Você pode provar dezenas de coxinhas nas lanchonetes de Belo Horizonte e sair de cada uma delas com uma opinião. Pode dizer que a da esquina tem gosto de óleo velho, que a do Centro tem uma massa com sabor desagradável, que aquela da lanchonete tradicional é boa, mas exagera na quantidade de requeijão ou na picância.

 


É assim, no cotidiano das práticas alimentares, que a palavra gosto entra em cena. Ela pode ser, porém, uma palavra ardilosa. Falar sobre gosto parece simples, mas não é. Esse termo carrega ambiguidades e talvez por isso mesmo me pareça tão fascinante.

 

Afinal, ao falar do “gosto” da coxinha, estamos falando sobre uma experiência? Ou sobre uma percepção química? A confusão aumenta porque, é verdade, no português do Brasil, confundimos com frequência gosto e sabor, como se fossem sinônimos. Mas não são.

 


Por um lado, o campo da análise sensorial é regulado por normas técnicas que definem o gosto de forma estrita: é apenas aquilo que é percebido pelas nossas papilas gustativas.

 

Em consenso científico, só podemos identificar cinco sensações básicas: doce, salgado, amargo, ácido e umami. Esse último costuma despertar mais dúvidas que certezas, e voltarei a ele em outro texto. Tudo o que percebemos além disso, como o cheiro (olfato), a textura (tato) e a ardência da pimenta (tato), não são tecnicamente “gosto”, mas sensações classificadas sob outros nomes.

 


Ainda dentro dessa perspectiva de normas técnicas brasileiras, o sabor é descrito como a mistura de gosto, aroma e textura que sentimos ao comer.

 

Enquanto gosto se restringe àquilo que é percebido exclusivamente pelas papilas gustativas, sabor é tudo aquilo que é percebido dentro da nossa cavidade bucal. Por mais estranho que possa parecer, sim, dentro da cavidade bucal existe uma percepção olfativa, chamada de aroma, percebida pela via retronasal – um canal que conecta nossa cavidade bucal com as vias aéreas superiores.

 


Por outro lado, boa parte da literatura estrangeira da alimentação reconhece o gosto como resultado de uma experiência por vários sentidos, não apenas pelo paladar. Não se trata só do que a língua sente, mas também do que o nariz percebe, do que o tato reconhece na boca, da visão, da audição e, principalmente, do que a mente interpreta.

 

Quando dizemos “gosto disso”, estamos afirmando algo sobre o alimento e sobre nós mesmos – sobre as referências que carregamos, as influências que nos formaram e as hierarquias invisíveis que moldam nossas preferências.

 


Talvez por isso tantas vezes se repita a frase “gosto não se discute”. Ela soa como um consenso, mas pode esconder algo importante: ao não discutir o gosto, mantemos intocados certos valores que vêm de longe. Continuamos a associar “bom gosto” a determinados padrões, a tratar outras práticas alimentares como exóticas ou “menores”.

 

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A questão, então, não é apenas se a coxinha tem um sabor “tecnicamente perfeito”. O que a torna memorável é o juízo que impomos sobre ela – e a própria ideia que construímos do que é a perfeição técnica na comida. Cada vez que dizemos “gosto ou não dessa coxinha”, falamos daquilo que somos – e também daquilo que fomos ensinados a admirar.

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