EXPOSIÇÃO DE ARTES

'Finca-pé: Estórias da terra' expõe as veredas do cerrado no CCBB-BH

Mostra propõe um mergulho nas experimentações do artista brasiliense Antonio Obá, com 50 obras que reúnem desenhos, pinturas e uma instalação

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Recentemente, o curador Moacir dos Anjos apresentou, no Centro Cultural do Banco do Brasil, a exposição Arte Subdesenvolvida, oferecendo uma reflexão crítica e acurada sobre o trabalho de diversos artistas que, ao longo do século 20 no Brasil, se debruçaram sobre questões como a fome, a ausência de políticas públicas e as ações coletivas – mutirões populares que sonhavam a democracia brasileira.

Na mesma instituição, Antonio Obá expõe em projeto curado com a inteligência intuitiva de Fabiana Lopes, que desenha, no espaço das salas do CCBB-BH, a proposta artística geopolítica e cronopolítica de Fincar o pé. Trata-se de um percurso que adentra as veredas do Cerrado, em cartaz até setembro de 2025, ao lado do artista convidado Marcos Siqueira.

Fincar o pé para não se retirar. Para não evadir. Fincar o pé para não desistir. Para reencontrar caminhos antigos, atravessar sertões, orientar-se pelos desvios que o corpo inventa ao se aprofundar nas matas do Cerrado – encantado. Uma insistência: há outro modo de imaginar o Brasil, de desenhá-lo socialmente, questionando a violência sistêmica e estrutural do racismo e da desigualdade. Aponta-se, assim, para a necessidade de um contato profundo com as riquezas e farturas possíveis em uma vida sertaneja.

Pé de quê? Ipê-roxo, ipê-verde, ivai, jacarandá, jambo, jatobá, jenipapo, jequitibá, mulungu, murici-do-cerrado, mutambo, paineira-rosa, pata-de-vaca, pau-pólvora, pau-ferro, pitanga, proroca, saboeiro, saguaragi, subipiruna, tamboril, tarumã, graviola, goiaba, embaúba, cedro, barbatimão, aroeira, angico, acácia, araticum...

Todos nomes de árvores do Cerrado. Entre elas, algumas frutas: cagaita, baru, buriti, coquinho-azedo, mangaba, murici, pequi, jatobá-do-cerrado, cereja-do-cerrado, araticum, bacuri, bocaiúva, cajuzinho-do-cerrado, guabiroba, mama-cadela, babaçu, pitomba... E ainda: o Cerrado é berço das águas, cruzado por inúmeros rios e guardião do aquífero Guarani.

Assim, os pés das árvores – que fincam raízes e caminham pelas sabedorias forjadas no imaginário sertanejo – realizam a travessia daqueles que conhecem o valor do deslocamento, do partir obrigado e do trabalhar para sonhar o retorno. O Encantado de Antonio Obá carrega uma cruz que também é sankofa: pagador de promessas, migrante que deixou a família para buscar trabalho na cidade grande, entidade que retorna para rezar, cantar, assentar a própria história. Faz morada entre rios e árvores, conhece o valor da travessia da terra.

Antonio Obá, natural de Ceilândia (Brasília), é um artista interessado nas questões da terra como problema e matéria de investigação
Antonio Obá, natural de Ceilândia (Brasília), é um artista interessado nas questões da terra como problema e matéria de investigação Diego Bresani/Divulgação

Obá, natural de Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, convidou Marcos Siqueira, artista da Serra do Cipó, para dialogar com sua pesquisa e pensamento artístico. Dessa relação nasce um imaginário brincante, que nada nas águas do rio, percorre de canoa mundos onde pessoas e naturezas se misturam, faz estrelas brilharem noite e dia, inventando, em sonho, desejos de transformação. A investigação passa pelos usos e abusos da terra, pelo conhecimento da materialidade pictórica de suas diversas cores. Siqueira transforma a terra em memória viva e vibrante.

Antonio Obá é um artista interessado nas questões da terra como problema e matéria de investigação. Faz da terra um percurso de pensamento e pesquisa criativa, tecendo um lugar de reexistência. A terra, para ele, é trabalho de memória: sua Museologia da Terra busca compreender experiências a partir das narrativas poéticas de Siqueira, aproximando desenhos, pinturas, esculturas e instalações.

Essa Museologia da Terra concentra-se nos sentidos da palavra “terra”: suas lutas, seus modos de construir pertencimento, suas formas de assentamento, as memórias que articula, as tensões entre lembrança e esquecimento, e as propostas para um viver da terra no presente – no aqui e agora. Ser do mato. Ka’apora. Kai’pora.

Ser do mato é construir e afirmar a vida, mesmo após o requiém – ritual de luta – em que o artista denunciou a violência policial e homenageou a vida de Ágatha Félix, entre tantas outras crianças sacrificadas pela violência permanente. Obá faz da memória uma ferramenta de insistência na vida, um trabalho aberto à beleza que surge ao adentrar as veredas do Cerrado, e também à indignação diante da dor da perda e da morte sem dignidade de uma criança negra, uma menina com todo um futuro pela frente.

Diferente dos artistas da Arte Subdesenvolvida, que enfatizaram a denúncia das carências estruturais, Antonio Obá desloca o foco para a criação de outras formas de existir. Sua obra finca o pé na potência do imaginário, transformando memória em reexistência e unindo crítica e encantamento.

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*Doutora em História da Arte pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professora de Teoria, Crítica e História da Arte da UFMG

“FINCA-PÉ: ESTÓRIAS DA TERRA”
Exposição no CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Bairro Funcionários), até 1º de setembro, com obras do artista brasiliense Antonio Obá, e participação do mineiro Marcos Siqueira. Entrada gratuita, com retirada de ingresso no site ccbb.com.br/bh ou na bilheteria.

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