O fotógrafo Walter Firmo em sua exposição no CCBB-BH

Walter Firmo diante de fotografia de Pixinguinha (1897-1973) que faz parte cl�ssico ensaio que ele realizou na casa do compositor, em 1967

Jair Amaral/EM/D.A.Press

Um dos mais celebrados fot�grafos brasileiros, Walter Firmo chegou a Belo Horizonte para acompanhar a montagem da exposi��o “No verbo do sil�ncio a s�ntese do grito”, que ser� aberta ao p�blico nesta quarta-feira (12/7), no CCBB. Uma das primeiras coisas que ele fez foi ir ao Mercado Central tomar uma cachacinha da ro�a. “Na Para�ba tamb�m se fabrica uma cacha�a muito boa, mas, para mim, a melhor � a de Minas”, comentou, ontem, j� no centro cultural da Pra�a da Liberdade, onde recebeu a imprensa.

Atualmente com 86 anos – 71 deles empunhando uma c�mera –, Firmo diz ainda se sentir jovem e, de fato, esbanja vitalidade e boa disposi��o para falar de seu trabalho. Composta por aproximadamente 200 imagens, a retrospectiva contempla trabalhos produzidos desde o in�cio de sua carreira profissional, em 1950, at� 2021.

As fotos que integram a mostra destacam a popula��o e a cultura negras de diversas regi�es do pa�s, em ritos, festas populares e religiosas, al�m de cenas cotidianas. A sele��o foi feita a partir de um vasto acervo de mais de 140 mil imagens de Firmo, que est�o sob guarda do Instituto Moreira Salles (IMS), parceiro do CCBB na realiza��o da exposi��o.

A curadoria ficou a cargo de Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS, e Janaina Damaceno Gomes, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora do grupo de pesquisa Afrovisualidades: Est�ticas e Pol�ticas da Imagem Negra. Firmo, naturalmente, foi consultado, mas diz que preferiu n�o interferir no processo.

“O fot�grafo, o artista, no geral, ele se acha, ent�o n�o teria sentido eu ficar brigando com meus curadores”, diz. “Eu os deixei � vontade para escolher o que quisessem, e foi essa maravilha, o encantamento que � essa exposi��o, uma das melhores da minha carreira.”
 
 foto de Walter Firmo em mostra no CCBB-BH

O registro de festas populares e religiosas comp�e um dos cinco eixos tem�ticos da mostra, que ocupa o andar t�rreo do centro cultural�

Walter Firmo/Divulga��o

'Acabei colocando os negros numa atitude de refer�ncia no meu trabalho, fotografando os m�sicos, os oper�rios, as festas folcl�ricas, enfim, toda a gente. A vertigem � em cima deles, no sentido de coloc�-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem'

Walter Firmo, fot�grafo

 

Ensaios

As fotografias apresentadas nas galerias do t�rreo do CCBB-BH registram, segundo Burgi, a po�tica do artista associada � experimenta��o e � cria��o de imagens muitas vezes encenadas e dirigidas, com destaque para ensaios aclamados, como o de Pixinguinha sentado em sua cadeira de balan�o ou a s�rie com o artista Arthur Bispo do Ros�rio.

Dividida em n�cleos tem�ticos, a mostra traz retratos memor�veis de grandes nomes da m�sica brasileira, como Cartola, Clementina de Jesus, Dona Yvone Lara e Aniceto do Imp�rio, al�m de imagens de brasileiros e brasileiras an�nimos, pescadores, vendedores ambulantes, m�es de santo, brincantes, casais, noivas, crian�as e at� a pr�pria fam�lia do artista. A exposi��o lan�a luz ainda sobre a importante trajet�ria de Firmo como fotojornalista.
 
