Livro analisa obra de Antonio Ob�, talento da arte contempor�nea brasileira
Artista destaca a pot�ncia simb�lica do negro, propondo novas leituras sobre o afrodescendente. Pinturas promovem 'Corre��o hist�rica', afirma Ob�
'Mestre dos mares, um navegador negro, mestre de sua jornada, conhecedor da onda que gera e das ondas que parecem segui-lo, ele avan�a. Ele n�o contempla a paisagem inerte. Ele encara o espectador a dist�ncia, ciente de que o �nico caminho � para a frente', diz Antonio Ob� sobre 'Wade em the water II', homenagem a George Floyd
Antonio Ob�/reprodu��o
Logo nas primeiras p�ginas do livro “Antonio Ob�”, a reprodu��o de uma pintura apresenta oito meninos negros, vestidos com roupas �ntimas luxuosas como as usadas por mulheres que costumavam ser servidas por escravizados. Os meninos dan�am, seus p�s brilham e, ao centro, flores celebram a alegria expressa naquele quadro.
Na p�gina seguinte, tr�s meninos, tamb�m negros, nadam na piscina muito verde, enquanto um jacar� os amea�a – lembran�a de que, h� algum tempo, n�o era permitido a tais crian�as usufruir do lazer em piscinas transl�cidas. Antonio Ob� pintou “Dan�a dos meninos” em 2021, e “Banhistas nº 3 – Espreita” em 2020. S�o trabalhos recentes, perfeitos para entender a hist�ria contada no livro extremamente caprichado lan�ado pela Cobog�.
A edi��o come�ou a ser pensada antes da pandemia com a ideia de reunir um bom apanhado da produ��o do artista. H� obras criadas desde 2015 e textos assinados pelas curadoras Diana Campbell e Diane Lima.
“N�o tem toda a minha produ��o, mas tem etapas que foram muito significativas nesse processo de constru��o art�stica”, avisa Ob�. “A gente pensou um recorte conceitual no conjunto que foi se desenhando.”
'Banhistas n� 3' ou 'Espreita': divers�o dos meninos pretos desafia o jacar� amea�ador
Antonio Ob�/reprodu��o
Di�rios visuais
Na parte final do livro, o artista se permitiu o mergulho mais �ntimo em tempos pregressos, com escritos e desenhos pescados em di�rios visuais mantidos desde o ensino m�dio.
“Tudo ali � material fundante, que de certa maneira reconstr�i uma perspectiva acerca do trabalho que vai se apresentando hoje em dia”, diz Ob�.
O pintor considera interessante ver, tanto no recorte quanto no texto constru�do pelas autoras, como sua obra se desenha sob a perspectiva do olhar do outro. “Isso cria uma din�mica muito prol�fica em significados”, garante o artista brasiliense.
Nascido em Ceil�ndia e morador de Taguatinga, Antonio Ob� � um dos nomes contempor�neos de destaque na arte brasileira realizada nos �ltimos anos.
Inspirado em clipe e can��o de Milton Nascimento, o quadro 'Dan�a dos meninos' (em detalhe) traz garotos negros dan�ando sobre a terra de Minas Gerais
Antonio Ob�/reprodu��o
Finalista do Pr�mio Pipa em 2017 e vencedor do Transborda um ano antes, celebrado pelas feiras SP Arte e a Art Basel, nas quais ganhou estandes exclusivos, e presente em cole��es importantes, Ob� traz para a pintura brasileira contempor�nea, em suas pr�prias palavras, “uma averigua��o, um certo revisionismo hist�rico no sentido do entendimento, ainda que breve, de uma identidade pessoal, nacional, humana”.
A investiga��o �ntima de Ob� tem a ver com mem�rias e hist�ria, com a pot�ncia simb�lica das figuras pretas pintadas em narrativas que investem na invers�o de perspectivas sem abandonar a dimens�o da realidade. As pinturas que abrem o livro s�o bem representativas dessa ideia.
“O trabalho tem o car�ter de investiga��o �ntima que tem a ver com mem�rias, mas com necessidade grande de transformar essa intimidade em pot�ncia simb�lica que fa�a parte de cada um”, ressalta o artista.
“Por isso a pretens�o de tentar criar algo que, a partir de uma perspectiva �ntima, possa fazer sentido para outras pessoas. Meu trabalho tem grande carga simb�lica e a ideia de arqu�tipos. Tem um car�ter de reflex�o e discuss�o �tnica, mas tentando abrir o leque para a dimens�o de uma experi�ncia humana.”
Se boa parte da arte brasileira colocou o negro em posi��o de humilha��o, especialmente obras produzidas nos s�culos 17 e 18, Ob� prop�e revisionismo capaz de criar outra camada de leitura.
“Como se fosse uma corre��o hist�rica, voltar os olhos para tr�s n�o para tratar isso com comisera��o, mas no sentido de pegar esse passado e reeditar o dito”, avisa.
“Tem a ver com a constru��o simb�lica que prop�e outra via de interpreta��o. Parto de imagens de arquivo que t�m a ver com uma hist�ria de preconceito �tnico e como isso, em determinado momento, foi constru�do no sentido de desprivilegiar e desumanizar uma etnia”, explica.
'Alvorada M�sica incidental Black Bird'
Antonio Ob�/reprodu��o
Homenagem a Floyd
Essa proposta salta aos olhos em muitas pinturas, mas uma em especial, “Wade in the water II”, emociona. Homenagem ao norte-americano George Floyd, morto asfixiado por um policial, o �leo sobre tela traz o mar de azul impactante que se abre para a passagem do homem vestido de branco.
A revis�o proposta pelo artista – cujo sobrenome Ob�, orix� de um rei na tradi��o iorub�, e rainha guerreira no candombl�, foi adotado em 2013 como forma de celebra��o da pr�pria identidade – encontrou eco na cena art�stica nacional e internacional.
Foi de Antonio Ob� a obra escolhida para figurar no centro da exposi��o de abertura da Pinault Collection na Bourse de Commerce de Paris, nova sede da cole��o do milion�rio Fran�ois Pinault.
H� trabalhos dele no Museu de Arte Moderna de S�o Paulo (MAM/SP), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), no Museu de Arte do Rio (MAR) e na Pinacoteca do Estado de S�o Paulo, al�m dos acervos internacionais Pinault Collection, P�rez Art Museum Miami e ICA Miami.
Em cartaz na Pinacoteca de S�o Paulo, “Revoada” traz cria��es mais recentes, algumas das quais estiveram em exposi��o em Nova York, tema de reportagem no “Fant�stico” em 2022.
'Parto de imagens de arquivo que t�m a ver com uma hist�ria de preconceito �tnico e como isso, em determinado momento, foi constru�do no sentido de desprivilegiar e desumanizar uma etnia'
Antonio Ob�, artista pl�stico
Pedagogia est�tica
Aos 39 anos, o artista egresso de escola p�blica do Distrito Federal e da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, em Bras�lia, acredita que o mundo est� mais preparado para receber obras como a dele.
“Percebo que existe a necessidade de repensar essa simb�lica toda. Isso n�o vem por acaso e n�o � s� na arte. Vem de um processo educativo, uma educa��o est�tica de fato”, avalia.
“De certa maneira, os trabalhos acabam cumprindo isso, s�o muito narrativos. Al�m de ser uma obra figurativa, que chama a aten��o, tem o car�ter de uma constru��o narrativa e parece que existe a necessidade grande das pessoas de ouvir hist�rias”, conclui Ob�.
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