca as quest�es de seguran�a do processo e do produto final.
Aline esteve entre as apresentadoras da tecnologia para os �rg�os de fiscaliza��o, ao lado do bi�logo e professor da Sociedade Educacional de Santa Catarina (UniSociesc), Dr. Bruno Bellagamba; do cientista do GFI Estados Unidos, Dr. Elliot Swartz; e do engenheiro qu�mico e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Dr. Luismar Porto. O workshop reuniu 70 profissionais.
Esse foi o primeiro grande movimento para regulamenta��o da carne cultivada no Brasil, mas os desafios ainda s�o grandes, afinal o produto � novo e protocolos precisam ser tra�ados.
“A regulamenta��o convencional da carne n�o servir� para essa nova realidade e j� existem iniciativas para definir regula��o e controle, por�m trabalhando na incerteza, afinal, n�o h� processos bem definidos. Mesmo quest�es t�o simples, como a deteriora��o e prolifera��o de microrganismos patog�nicos na carne cultivada, precisam ser pesquisadas para que seja poss�vel definir as bases da regulamenta��o”, afirma Andreza.
*Estagi�ria sob supervis�o