Walter Firmo em frente à foto que fez de Clementina de Jesus

Walter Firmo e Clementina de Jesus

Jair Amaral/EM/D.A Press

'Clementina foi como uma segunda m�e para mim, fomos amigos durante 15 anos, at� sua morte'

Walter Firmo, fot�grafo

 

Um dos destaques � a se��o dedicada � fotografia em preto e branco do artista, pouco conhecida e, em grande parte, in�dita. Firmo � conhecido como “mestre da cor”, t�tulo que ele refuta, precisamente, por sua rela��o com um leque amplo da fotografia, tanto em termos de forma quanto de conte�do. O in�cio de seu percurso profissional foi no fotojornalismo.

“Comecei fotografando em preto e branco, porque era a realidade da �poca. Os jornais n�o possu�am maquin�rio para publicar foto colorida”, observa. A guinada na produ��o veio por influ�ncia do fot�grafo norte-americano David Drew Zingg, que trabalhou em S�o Paulo. “Quando descobri a cor, foi um fasc�nio. Eu via David fazendo aqueles ensaios maravilhosos e queria ser como ele. De repente, me tornei um homem dedicado, fazendo esse trabalho das cores.”

Firmo encara sua atua��o no fotojornalismo como uma passagem. Segundo diz, nunca pretendeu ter no foco de suas lentes somente o que se passa � sua frente. “Eu queria trabalhar com o cora��o, com a quest�o est�tica, e isso me levou a esse lugar, me levou a fotografar todos esses artistas negros.”
 

Amizades

A famosa s�rie de fotografias de Pixinguinha feita em 1967, quando Firmo acompanhou o jornalista Muniz Sodr� em uma pauta na casa do compositor, � o exemplo cl�ssico do direcionamento que deu a seu trabalho. Ap�s o t�rmino da conversa, o fot�grafo pegou uma cadeira de balan�o que ficava na sala da resid�ncia, colocou no quintal, ao lado de uma mangueira, e prop�s que Pixinguinha se sentasse nela com o saxofone no colo. “� a foto mais importante da minha carreira, embora eu n�o considere”, diz.

Sua rela��o com os grandes nomes do samba e da MPB – quase todos negros –, dos quais se aproximou por interm�dio de Herm�nio Bello de Carvalho e S�rgio Cabral, com quem tinha prestado o servi�o militar no 1º Regimento de Infantaria do Ex�rcito, extrapolou o �mbito profissional. A exposi��o no CCBB-BH traz, por exemplo, imagens de Clementina de Jesus deitada na relva, Jamel�o com arqu�tipos coloridos ao fundo e Paulinho da Viola recostado em uma �rvore.

“Clementina foi como uma segunda m�e para mim, fomos amigos durante 15 anos, at� sua morte. Com Cartola tamb�m foi assim. Ele me ligava para dizer que Dona Zica ia fazer um feij�o no domingo, me convidando para ir l� comer. Eu pensava: Puxa, Cartola me convidando para uma feijoada feita pela mulher dele. Eu tinha intimidade com todos eles, o que acho que tem a ver com a cor da pele mesmo. Tinha ali uma coisa de confraria, onde todos eram da mesma fam�lia”, conta.

Para Burgi, as fotografias de Firmo antecipam em mais de meio s�culo a representa��o do negro na sociedade brasileira, e n�o necessariamente dentro de uma est�tica documental. “Acabei colocando os negros numa atitude de refer�ncia no meu trabalho, fotografando os m�sicos, os oper�rios, as festas folcl�ricas, enfim, toda a gente. A vertigem � em cima deles, no sentido de coloc�-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem”, ressalta o fot�grafo. 

 foto de Walter Firmo em exposição no CCBB-BH

Negros t�m destaque na exposi��o de Walter Firmo

Beleza negra

Filho �nico de paraenses – seu pai, de fam�lia negra e ribeirinha do Baixo Amazonas, e sua m�e, de fam�lia branca portuguesa, nascida em Bel�m –, ele diz que direcionar suas lentes para a beleza negra � algo que tem raiz em sua adolesc�ncia. O fato de ter nascido em 1937, menos de 50 anos ap�s a “tal da aboli��o da escravatura no Brasil”, tem um peso grande no que se tornaria um dos tra�os definidores de sua arte.
 
