
Trinta e cinco anos depois de ir ao ar o �ltimo cap�tulo de “Roque Santeiro”, a novela agora est� dispon�vel, na �ntegra, na plataforma Globoplay. Trata-se de um dos folhetins que mais fizeram sucesso na Globo, mas tamb�m o que mais foi censurado durante o governo militar.
Afinal de contas, a trama criada por Dias Gomes, que se tornou um cl�ssico da televis�o brasileira, era uma s�tira atemporal � explora��o pol�tica e comercial da f� popular.
Na cidade fict�cia de Asa Branca, os moradores vivem em fun��o dos supostos milagres de Roque Santeiro (Jos� Wilker), coroinha e artes�o de santos de barro que teria morrido como m�rtir ao defender a comunidade do bandido Navalhada, vivido por Oswaldo Loureiro.
O falso santo reaparece em carne e osso, alguns anos depois, amea�ando o poder e a riqueza das autoridades. Entre os que se sentem amea�ados com a volta de Roque est�o o conservador padre Hip�lito (Paulo Gracindo), o prefeito Florindo Abelha (Ary Fontoura), o comerciante Z� das Medalhas (Armando B�gus) e o temido fazendeiro Sinhozinho Malta (Lima Duarte), amante da pretensa vi�va do santo, a fogosa Porcina, papel inesquec�vel de Regina Duarte.
TEATRO
O personagem Roque Santeiro surgiu pela primeira vez na pe�a “O ber�o do her�i”, que estrearia em 1965 se n�o fosse proibida pelo governo militar. Dez anos depois, em 1975, j� consagrado como autor de telenovelas, Dias Gomes adaptou a trama e a transformou em “Roque Santeiro”, cujo primeiro cap�tulo nem sequer foi exibido, ap�s a censura do Departamento de Ordem Pol�tica e Social, o temido Dops.
Em 1985, j� na fase de abertura pol�tica, a novela finalmente foi exibida. Um sucesso retumbante, cravando, em m�dia, 75% da audi�ncia. Mesmo assim, Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que o auxiliava na escrita dos cap�tulos, continuaram sofrendo a a��o da censura.
“'Roque santeiro’ foi sucesso e divisor de �guas tamb�m”, relembra Lima Duarte. “‘Roque Santeiro' sempre estava na pauta de todas as conversas, era uma novela que todos n�s ador�vamos e ficou dez anos proibida. S� eu era remanescente do elenco original, o Sinhozinho. Mas foi muito feliz porque teve o maravilhoso Z� Wilker fazendo o Roque Santeiro e a Porcina, com a Regina Duarte, maravilhosa.”
O veterano ator diz que a novela envolveu o telespectador no subtexto: “Falamos de voc�, do nosso pa�s. Estamos contando hist�rias que um dia, um momento, aconteceram com voc�. Por isso, as pessoas se reconhecem. Quando pega fundo no cora��o dele, o espectador se identifica. Um dia, me disseram que gostam quando entro na novela, porque sempre d�o risada. Voc� s� ri do que concorda, voc� n�o ri do que discorda. A trama era interessant�ssima, falava de um pa�s que se tornava grande, livre, importante. Tinha padres, freiras, her�is, prostitutas, bandidos, ladr�es. Era um microcosmos do Brasil”, observa Lima Duarte.
CARISMA
Al�m de artistas consagrados, a novela de Dias Gomes abriu espa�o para iniciantes que, com o tempo, tamb�m se tornaram famosos. � o caso de Claudia Raia, que viveu Ninon, uma das dan�arinas da boate Sexus. Inicialmente, ela n�o teria falas, mas o carisma da atriz se imp�s e Claudia ganhou mais destaque na trama.
“Foi a minha primeira novela, era uma personagem pequena, mas tudo o que podia mostrar do meu trabalho, eu mostrava”, relembra. “Tem uma hist�ria maravilhosa: havia uma cena que eu dividia com a Regina Duarte. Era uma fala s�, mas ensaiei como se eu fosse a protagonista. E a Regina me cortou sem querer. Parei e pedi para voltar, pois tinha ensaiado tr�s semanas para falar (risos). Mas ela foi muito querida, a gente refez a cena, falei e deu tudo certo. Imagina se eu poderia perder aquela oportunidade? Jamais!”, comenta a atriz.
SUBVERS�O
Claudia se lembra com carinho de Jos� Wilker, que morreu em 2014. “Ele dominava o personagem de maneira muito segura” comenta, destacando a ousadia do autor. “Meu n�cleo era quase uma afronta. O texto do Dias Gomes trazia elementos fant�sticos, como a hist�ria do lobisomem, que faziam com que a hist�ria, uma grande cr�tica sociopol�tica, fosse muitas vezes interpretada de maneira aleg�rica, l�dica. Se a gente parar para pensar, ainda � um enredo muito atual.”
Para atriz, o humor � o melhor caminho para enfrentar temas delicados. “O bonito do humor � que essa linguagem nos permite abordar tudo, fazer cr�ticas e propor reflex�es. � assim at� hoje”, diz. “Pra mim, o humor � uma grande ferramenta de subvers�o e vai continuar sendo assim sempre. � um grande ato pol�tico”, conclui Claudia Raia. (Estad�o Conte�do)