Confira entrevista com o jornalista e crítico musical Tárik de Souza, que acaba de lançar o livro "João Gilberto e a insurreição bossa nova - Outros lados da história", fruto de longa pesquisa sobre o tema. 

Por que a versão que você contesta no livro – de que a bossa nova era elitista e branca – perdura até hoje?
Porque as pessoas têm certa preguiça mental. Quer dizer, a pessoa rotula, coloca numa caixinha e guarda. Ninguém questiona esses mitos furados, que não têm nada a ver com a realidade.

Coloquei um volume enorme de dados para as pessoas perceberem. Por exemplo: (dizem que) a bossa nova é elitista. A chanchada era a coisa mais popular que existia na época. Em 1960, apareceu uma chanchada chamada “Pistoleiro bossa nova”. Aí você vai dizer: ‘Colocaram o nome bossa nova porque ele estava na moda’.

Não, este filme tinha o Carlos Lyra cantando “Maria ninguém” (gravada por João Gilberto em “Chega de saudade”, de 1959). Outra questão ligada à popularidade são as músicas que surgiram criticando a bossa nova. Músicas populares, de humorista mesmo. O (cantor, compositor e produtor) Nonato Buzar (1932-2014) fez uma música (“Guerra à bossa”) que dizia: “Vovô/Eu não canto mais/Essa tal da nova bossa/Minha cabeça dói, vovô/Imagino a vossa”. Se ela fosse elitista, ficaria na sua bolha e ninguém ligaria para aquilo. Outra coisa que pouca gente fala é a conexão afro, desde a umbanda. Aquilo tudo influenciou – tem muito músico negro e música negra na bossa nova.


João Gilberto ainda não foi totalmente compreendido?
Acho que não, porque para perceber a grandeza dele, você tem que parar e ouvir. É um pouco como Guimarães Rosa. Se você pega um livro e começa a folhear, vai falar: ‘Esse troço é muito difícil, não quero’. O João Gilberto é uma coisa parecida, porque ele cria uma coligação entre o violão e a voz.

É lógico que é mais fácil para você apreender do que um livro do Guimarães Rosa, mas é uma coisa muito pessoal, muito particular, muito diferente, que nunca aconteceu. Então, para você se entranhar, gostar, tem que ouvir. Confesso a você que quando eu fiz a entrevista com ele, ouvi João Gilberto muito melhor.

Porque ele me explicou uma porção de coisas que eu não tinha percebido da voz dele, da maneira de abordar as músicas. Muitas explicações que ele deu me abriram um caminho enorme. E espero que as pessoas que leiam o livro tenham essa abertura de caminho para ouvir João Gilberto.


Você também mostra que a bossa continua ativa. Há algo de realmente novo no cenário?
O pessoal que faz bossa nova hoje ouviu outros tipos de música em relação àqueles do final dos anos 1950. Então, obviamente, a bossa nova que se faz hoje vai ter outra linguagem, pois sofreu influência de todo o pop que aconteceu depois, do rap, do trap.

A Mãeana gravou o ‘pisa nova’, onde ela fez uma ligação da bossa nova com o piseiro do João Gomes. Ele é de Petrolina, e João Gilberto, de Juazeiro, ou seja, cada um de um lado do Rio São Francisco. Essa junção (piseiro e bossa) é uma coisa absolutamente diferente, uma bossa nova contaminada de todas as coisas que apareceram depois.

A Luísa Sonza fez bossa também, assim como a Fernanda Takai. Quer dizer, todo esse pessoal vai colocando outros sotaques dentro da bossa nova.


“JOÃO GILBERTO E A INSURREIÇÃO BOSSA NOVA: OUTROS LADOS DA HISTÓRIA”


• De Tárik de Souza


• L&PM Editores


• 440 págs.


• R$ 119,90

compartilhe