Enquanto a gastronomia mineira tem cheiro e cara de pão de queijo e frango com quiabo, a cozinha belo-horizontina se abre para outros caminhos. Impossível não indicar o clássico Filé Surprise da Casa dos Contos ou o Talharim à Parisiense da Cantina do Lucas para um turista que queira conhecer os sabores da capital. Aliás, quando falamos desses restaurantes, não nos restringimos aos comes, afinal, as casas são simbólicas em termos de cultura e até mesmo de política.
Na terceira edição da série “Um século de sabores”, você vai conhecer a história dos restaurantes que foram comprados pelo mesmo proprietário, Edmar Roque, já falecido. Fundada em 1962 por italianos no Centro de BH, a Cantina do Lucas sempre foi um lugar que servia muito mais do que pratos tradicionais. O estabelecimento foi – e permanece sendo – um refúgio para intelectuais, jornalistas e artistas, inclusive, no período em que o Brasil vivia uma ditadura.
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“O Maletta [prédio que abriga o restaurante] foi um embrião de um shopping center. Ele teve, por exemplo, a primeira escada rolante da cidade, o pessoal do interior de Minas fazia excursão para lá. Era um reduto naquela época”, conta o gerente da casa, Antônio Mourão, que trabalha lá há 25 anos (fora os outros 12 na Casa dos Contos, que fica na Savassi).
Gerente da Cantina do Lucas, Antônio Mourão relembra que, na época da ditadura militar, a mesa do bar era o lugar livre para conversar
Ele destaca que os anos 1960 foram marcantes para o segmento de bares e restaurantes. Com o golpe de 1964 e a ditadura militar instaurada, sindicatos e partidos políticos foram extintos.
“Um lugar que era livre para conversar era a mesa do bar”, relembra Mourão. “Na mesma década, também começou uma mudança de comportamento. As mulheres, por exemplo, passaram a frequentar os bares e restaurantes sozinhas. O Maletta participou disso tudo.”
Cardápio extenso
Já a Casa dos Contos foi fundada há exatos 50 anos, em 1975, pelo empresário Memo Biagi. À princípio, o restaurante era focado em massas e pizzas, mas, quando comprou a casa, em 1984, Edmar Roque optou por parar com o serviço de pizzaria e investir na ampliação do cardápio, que hoje conta com mais de 100 opções.
O prato mais emblemático de lá é o Filé Surprise (R$ 259,90), composto por filé (bovino ou de frango) recheado com queijo muçarela e presunto empanado, arroz à piamontese, banana, batata e ovo fritos.
A influência da cozinha internacional levou à criação de pratos com nomes como Talharim à Parisiense
A Cantina do Lucas segue a mesma linha, apostando também em um menu com mais de 100 itens, que passa por massas diversas, sopas e até mesmo pratos mineiros, como a costelinha frita com tutu de feijão, torresmo, ovo cozido, linguiça, arroz branco e couve (R$ 133,90).
Sempre tradicional
Na opinião de Mourão, manter essa variedade, que era típica de restaurantes da época, foi parte do sucesso das casas. “O Edmar teve muito sucesso porque quis que as casas continuassem tradicionais, com um cardápio vasto.”
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Mourão destaca também o atendimento de garçons uniformizados, que servem pratos com duas colheres, em movimento de “pinça”, algo que simboliza a tradição.
Falando sobre o serviço, o garçom Olympio Munhoz, que era membro do Partido Comunista e também levava o ar político para o dia a dia da Cantina do Lucas, virou um ícone. Tanto que o restaurante serve como homenagem um prato chamado Filé Olympio (R$ 176,90). É uma combinação de arroz com açafrão, filé-mignon com molho roti e champignon, brócolis e batata-palha.
Fundada em 1962 por italianos no Edifício Maletta, a Cantina do Lucas era um refúgio de intelectuais, jornalistas e artistas
Ambientes culturais
A cultura, além da gastronomia, boemia e política, sempre foi parte essencial da Cantina do Lucas e da Casa dos Contos. O cantor Milton Nascimento era um frequentador, o que simboliza esse viés cultural. A presença da atriz Fernanda Montenegro e até do escritor português José Saramago também já foi registrada lá.
“Hoje a Casa dos Contos abriga quadros, funciona como uma galeria informal e toda última terça do mês tem uma nova coleção exposta”, diz Mourão, destacando sempre a atuação de ambas as casas em relação à cultura. Hoje, quem mantém esse legado são as filhas de Edmar, Maria Eleonora, Ana Luiza e Eliza Roque.
Pratos fartos
A fartura marca essa época. Basta olhar para os pratos servidos em casas como Cantina do Lucas e Casa dos Contos. “As mesas de grupos eram uma marca desse tempo, os pratos eram grandes e feitos para compartilhar”, destaca José Newton Meneses, chamando a atenção também para as televisões, que passaram a aparecer cada vez mais nas casas, sendo um novo atrativo.
A historiadora Carolina Figueira também fala sobre a questão da sociabilidade. “Quando a gente pensa nessa passagem dos anos 1960 para os 1970 em BH, a gente vê um fortalecimento da sociabilidade urbana. Esses restaurantes tradicionais aparecem como espaços que vão mobilizar esse modo de convivência e permanência”, diz, ressaltando também a forte presença de intelectuais nas mesas dessas casas.
Serviço
Casa dos Contos
Rua Rio Grande do Norte, 1065, Savassi, Belo Horizonte
Segunda, das 11:30h às 02:00h
De terça a sexta, das 11:30h às 00:00h
Sábado, das 11:30h às 02:00h
Domingo, das 11:30h às 00:00h
Telefone: (31) 3317-0144
Cantina do Lucas
Avenida Augusto de Lima, 233, Centro, Belo Horizonte
Segunda, das 11:30h às 02:00h
De terça a sexta, das 11:30h às 00:00h
Sábado das 11:30h às 02:00h
Domingo, das 11:30h às 00:00h
Telefone: (31) 3226-7153
