'O violão é companheiro eterno', diz Toninho Horta, com 60 anos de carreira
O músico mineiro, um dos melhores guitarristas do mundo, vai tocar com orquestra de crianças e sonha em gravar álbum com Herbie Hancock
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Siga noUma entrevista não, uma “entrevista show”. Com o violão em punho, dedilhando algumas de suas mais conhecidas canções, Toninho Horta foi o convidado desta semana do “EM Minas”, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e Portal Uai. Setenta e seis anos de vida e quase 60 de carreira, o genial instrumentista, arranjador, produtor e compositor relembrou fatos de sua trajetória e falou das muitas (e célebres) parcerias. Plenamente recuperado de uma queda, em Londres, no final de 2024, que resultou em dois pinos no pulso esquerdo, Toninho está pensando em criar seu próprio bloco de carnaval, O Audaz, para a folia de 2026.
O começo oficial de sua carreira é 1970, não é?
Participando daqueles festivais dos anos 1960, principalmente o Festival Internacional da Canção (FIC), junto com o Milton quando ele fez “Travessia” e ganhou o segundo lugar. Eu tinha duas músicas. O Vinicius de Moraes tinha duas letras e o Milton três músicas. E todos só tinham uma música ou uma letra classificada. Então, todo mundo queria conhecer os mineiros. Eu era muito tímido, cantava “Durango Kid” com aquela vozinha, uma timidez danada. Só depois é que me abri, quando comecei mesmo, nos anos 1970. Já meio roqueiro, toquei n’A Tribo com o Nelson Ângelo (e também Joyce, Naná Vasconcelos, Novelli), todo mundo usando aquelas roupas psicodélicas. Depois veio o álbum “Clube da Esquina”, em 1972, e explodiu. Foi uma coisa muito linda o encontro de jovens em Santa Tereza.
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Você citou muita gente. A produção musical de hoje não tem nada disso que você está falando...
Infelizmente, não. Está tudo muito rápido com essa coisa da internet, e a juventude vai nos modismos. Está difícil, mas existem vários projetos alternativos. Fiz uma reunião com um grupo do interior, de Matozinhos, que tem orquestra maravilhosa só de crianças e jovens. Vou entrar como parceiro e fazer concerto na Fundação Dirce Figueiredo. A ligação com Minas é muito forte. Todo lugar a que vou no mundo, falo de Belo Horizonte ou de Minas Gerais. Quando dou workshop, faço uma brincadeira. Os baianos ficam na rede, tomando água de coco. Quando compõem, a nota fica retinha. No Rio de Janeiro, Posto 6, Tom Jobim ficava tomando um chopinho no final da tarde com o Vinicius de Moraes. Já muda um pouco mais, é mais ondulado, com movimentos bem lineares, mas as melodias são mais suaves. Agora, quando você vem para Minas Gerais, a música remonta ao contorno das montanhas.
Este violão que você tem aqui é meio diferente. Você mandou fazer?
Tem gente que me viu pegando o violão que ninguém tocava há muitos anos, porque era ruim, e eu conseguia tirar um som. Até o professor Nelson Faria fala assim: 'O Toninho pega um pedaço de pau qualquer e tira um som’. Tenho facilidade, gosto pelo instrumento, aquela coisa de tatear as cordas. Mas este violão aqui tem sonoridade doce. Como toco sem unha, e ele é estilo flamenco, aí compensa, porque ele é mais brilhante. Foi feito para mim. Escolhi o tipo de madeira, a distância das cordas. Aquele grande cantor americano, George Benson, viu um violão meu no Instagram. A gente gravou em São Paulo um projeto que até hoje não saiu oficialmente. Mas ele pegou meu violão, foi para Los Angeles e nunca mais devolveu. George Benson, for favor, manda o violão pra mim. (risos)
Você não larga o violão, passa o dia dedilhando?
Quando era menino, adolescente, era a vida inteira tocando. Agora, um pouco menos. Mas quando a gente está com ele na mão, não tem jeito de ficar sem (dedilhar). É como se fosse a extensão do meu braço. Se eu não estiver falando, estou tocando. O violão, ou a viola, é um companheiro eterno.
Quando começaram a apontar você como o maior guitarrista do mundo, maior arranjador, foi indicado ao Grammy, a ficha caiu?
Acho que sim, porque já tinha feito várias temporadas em Nova York, então tinha respaldo. A primeira indicação foi em 2004, depois teve outra em 2010, com um disco bacana (“Harmonia & vozes”), com Ivete Sangalo, Beto Guedes, Sérgio Mendes, Djavan e Ivan Lins. E aí, na terceira indicação, eu ganhei com a Orquestra Fantasma, minha banda muito querida, o Grammy Latino 2020.
E a ficha caiu?
Se a minha mãe estivesse viva... Ela faleceu em 2013, com 104 anos de idade. Minha mãe, Dona Geralda, torceu a vida inteira mim. Guardava os meus recortes. Ela chegou a falar: 'Toninho, você é uma celebridade'. Falei: 'Mãe, o que é isso? Não chega a tanto não, mas eu devo a minha vida por você.' O pai da minha mãe, o maestro João Horta, foi mestre de bandas do interior. Escrevia música sacra para as igrejas. No ano da morte da minha mãe, prometi a ela criar o Instituto Maestro João Horta para recuperar a obra dele. A gente está correndo atrás da obra que ele deixou. Tem coisas já no Museu de Música de Mariana, algumas ainda com a família, mas a gente não para. A música está dentro de toda a família.
Você já gravou com o mundo inteiro, trabalhou e se apresentou em vários países. Mas tem alguém com quem o Toninho Horta quer gravar e não gravou ainda?
Sou mais músico, acompanhante e intérprete. Adoro cantores, acompanhei vários. Mas tem alguns instrumentistas com quem gostaria de gravar. Conheço o Herbie Hancock. Muitos anos atrás, gravei com ele, junto com o Milton, em 1976. Mas eu queria fazer um trabalho com ele. É um sonho, pois adoro pianista. Acho que estou aberto a tudo. Preciso do trabalho, preciso tocar com muita gente para sobreviver como músico. Ainda não consegui ter um rendimento à altura do meu nome no mundo inteiro. Se morasse lá fora, talvez.