‘Bugonia’ recorre ao absurdo para representar a barbárie humana
Novo longa-metragem do diretor grego Yorgos Lanthimos estrelado por Emma Stone tem trama centrada nos atos de violência de um conspiracionista
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O apetite de Yorgos Lanthimos pelo excêntrico se tornou o DNA de seus filmes, povoados por personagens esquisitos que parecem não ser deste mundo. É curioso que seu novo filme, “Bugonia”, use extraterrestres para denunciar que não há anomalia maior do que a sociedade contemporânea.
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O longa surge no rastro de outras produções de diretores renomados lançadas no último ano que também usam narrativas absurdas para desmembrar a crise política atual – tais como “Eddington”, de Ari Aster, e “No other choice”, do sul-coreano Park Chan-wook. São histórias extremas que retratam males como a desinformação em massa alimentada pela tecnologia ou a ascensão de personalidades autoritárias.
A trama de “Bugonia”, baseada no filme sul-coreano “Save the green planet!” (2003), gira em torno de Teddy (Jesse Plemons), um homem frustrado que mora com o primo em uma pequena e úmida cidade americana. Ele está sempre suado e andando de lá para cá de bicicleta enquanto ouve podcasts sobre teorias conspiracionistas.
Teddy está convencido de que os chamados “andromedans”, criaturas superiores de outro planeta, estão infiltrados entre os humanos para destruir a Terra. A crença é reforçada pela câmara de eco em que ele se encontra na internet, uma espiral sem fim de conteúdos que reafirmam suas ideias metralhados na tela de seu celular pelo algoritmo.
O alvo de Teddy é Michelle (Emma Stone), executiva de uma gigante empresa farmacêutica que camufla seu calculismo com discursos corporativos sobre diversidade. Teddy, que dá vários sinais de transtorno mental, acredita que ela é uma alienígena e a sequestra com a ajuda de seu primo.
Testes físicos
O objetivo é fazer Michelle confessar a sua verdadeira identidade, para que ela possa levar os dois até seus líderes alienígenas – o que, claro, não sai como planejado. Em cativeiro, a empresária é submetida a testes físicos e discussões que parecem não levar a lugar algum, enquanto tenta bolar alguma estratégia para escapar.
Os olhos esbugalhados de Stone, que raspou a cabeça para o filme, combinam com a excentricidade dos personagens de Lanthimos. Não por acaso, “Bugonia” é seu quarto filme com o diretor, depois de “A favorita”, “Tipos de gentileza” e “Pobres criaturas”, que lhe garantiu o segundo Oscar de melhor atriz, em 2023.
Se a criação de protagonistas inadequados e tramas bizarras para refletir sobre desvios do nosso mundo não é novidade, “Bugonia” talvez contenha uma das mensagens políticas mais decifráveis e explícitas do diretor grego.
“Eu não amo o individualismo que tem se espalhado pelo mundo”, diz Lanthimos, por videochamada. “Precisamos ser mais prudentes em relação à forma que obtemos a informação e no que decidimos acreditar. Podemos não concordar, mas às vezes outras pessoas podem dizer verdades que não queremos enxergar.”
Em “Bugonia”, por exemplo, Michelle enfrenta Teddy em determinado momento dizendo que, às vezes, coisas ruins acontecem sem explicação. Ele fica apavorado.
Respostas fáceis
Para Lanthimos, a busca de respostas fáceis nas tecnologias por parte de pessoas como Teddy é, na realidade, uma tentativa desesperada de se ancorar em alguma coisa palpável nesses tempos sombrios. “As coisas estão caminhando para um sentido incerto, e isso é assustador. É reconfortante se convencer de que o problema é uma coisa específica”, diz o diretor. Nessa montanha russa, filmes não oferecem respostas definitivas, mas incentivam as pessoas à reflexão, ele acrescenta.
Elementos fantásticos ajudam a expurgar a angústia coletiva sem pesar mais o clima. “Alegorias políticas sempre existiram, mas voltam com mais força em momentos de crise como o que vivemos, em que a extrema direita abala a democracia", diz Pedro Butcher, professor e especialista em cinema.
Nessa seara estão títulos como “Uma batalha após a outra”, de Paul Thomas Anderson, e “O agente secreto”, de de Kleber Mendonça Filho, que também usam histórias extremas para tecer comentários políticos. O primeiro mostra as ações de um grupo armado revolucionário que enfrenta o status quo americano, e o segundo narra uma uma perseguição durante a ditadura militar recheada de lendas urbanas.
O absurdo também escancara aberrações reais de nossos tempos. Butcher usa como exemplo a investigação aberta na semana passada na Itália para apurar a participação de italianos em uma espécie de “safári humano” que teria ocorrido nos anos 1990, durante a guerra da Bósnia. A desconfiança é de que europeus tenham pagado para viajar até Sarajevo e atirar, posicionados como snipers, em outros civis durante o conflito.
Se o episódio for comprovado, é como se a vida estivesse imitando a arte. Em “Bacurau”, também de Mendonça Filho, há uma cena em que estrangeiros atiram nos moradores de Bacurau como se estivessem jogando videogame. Como Teddy teima em enxergar em “Bugonia”, às vezes não há nada mais bizarro do que o real. (Alessandra Monterastelli)
“BUGONIA”
(EUA, 2025, 1h59) Direção: Yorgos Lanthimos. Com Emma Stone, Jesse Plemons e Aidan Delbis. Classificação: 18 anos. Em cartaz em salas dos complexos Cineart e Cinemark, no UNA Cine Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas.