Hortas comunitárias resgatam espaços abandonados em BH
Projeto implantado por moradores transforma área degradada no Bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul da capital, e gera alimentos, segurança e cidadania
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Siga noAntes tomado pelo abandono, insegurança, criminalidade e considerado como “cracolândia”, um terreno no Bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul da capital mineira, foi transformado em uma horta comunitária orgânica. Com o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e parceiros, moradores da Vila Monte São José e de bairros do entorno mudaram não só o visual, mas também a relação das pessoas com o local.
A iniciativa liderada por Marcos Righi, presidente da Associação dos Moradores e Amigos dos Bairros Luxemburgo, Coração de Jesus e Vila Paris (Amalux), começou antes mesmo da sua fundação, em setembro de 2023.
O objetivo: transformar o terreno onde antes funcionava uma quadra de areia utilizada pela comunidade e que se degradou, foi tomado por pessoas em situação de rua e usuários de drogas, e usado para descarte de sucata e queima de fios de cobre, que, muitas vezes, eram fruto de furtos.
O local era considerado pelos moradores como um dos maiores polos de violência no bairro, gerando medo e aumento da criminalidade na região.
“A ideia nasceu de um projeto maior que vínhamos desenvolvendo há muito tempo, que era requalificar as entradas dos nossos bairros, devolvendo dignidade a espaços públicos abandonados. A horta surgiu como um instrumento de regeneração urbana, ambiental e humana, uma forma concreta de dar novo uso a um local que precisava de sentido. Um território vivo e para todos”, conta Marcos.
Responsável pela jardinagem, a moradora Glacir Louzada dos Santos conta que era difícil transitar no local. “Desde 2022 tentávamos pegar a documentação do espaço, pois, sem ela, não podíamos fazer nada. Na época, era tudo difícil, pois o tráfico dominava aqui”, relata ela, que também é massagista.
A requalificação teve início há dois anos. O primeiro passo foi a adoção oficial do terreno pela Amalux e registrar, através da escuta da comunidade, as famílias que de fato se comprometeriam a atuar como agricultoras no local. Após os desafios burocráticos, foi hora de partir para a ação.
“Contamos com o apoio de parceiros, como a EPO Engenharia, que fez toda a limpeza e nivelamento do terreno; as telas foram doadas pela Igreja Central do Luxemburgo; e a Fundação de Parques e Jardins da PBH forneceu a terra. A partir disso alinhamos o projeto com as secretarias de Segurança Alimentar, a de Assistência Social e a de Meio Ambiente (SMA), além da Gerência de Manutenção Urbana (Germa). Foi uma costura cuidadosa, mas possível, que hoje é modelo”, afirma Marcos.
Além de produzir alimentos, a horta promove educação ambiental, reciclagem, compostagem, ressocialização de catadores e atividades com foco em apoio psicossocial. Também gera potencial de renda com o excedente da produção, fortalecendo ainda mais os vínculos sociais.
A horta é um processo sempre em evolução, no qual se busca construir um espaço seguro e colaborativo. “Acreditem na força coletiva. A cidade é nossa. Não esperem somente o poder público, mas também não caminhem sozinhos. Construam pontes entre vizinhos, com governos, com empresas, com igrejas, com associações. O segredo é somar. Todo território pode florescer quando há escuta, confiança e mobilização. E, acima de tudo, a transformação urbana mais poderosa é aquela que começa cuidando das pessoas”, argumenta Marcos.
Impacto
Desde o início, o projeto contou com o envolvimento da comunidade da Vila Monte São José. A mobilização sempre envolveu escuta ativa, visitas e cadastramento das famílias no CadÚnico, o que facilitou o acesso a políticas públicas. Com apoio da Secretaria Municipal de Segurança Alimentar, os moradores receberam mudas, ferramentas e um curso de agroecologia com duração de três meses.
Atualmente, a horta é cuidada diariamente pelos próprios moradores, que cultivam, colhem e compartilham o que aprendem e produzem. O local deixou de ser visto como problema e passou a representar esperança e pertencimento. A convivência e o sentimento de coletividade são evidentes.
