Depois de meses de trabalho e tensão, a diretora carioca Sandra Kogut achou que a tarefa havia terminado. Se deu um domingo de folga, justamente o 8 de janeiro de 2023. Tranquila em casa, levou um susto (como todos nós) quando as imagens começaram a aparecer em todo canto. O centro do poder no Brasil estava sob ataque, com a invasão do Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto por bolsonaristas.
Rapidamente, Sandra fez contato com um fotógrafo de Brasília com quem havia trabalhado em seu novo filme. O profissional lhe disse que estava se fantasiando de verde e amarelo para acompanhar os extremistas. Com estreia hoje (14/8), no UNA Cine Belas Artes, “No céu da pátria nesse instante”, novo documentário de Sandra, traz imagens muito fortes e inéditas do ataque. São as únicas imagens do evento feitas para cinema.
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Até então, o documentário sobre as eleições de 2022 terminaria na posse do presidente Lula. “Você vai entendendo o filme à medida que vai fazendo, se faz mil perguntas. Será que tem filme depois do segundo turno? Dois dias depois, a gente estava filmando em porta de quartel. Achei que iria até a posse, que foi um momento de muita tensão. Mas o 8 de janeiro materializou o medo que a gente sentiu o ano inteiro. Repensamos a estrutura do filme em função dele”, explica Sandra.
Ainda que as imagens sejam um dos pontos altos do longa, “No céu da pátria nesse instante” é feito de registros mais simples, alguns caseiros. No período eleitoral de 2022, Sandra e uma equipe de colaboradores de várias partes do país acompanharam o dia a dia de um grupo de eleitores. Petistas e bolsonaristas – nove deles estão no filme, gente do Paraná, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Pará e Bahia.
“O filme não é uma análise, é um olhar externo. Queria que os personagens fossem anônimos, o cidadão comum. O filme fala de um momento importantíssimo da política, mas ele não está na pessoa que a gente costuma ver nos holofotes. Queria que ele tivesse uma diversidade demográfica, pessoas dos dois lados do espectro político. Filmamos durante um ano e o leque de personagens foi maior do que está no filme”, continua a diretora.
'Cineasta de bem'
Houve dificuldades de se encontrar bolsonaristas? A pergunta é óbvia e é respondida no início do filme, quando se ouve uma voz feminina que fala que topa (participar do longa) se for para uma “cineasta de bem”, porque se ela “for de esquerda, tô fora”.
“Foi dificílimo”, responde Sandra, a respeito de bolsonaristas que topassem participar da empreitada. Pois o filme segue esses personagens no primeiro e no segundo turnos de 2022, até o resultado final do pleito, que deu a vitória a Lula. “Foi um dos grandes desafios, por isso que começo do jeito que comecei (com o supracitado áudio). Teve gente que não topou, teve gente que abandonou no meio”, acrescenta.
Os dois bolsonaristas do filme são o caminhoneiro Ferreirinha, que emerge como o grande personagem do documentário, e o ambulante Osvaldo, que vive em São Paulo e naquele 2022 sobreviveu vendendo bandeiras e toalhas de Lula e Bolsonaro. Tinha até um quadro com um ranking de quem estava ganhando – ou seja, vendendo mais, batalha invariavelmente vencida pelo candidato do PL.
“Fui construindo uma relação de confiança (com os personagens) ao longo do tempo. Sempre fui muito transparente com eles, eu disse o que pensava, mas também sabia que não estava ali para convencer ninguém de nada. Eu tinha era curiosidade”, acrescenta Sandra.
Assistimos não só a Ferreirinha como a petistas, veteranos e jovens, dentro de casa com amigos e parentes e na militância. Muitas imagens foram feitas pelas pessoas com os próprios celulares. Além disso, a diretora contou com pequenas equipes em cada lugar seguindo os personagens.
Há uma personagem que foge do espectro de anônimos proposto por Sandra: a roteirista Antonia Pellegrino, atual diretora de Conteúdo e Programação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Mulher de Marcelo Freixo (atual presidente da Embratur), na eleição de 2022 ele disputou o governo do Rio pelo PSB.
“Por mais que seja uma pessoa conhecida, ela está ali ao lado de um candidato. Gosto desse lugar da pessoa que está ao fundo, às vezes fora do quadro, e ninguém está prestando atenção”, continua Sandra.
Choro de alívio
Há imagens de Antonia bem pessoais, como uma em que expressa seu medo de sair do Rio e ficar distante dos filhos caso Bolsonaro se reeleja, e o choro de alívio, sozinha, no escuro, assim que a vitória de Lula foi anunciada.
Lançar o filme neste momento está sendo muito oportuno, diz Sandra. “Vendo tudo o que está acontecendo hoje, vemos como todo o assunto do filme permanece vivo. Estamos vivendo tudo de novo e, ao mesmo tempo, a eleição do ano que vem está na porta”, finaliza a diretora.
“NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE”
(Brasil, 2024, 105min.) – De Sandra Kogut. O filme estreia às 15h e 20h30 (esta sessão não ocorrerá hoje, 14/8), na Sala 1 do UNA Cine Belas Artes