Leon Myssior
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Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

Niemeyer no deserto

Uma janela para a temporada do Arquiteto Oscar Niemeyer em Israel

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Atualmente, as informações fluem como rios longos e rápidos, e já não é possível prestar atenção e pinçar coisas interessantes, a não ser que se esteja muito atento, ou alertado para determinado acontecimento.

E foi assim, pesquisando na biblioteca, que Gabriel, estudante de Arquitetura na Mackenzie, em São Paulo, me mandou a foto de um livro e me alertou sobre a temporada de Oscar Niemeyer em Israel, história que não conhecia.

Oscar Niemeyer, 90 dias em Israel, capa de publicação sobre estadia de seis meses do arquiteto no país do Oriente Médio nos anos 1960
Oscar Niemeyer, 90 dias em Israel, capa de publicação sobre estadia de seis meses do arquiteto no país do Oriente Médio nos anos 1960 Reprodução

Uma breve pesquisa trouxe um excelente texto publicado no portal do Instituto Brasil Israel , revelando que, ao invés dos 90 dias, a temporada se estendeu por 6 meses inteiros, e por um motivo mais do que peculiar: o golpe militar que ocorria em Pindorama o impedia de retornar ao país.

Nascido em 1914 na Alemanha, Yekutiel (Xiel) Federmann troca a Europa (e a morte certa) por Israel no ano de 1940, dando início ao que se tornaria a principal rede hoteleira do país, Dan Hotels, mas foram os seus negócios no mercado imobiliário, mais especificamente do desenvolvimento de um conjunto de prédios e setores urbanos no bairro Nordia, no centro de Tel Aviv, que o levaram a convidar Oscar Niemeyer, então um arquiteto de renome mundial, para esse e outros projetos imobiliários no jovem país.

E, ao longo dos 6 meses, em 1964, um projeto imobiliário eminentemente privado se desdobra em várias outras iniciativas, de caráter mais público e institucional, como Eshkol Tower (Universidade de Haifa) e o desenho de uma nova cidade no deserto, “Ir Hanegev”, na região mais ao sul de Israel.

Reproduzindo uma passagem do texto publicado pelo Instituto Brasil Israel, “Na sua opinião, a jovem nação era hesitante demais em relação à condução de seu planejamento arquitetônico. O debate era entre o modernismo e o vernacularismo, entre o urbano e o rural, entre o vertical e o horizontal. Sua crítica ao planejamento urbano de Israel pode ser bem sentida em sua proposta de uma nova cidade no Negev chamada “Ir Hanegev” feita a convite de Yosef Almogi, então ministro da Habitação. A cidade ideal foi projetada para uma população estimada em 50.000 habitantes, em condições severas do deserto, e foi baseada em 40 arranha-céus de 30 a 40 andares cada. Niemeyer descreveu a cidade, em artigo publicado na revista brasileira Módulo, como “um novo tipo de kibutz metropolitano que cresceu, expandiu e atualizou sem perder suas qualidades humanas de entusiasmo, solidariedade e idealismo”.

Reprodução de página do artigo de Oscar Niemeyer em que descreve o projeto de construção de Ir Hanegev, uma cidade em pleno deserto de Israel
Reprodução de página do artigo de Oscar Niemeyer em que descreve o projeto de construção de Ir Hanegev, uma cidade em pleno deserto de Israel Reprodução

A concepção do “Plano Negev” vem poucos anos após a inauguração de Brasília e, para além da identidade arquitetônica comum aos edifícios de Niemeyer, há traços familiares entre a concepção de Brasília e do Plano Negev, com centro cívico, planos de perspectiva longos, o “vazio” entre os edifícios e a setorização de usos, herança mais “lecorbusiana” e parte do jeito moderno e pós-moderno de imaginar as cidades.

Mas há uma abordagem que diferencia as concepções do Plano Negev e do de Brasília: o foco na verticalidade como medida de contenção do espalhamento e, por que não, uma atenção a uma dimensão mais do que necessária para a Israel da década de 1960: a redução dos custos ao pensar uma cidade compacta.

Tivesse sido levada adiante, talvez o Plano Negev fosse um novo paradigma, o ajuste necessário da visão lecorbusiana (desconsiderando, claro, o erro repetido, ad nauseam, da setorização dos usos), mais adequada e aderente às restrições econômicas e financeiras dos países pobres e de terceiro mundo.

O rio de informações passou, largo e rápido, Gabriel me alertou, e uma nova janela na história do gênio maior da Arquitetura se abriu para mim. A beleza de sua visão, dos desenhos, das ideias e dos debates que certamente ocorreram em Israel devem permanecer como registro de um tempo distante, que nos faz lembrar que as cidades podem vir da engenhosidade e da visão da coletividade, mas só estarão validadas pela experiência e necessidades do indivíduo, o único capaz de avaliar e medir a eficiência desse arranjo.

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É possível que nenhum outro país consiga combinar o vernacular com a dinâmica da mudança, como um país que nasceu socialista e evoluiu para uma democracia liberal, que mescla materiais milenares com técnicas construtivas ultra eficientes, tradições religiosas e ciência de ponta. O Plano Negev teria, certamente, começado com uma visão lecorbusiana de cidade, planejado ao extremo, setorizado, mas evoluído para além da esterilidade dos usos segregados; compacta e vertical desde a concepção, seria hoje um laboratório vivo de uma visão coletivista que evoluiu para acomodar as necessidades do indivíduo.

Mudar nem sempre é evoluir. Evoluir é mudar sem abandonar princípios, e sem abandonar a visão de futuro.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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