Justiça manda cartório emitir certidão de óbito de bebê morto há 46 anos
TJMG autorizou o registro tardio da morte que aconteceu em 1979, na zona rural de Nacip Raydan (MG), com base nos testemunhos da mãe e da irmã do bebê
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Siga noO Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou o registro tardio da morte de um bebê de três meses que aconteceu em janeiro de 1979, na zona rural de Nacip Raydan, no Vale do Rio Doce. A decisão foi da 21ª Câmara Cível Especializada que atendeu a um recurso contra a decisão de primeira instância da Comarca de Peçanha (MG) que havia negado o pedido com base apenas em provas testemunhais.
Segundo o processo, a autora da ação buscava a certidão de óbito do irmão para a abertura do inventário do pai. Ela alegou a impossibilidade de apresentar documentos médicos ou uma declaração formal devido à época e ao local do falecimento. Sem os registros, ela solicitou judicialmente a certidão, apresentando depoimentos dela e da mãe. A prova oral demonstrou de forma suficiente para o juiz a morte, o velório e o sepultamento, o que é compatível com os requisitos legais para o registro.
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A advogada e pós-graduada em Direito do Trabalho, Ana Carolina Souza Alves, disse que o registro tardio de óbito ocorre quando o falecimento não é formalizado dentro do prazo legal que, segundo ela, varia de 24 horas a até 3 meses, conforme a localidade e as circunstâncias do caso.
"Quando esse prazo não é observado, torna-se necessário recorrer ao Poder Judiciário, uma vez que o cartório somente poderá efetuar o registro mediante autorização judicial. Na ação judicial será pedido ao juiz que determine ao cartório competente a lavratura, o suprimento ou a restauração do assento de óbito não realizado oportunamente. Caso o pedido seja julgado procedente, será lavrado um novo registro contendo todas as informações essenciais relativas ao falecimento", explica.
Na ausência de certidão de óbito ou de documentos oficiais, como foi o caso de 1979, a advogada conta que a jurisprudência admite a utilização da prova testemunhal como principal meio de comprovação, desde que as testemunhas sejam idôneas, tenham conhecimento direto dos fatos e existam indícios materiais que os corroborem.
"Caberá ao juiz avaliar se há elementos suficientes para formar convicção quanto ao falecimento. Essa flexibilização é especialmente relevante em casos ocorridos em áreas rurais ou em períodos históricos nos quais o acesso ao registro civil era limitado ou inexistente", diz.
Como a morte do bebê não foi registrada em cartório na época, o juiz de primeira instância rejeitou o pedido da irmã por considerar que a prova testemunhal era insuficiente. Inconformada com a decisão, a mulher recorreu.
O relator do caso, juiz de direito convocado Paulo Gastão de Abreu, destacou qque a legislação autoriza o registro de óbito extemporâneo mediante decisão judicial, desde que instruído com documentos ou com a indicação de testemunhas. Ele ressaltou ainda que a condição de moradia em zona rural, a ausência de acesso a serviços públicos e a realidade histórica da região justificam a flexibilização das exigências formais, em cumprimento dos princípios da dignidade humana e do direito ao reconhecimento da personalidade civil do bebê.
Com a decisão, o juiz determinou a expedição do mandado para que o Cartório de Registro Civil de Bom Despacho (MG) lavre o óbito. O caso foi acompanhado pelos desembargadores Alexandre Victor de Carvalho e Adriano de Mesquita Carneiro, que votaram de acordo com o relator,decidindo a favor da autora do processo.
Inventário
Ainda segundo Ana Carolina, o registro de óbito de todos os herdeiros ou descendentes, mesmo que já falecidos há décadas, em relação ao inventário, é muito importante. "Nos processos de inventário, o registro de óbito de todos os herdeiros é essencial para comprovar a morte jurídica da pessoa e a transmissão da herança. Sem o óbito devidamente registrado não é possível abrir formalmente a sucessão da pessoa falecida e podem haver dúvidas sobre a linha sucessória (quem tem direito à herança). Além disso, a ausência do registro pode invalidar ou paralisar o inventário, exigindo regularização antes da partilha. Mesmo em casos antigos, o falecimento deve ser formalmente comprovado para que se reconheça a capacidade sucessória dos herdeiros subsequentes, conforme o art. 1.784 do Código Civil", afirma.
Direito à identidade e memória
Ana Carolina acredita que as decisões por trás de casos como esses possuem relevante repercussão social e jurídica, pois asseguram a efetivação de direitos fundamentais, como o direito à identidade, à memória, à sucessão e ao devido processo legal.
Além disso, a advogada ressalta que as decisões servem como importantes precedentes para casos análogos, "especialmente se tratando de casos que ocorrem em comunidades tradicionais ou em contextos nos quais os registros civis são historicamente precários ou inexistentes. Contudo, é essencial que tais situações sejam analisadas com cautela, a fim de prevenir fraudes, sendo necessário um rigoroso exame da prova testemunhal e a criteriosa verificação da veracidade dos fatos apresentados", finaliza.
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*Estagiárias sob supervisão do editor Benny Cohen