Livro conta a história de Dona Leopoldina, a princesa progressista
Obra fala da trajetória da imperatriz brasileira nascida na Áustria e dos naturalistas e artistas de língua alemã no início do século 20
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Causou indignação e revolta a iniciativa do governo do Rio de Janeiro de instalar painéis adesivados para esconder as favelas da vista de turistas e autoridades internacionais durante as Olimpíadas de 2016. Organizações de Direitos Humanos denunciaram à ONU uma série de violações, e a principal acusação foi a de “limpeza social”.
A prática, no entanto, é antiga – e recorrente, diga-se. Em 1817, quando D. Leopoldina desembarcou no Rio de Janeiro vinda da Áustria, a coroa portuguesa mandou fazer algo muito parecido: “Para a chegada da princesa, as simplórias casinhas brancas haviam sido escondidas atrás de panos vermelhos e cortinas de seda”, escreve o historiador da arte Robert Wagner no livro “Dona Leopoldina e os viajantes no Brasil – A trajetória da imperatriz brasileira nascida na Áustria e dos naturalistas e artistas de língua alemã no início do século XX”, lançado recentemente pela editora Capivara.
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“Tudo que era desagradável fora retirado das ruas. Desse modo, criava-se a impressão de uma formosa capital real”, acrescenta Wagner. Ao longo de 452 páginas, o historiador austríaco e ex-diretor da Biblioteca e do Gabinete de Gravuras da Academia de Belas-Artes de Viena refaz a viagem da imperatriz desde sua saída de Viena para o Brasil, após se casar por procuração com Dom Pedro I, e acompanha as incursões realizadas pelos naturalistas que vieram com ela e percorreram diferentes regiões do território nacional.
“Esse livro já tinha sido publicado na Alemanha pelo (Robert) Wagner, que é um especialista na história da Áustria e se interessava muito pela Leopoldina”, conta o historiador e co-fundador da Capivara, Pedro Corrêa do Lago. “Quando foi publicado na Alemanha, não imaginei que a Capivara poderia traduzir. Nossos trabalhos sempre partem daqui, de algum projeto desenvolvido por nós mesmos. Mas um amigo me alertou sobre o livro e, quando eu li, achei que seria uma contribuição interessante, porque tem uma abordagem diferente, focada nos naturalistas”, complementa.
EXPEDIÇÕES
Esses naturalistas eram os cientistas, artistas, botânicos, zoólogos, ilustradores e técnicos das ciências naturais que vieram ao Brasil juntos de D. Leopoldina – não necessariamente na mesma embarcação, cumpre dizer – para participar do que ficou conhecido como Missão Austríaca. Na época, a Áustria buscava estreitar laços com Portugal e ampliar seu conhecimento sobre o “Novo Mundo”, vendo o Brasil como território de grande interesse científico.
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Muito influenciada pelo pai, Francisco I – grande entusiasta das ciências naturais –, D. Leopoldina apoiou de perto a formação da comitiva, persuadindo a corte austríaca a incluir naturalistas de ponta. Entre eles estavam o aquarelista Thomas Ender, o artista Johann Buchberger, o médico e geólogo Johann Baptist Emanuel Pohl, o zoólogo Johann Natterer e o auxiliar de caça do príncipe herdeiro Fernando, Dominik Sochor.
Da Baviera vieram ainda o zoólogo Johann Baptist von Spix e o médico e botânico Carl Friedrich Philipp von Martius, financiados inicialmente pela corte bávara e posteriormente estimulados pela própria D. Leopoldina. Essa leva de pesquisadores produziu um dos maiores acervos de informações sobre natureza, povos indígenas, costumes, fauna e flora do início do século 19.
No Brasil, D. Leopoldina tornou-se ponte cultural e científica entre Brasil e Áustria, facilitando a correspondência entre os países, o envio de espécimes e a circulação de artistas. Já viviam aqui o pintor francês Jean-Baptiste Debret – que, embora não tivesse relação direta com a Missão Austríaca, contribuiu para a formação de um amplo acervo sobre o Brasil – e Georg Heinrich von Langsdorff, que organizaria poucos anos depois sua própria missão, da qual faria parte outro artista fundamental, Johann Moritz Rugendas.
O livro, assim, reconstitui, com texto e imagens produzidas na época, todas as expedições envolvendo esses personagens: Thomas Ender em São Paulo; Pohl em Angra dos Reis, Goiás e Minas Gerais; Spix e Von Martius na Amazônia; e a grande viagem de Langsdorff pelo interior do Brasil.
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VIDA PESSOAL
Paralelamente, são narrados episódios do cotidiano de D. Leopoldina, que revelam sua força política – a imperatriz compartilhava responsabilidades com o marido, atuava como conselheira e foi peça fundamental para a Independência do Brasil – e também a derrocada de seu casamento, depois que D. Pedro I não fez mais questão de esconder o relacionamento extraconjugal com a Marquesa de Santos.
“Embora a personagem feminina mais popular da família real seja a princesa Isabel – que ficou com a aura de redentora por méritos próprios, ou não, isso é outra questão a ser discutida –, eu diria que a Leopoldina vem em seguida em termos de popularidade”, afirma o co-fundador da Capivara.
“Ela virou nome de escola de samba, de estação de trem, de cidade… E, apesar de ninguém entender muito bem sobre ela, existe uma simpatia para com ela. Esse sentimento é legítimo, porque ela desempenhou um papel histórico muito além do que teria desempenhado se fosse só uma mulher esperando pelo marido em casa. A contribuição dela não se resume à Independência, mas também à cultura brasileira e à ciência”, conclui.
“DONA LEOPOLDINA E OS VIAJANTES DO BRASIL”
l De Robert Wagner
l Traduzido por Cláudia Abeling
l Editora Capivara
l 452 páginas
l R$ 140, no site editoracapivara.com.br.