Para Glacir, poder cuidar da terra é uma dádiva. “Para mim, isso aqui foi um alento, pois eu tinha uma vontade imensa de lidar com a terra. Procurei vários lugares para poder mexer com horta comunitária. Passo a maior parte do meu tempo aqui. Ver o alimento que a gente vai consumir crescendo é maravilhoso, um presente de Deus”, conta.
“O impacto da horta na segurança do local e na percepção dos moradores foi imediato. O espaço antes dominado pelo medo se transformou num ambiente de acolhimento, vida e convivência saudável. A presença constante de pessoas, o cultivo da terra, a valorização do local e o envolvimento coletivo romperam o ciclo de abandono e violência. Os moradores passaram a se sentir mais seguros e orgulhosos. A horta se tornou um símbolo de pertencimento e superação”, destaca o presidente da Amalux.
Expansão
A expansão do projeto já está em andamento, após a adoção de mais dois terrenos, que serão requalificados. “Estamos replicando a iniciativa no terreno contíguo. A Amalux está implantando ali uma agrofloresta comunitária, com o plantio de árvores frutíferas e nativas, seguindo os princípios contemporâneos de regeneração ambiental e equilíbrio ecológico”, conta Marcos.
Já no lote maior, na esquina da Avenida Raja Gabaglia com a Rua Dr. Sette Câmara, outras ações estão em andamento. Marcos conta que o local também foi usado para queima de fios de cobre e chegou a abrigar parte da cracolândia da região, mas agora vem sendo ocupado positivamente pela comunidade e pelo poder público, o que já reduziu drasticamente os episódios de insegurança.
O plano é transformar o local em uma minifloresta urbana. Haverá uma quadra de lazer e um posto da Guarda Municipal com foco na Lei Maria da Penha. Para impedir que o terreno seja novamente ocupado, a prefeitura está providenciando o cercamento e a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) vai fazer regularmente a capina.
Sem patrocínio fixo, o projeto se sustenta com apoio do poder público, doações e mobilização social. A manutenção é voluntária, feita por moradores e agricultores locais. “A transformação urbana mais poderosa é a que começa cuidando das pessoas”, resume Marcos Righi.
“Essas ações fazem parte de um programa maior que batizamos de Território Vivo – Território de Todos, uma estratégia permanente de requalificação urbana que visa devolver a cidadania aos espaços públicos, ampliar a presença da sociedade civil, garantir segurança, assistência, lazer e pertencimento, atacando as causas e não apenas as consequências, e reconstruindo o tecido social rompido”.
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Início das hortas
As unidades produtivas coletivas e comunitárias são um espaço de cultivo compartilhado, onde grupos de pessoas produzem alimentos ou outros produtos de forma colaborativa. Muitas vezes, esses espaços envolvem aspectos sociais, econômicos e ambientais, promovendo a saúde, fortalecendo os laços da comunidade e contribuindo para a geração de renda e a segurança alimentar.
A capital mineira conta atualmente com 59 unidades produtivas comunitárias distribuídas por todas as regiões. São 16 unidades no Barreiro, cinco na Centro-Sul, oito na Leste, nove na Nordeste, três na Noroeste, sete na Norte, uma na Pampulha e cinco em Venda Nova. Segundo a PBH, são implantadas, em média, cinco novas hortas por ano.
As primeiras hortas apoiadas pela prefeitura surgiram na década de 1990, quando foram criadas diversas ações de incentivo à agricultura urbana, com a inauguração dos Centros de Vivência Agroecológica (Cevaes). Desde 1998, com a primeira unidade produtiva cadastrada, foi criada uma política municipal de apoio à agricultura urbana, que inclui a formação por meio do programa Trilhas da Agroecologia.
O processo de implantação de uma nova unidade produtiva começa com uma consulta pública voltada à identificação de terrenos públicos ou áreas ociosas que possam ser transformadas em espaços de produção agroecológica, como hortas, agroflorestas ou pomares. As pessoas interessadas em sugerir uma área devem preencher um formulário durante o período da consulta.
As áreas indicadas são avaliadas pelo município e, se aprovadas, são incluídas na etapa de credenciamento, na qual grupos e cidadãos podem se habilitar para iniciar a implantação da nova unidade. Todos os critérios e pré-requisitos para o credenciamento estão disponíveis no site da PBH. Anualmente, é publicado um edital específico para a implantação de novas hortas.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Galvão