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Atualmente, as informações fluem como rios longos e rápidos, e já não é possível prestar atenção e pinçar coisas interessantes, a não ser que se esteja muito atento, ou alertado para determinado acontecimento.
E foi assim, pesquisando na biblioteca, que Gabriel, estudante de Arquitetura na Mackenzie, em São Paulo, me mandou a foto de um livro e me alertou sobre a temporada de Oscar Niemeyer em Israel, história que não conhecia.
Uma breve pesquisa trouxe um excelente texto publicado no portal do Instituto Brasil Israel , revelando que, ao invés dos 90 dias, a temporada se estendeu por 6 meses inteiros, e por um motivo mais do que peculiar: o golpe militar que ocorria em Pindorama o impedia de retornar ao país.
Nascido em 1914 na Alemanha, Yekutiel (Xiel) Federmann troca a Europa (e a morte certa) por Israel no ano de 1940, dando início ao que se tornaria a principal rede hoteleira do país, Dan Hotels, mas foram os seus negócios no mercado imobiliário, mais especificamente do desenvolvimento de um conjunto de prédios e setores urbanos no bairro Nordia, no centro de Tel Aviv, que o levaram a convidar Oscar Niemeyer, então um arquiteto de renome mundial, para esse e outros projetos imobiliários no jovem país.
E, ao longo dos 6 meses, em 1964, um projeto imobiliário eminentemente privado se desdobra em várias outras iniciativas, de caráter mais público e institucional, como Eshkol Tower (Universidade de Haifa) e o desenho de uma nova cidade no deserto, “Ir Hanegev”, na região mais ao sul de Israel.
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Reproduzindo uma passagem do texto publicado pelo Instituto Brasil Israel, “Na sua opinião, a jovem nação era hesitante demais em relação à condução de seu planejamento arquitetônico. O debate era entre o modernismo e o vernacularismo, entre o urbano e o rural, entre o vertical e o horizontal. Sua crítica ao planejamento urbano de Israel pode ser bem sentida em sua proposta de uma nova cidade no Negev chamada “Ir Hanegev” feita a convite de Yosef Almogi, então ministro da Habitação. A cidade ideal foi projetada para uma população estimada em 50.000 habitantes, em condições severas do deserto, e foi baseada em 40 arranha-céus de 30 a 40 andares cada. Niemeyer descreveu a cidade, em artigo publicado na revista brasileira Módulo, como “um novo tipo de kibutz metropolitano que cresceu, expandiu e atualizou sem perder suas qualidades humanas de entusiasmo, solidariedade e idealismo”.
A concepção do “Plano Negev” vem poucos anos após a inauguração de Brasília e, para além da identidade arquitetônica comum aos edifícios de Niemeyer, há traços familiares entre a concepção de Brasília e do Plano Negev, com centro cívico, planos de perspectiva longos, o “vazio” entre os edifícios e a setorização de usos, herança mais “lecorbusiana” e parte do jeito moderno e pós-moderno de imaginar as cidades.
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Mas há uma abordagem que diferencia as concepções do Plano Negev e do de Brasília: o foco na verticalidade como medida de contenção do espalhamento e, por que não, uma atenção a uma dimensão mais do que necessária para a Israel da década de 1960: a redução dos custos ao pensar uma cidade compacta.
Tivesse sido levada adiante, talvez o Plano Negev fosse um novo paradigma, o ajuste necessário da visão lecorbusiana (desconsiderando, claro, o erro repetido, ad nauseam, da setorização dos usos), mais adequada e aderente às restrições econômicas e financeiras dos países pobres e de terceiro mundo.
O rio de informações passou, largo e rápido, Gabriel me alertou, e uma nova janela na história do gênio maior da Arquitetura se abriu para mim. A beleza de sua visão, dos desenhos, das ideias e dos debates que certamente ocorreram em Israel devem permanecer como registro de um tempo distante, que nos faz lembrar que as cidades podem vir da engenhosidade e da visão da coletividade, mas só estarão validadas pela experiência e necessidades do indivíduo, o único capaz de avaliar e medir a eficiência desse arranjo.
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É possível que nenhum outro país consiga combinar o vernacular com a dinâmica da mudança, como um país que nasceu socialista e evoluiu para uma democracia liberal, que mescla materiais milenares com técnicas construtivas ultra eficientes, tradições religiosas e ciência de ponta. O Plano Negev teria, certamente, começado com uma visão lecorbusiana de cidade, planejado ao extremo, setorizado, mas evoluído para além da esterilidade dos usos segregados; compacta e vertical desde a concepção, seria hoje um laboratório vivo de uma visão coletivista que evoluiu para acomodar as necessidades do indivíduo.
Mudar nem sempre é evoluir. Evoluir é mudar sem abandonar princípios, e sem abandonar a visão de futuro.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.