Artista plástica Wilma Martins

Artista pl�stica Wilma Martins em foto de 2014, em Belo Horizonte, quando ganhou retrospectiva de sua obra Artista pl�stica Wilma Martins em foto de 2014, em Belo Horizonte, quando ganhou retrospectiva de sua obra

Beto Novaes/EM/D.A Press - 14/3/14

Desde que trocara Minas Gerais pelo Rio de Janeiro, a artista Wilma Martins, morta em setembro passado, privilegiou sempre os andares altos para viver. Deles, extra�a sua mat�ria-prima: a paisagem carioca. Fosse o Rio que d� para o mar. Fosse o Rio que d� para as montanhas.
 
Foi da janela do quartinho de sua casa, no alto do Cosme Velho, em meio � mata exuberante que recorta o Rio de Janeiro, que a artista, bastante afeita ao sil�ncio e � observa��o, avistou o morro de Santa Teresa. E criou o tr�ptico "Santa Teresa I", "Santa Teresa II" e "Santa Teresa com Elefantes", as tr�s obras de 1984.
 
N�o bastasse, a artista quis enxergar al�m. E foi at� o morro que havia transformado em pintura para torn�-lo sua resid�ncia. Foram mais de dois anos entre negocia��o para aquisi��o do terreno e constru��o da casa – cujas obras foram parcialmente tocadas por Wilma – num solo acidentado para onde se mudou com o marido, o curador Frederico Morais.
 
"Ela foi morar na vista", afirma a curadora Stefania Paiva, que assina junto de Morais a mostra "Wilma Martins – Territ�rio da mem�ria", que est� em cartaz no Pa�o Municipal, no Rio de Janeiro. "A gente sempre morou em meio � natureza", afirma Morais, que viveu 60 anos com Wilma.
 
A individual � a primeira exposi��o dedicada � artista nascida em 1934 e criada na zona rural de Belo Horizonte, em Minas Gerais, ap�s a sua morte. A mostra come�ou a ser concebida em 2021, com Wilma ainda viva e contou com a colabora��o da pr�pria.
 
Com sua morte, o trabalho foi interrompido e retomado pela dupla de curadores, como uma esp�cie de elabora��o do pr�prio luto.

obra de Wilma Martins

Artista se deixou influenciar pela arte medieval

REPRODU��O

 
Embora ocupe somente um espa�o expositivo no Pa�o Municipal, a exposi��o d� conta de ambientar as diversas fases da carreira da artista que teve como professor o artista Alberto da Veiga Guignard, mestre do modernismo e um dos maiores retratistas da paisagem mineira. A exposi��o segue n�o uma ordem cronol�gica, mas privilegia os temas que marcam sua cria��o.
 
"A ideia era uma exposi��o de gravuras. Um trabalho que sempre apareceu de forma pontual", afirma Stefania. Em decorr�ncia da morte da artista, expandiu-se o conceito expositivo para abranger outras facetas e per�odos da obra.

Natureza


A s�rie de gravuras em madeira que abarcam o per�odo inicial da artista tratam justamente de sua rela��o com a natureza. S�o grava��es de �rvores, flores e folhas feitas a partir da observa��o da flora e da fauna da resid�ncia do casal em Belo Horizonte.
 
Na sequ�ncia, uma parede toda dedicada �s s�ries de xilogravuras – o m�todo preferido de grava��o da artista – em que Vilma trata temas como o corpo, o feminino e a maternidade e explora cores como o vermelho, o preto e o branco, valendo-se mais ou menos de espa�os vazios a depender da fase.
 
Um exemplo � o tr�ptico "O encontro", uma xilogravura em que diversos corpos rumam a uma mesma dire��o, uma meia circunfer�ncia vermelha. Dessa fase, segundo Morais, tamb�m se observam as influ�ncias da arte medieval e flamenga, uma paix�o em comum a Wilma e Guignard.
 
No caso do tr�ptico, a influ�ncia vem diretamente do artista Jan van Eyck, autor do famoso quadro "O casal Arnolfini".
 
A obra de Wilma � uma releitura do painel "Adora��o do Circo M�stico", de Van Eyck, na qual a artista eliminou o cordeiro e a sacralidade da obra original, bem como transforma o altar original num semic�rculo, para o qual as figuras femininas – em branco – e masculinas – em negro – convergem. Morais a considera "a maior e mais despojada e impactante xilogravura criada por Wilma".
 
Stefania destaca tamb�m as obras nas quais h� uma "metamorfose em que voc� n�o consegue identificar seres ou animais", com rostos que remetem a formatos humanos, mas portam asas e chifres.

Mitologia


A artista dizia que "algumas de suas gravuras s�o conscientemente mitol�gicas", inclusive com a influ�ncia da "mitologia crist�", como se pode observar em "Ju�zo final", ainda que Morais destaque que sua obra n�o seja sacra ou religiosa.
 
Embora gostasse da xilogravura, Wilma se sentia livro no desenho e uma de suas �ltimas obras foi uma s�rie de 24 desenhos, em l�pis de cor e nanquim, retratando o Morro Dona Marta, ao longo de 24 horas de um dia. Cada pequeno quadro corresponde a determinada hora e sua respectiva luz naquele hor�rio, num dedicado – e delicado – esfor�o de observa��o.
 
Na mostra, os 12 quadros correspondentes �s horas do dia pairam sobre os 12 quadros correspondentes � noite e dialogam, frente a frente, com a s�rie de pinturas de Santa Teresa. Frente a frente uma com a outra. Estabelecendo, assim, uma trajet�ria de vida e obra, in�cio e fim, pautados pela natureza. "Ela e a natureza estavam muito juntas", afirma o marido. "Sinto saudades."


“WILMA MARTINS: TERRIT�RIO DA MEM�RIA”

Exposi��o segue em cartaz at� 20 de agosto, de ter�a a domingo, das 12h �s 18h, no Pa�o Imperial (Pra�a  
Quinze de Novembro, 48), no Rio de Janeiro. Entrada gratuita.