“Minha m�e me pariu quando tinha 15 anos, ent�o quando eu tinha 15, ela estava com 30, era uma mulher jovem, bonita. Quando ela andava pelas ruas de bra�os dados comigo, as pessoas pensavam que ela tinha um caso com um garoto de 15 anos”, diz, com a voz embargada, antes de prosseguir. “Certa vez ela me contou que, quando estava gr�vida, a vizinhan�a costumava falar uma coisa que a marcou muito: que ela estava levando um fruto indigno na barriga, porque meu pai era negro”, relata.

Firmo come�ou a fotografar cedo, ap�s ganhar uma c�mera de seu pai. Em 1955, ent�o com 18 anos, passou a integrar a equipe do jornal “�ltima Hora”, ap�s estudar na Associa��o Brasileira de Arte Fotogr�fica, no Rio de Janeiro. Mais tarde, trabalharia no “Jornal do Brasil” e, em seguida, na revista “Realidade”, como um dos primeiros fot�grafos da publica��o. Em 1967, j� pela revista “Manchete”, foi correspondente, durante cerca de seis meses, da Editora Bloch em Nova York. 

Neste per�odo no exterior, o artista teve contato   com o movimento pelos direitos civis, que marcaria todo o seu trabalho posterior. De volta ao Brasil, trabalhou em outros �rg�os de imprensa e come�ou a fotografar para a ind�stria fonogr�fica. Iniciou ainda sua pesquisa sobre as festas populares, sagradas e profanas, em todo o territ�rio brasileiro, em dire��o a uma produ��o cada vez mais autoral.

A exposi��o “No verbo do sil�ncio a s�ntese do grito” est� dividida em cinco n�cleos tem�ticos. No primeiro, o p�blico h� aproximadamente 20 imagens em cores, de grande formato, produzidas ao longo de toda a carreira de Firmo, entre elas o retrato da M�e Filhinha (1904-2014), que fez parte da Irmandade da Boa Morte durante 70 anos.

O segundo n�cleo, “Encantamentos e experimenta��es”, aborda seus primeiros anos de atua��o na imprensa. O conjunto inclui uma fotografia do jogador Garrincha feita em 1957 e imagens de pol�ticos como J�nio Quadros e Juscelino Kubitschek, al�m de registros de ensaios de escolas de samba do Rio de Janeiro.
 
Foto mostra Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso abraçados

Os Doces B�rbaros Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Beth�nia e Caetano Veloso posaram para Walter Firmo

 

Encantamento e teatralidade

Nas se��es seguintes, a retrospectiva evidencia como, ao longo da carreira, Firmo passou a se distanciar do fotojornalismo documental e direto, tendo como base a ideia da fotografia como encantamento, encena��o e teatralidade, em di�logo com a pintura e o cinema.

Est�o em destaque retratos de m�sicos feitos a partir da d�cada de 1970 que ilustram capas de discos. H� tamb�m registros de celebra��es como a Festa de Bom Jesus da Lapa, a Festa de Iemanj� e o Carnaval do Rio de Janeiro. E um n�cleo com fotos de personagens da di�spora, feitas em outros pa�ses, como Cuba, Jamaica e Cabo Verde.
 
O p�blico poder� assistir, ainda, ao curta “Pequena �frica” (2002), de Z�zimo Bulbul, no qual Firmo trabalhou como diretor de fotografia e que trata da hist�ria da regi�o que recebeu milh�es de africanos escravizados.

“NO VERBO DO SIL�NCIO A S�NTESE DO GRITO”

• Exposi��o de fotografias de Walter Firmo. Em cartaz a partir desta quarta-feira (12/7) at� 18/9, no CCBB-BH (Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios, 31.3431-9400), com hor�rio de visita��o de quarta a segunda, das 10h �s 22h. Ingressos gratuitos podem ser retirados pelo site bb.com.br/cultura ou na bilheteria f�sica do centro cultural