Os veterinários proprietários da Clínica Veterinária Cuidado Animal (Animed) - Hospital Veterinário, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, começaram a ser ouvidos pela Justiça na tarde desta terça-feira (26/8). O primeiro dia de audiência de instrução do processo que envolve denúncias de formação de organização criminosa, estelionato e crimes ambientais acontece no Fórum de Nova Lima. Além de Marcelo Simões Dayrell e Francielle Fernanda Quirino dos Santos, outras dez pessoas - entre elas dois gerentes, o advogado do estabelecimento e sete médicos veterinários - também respondem pelos crimes. 

Os réus foram denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em 2024. Na época, o grupo foi acusado por estelionato, maus-tratos a animais, poluição ambiental, exercício ilegal da profissão e organização criminosa. Marcelo foi preso em 22 de novembro de 2019 durante a operação Arca de Noé, da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). Ele foi solto pouco tempo depois. O mesmo aconteceu com Francielle, que foi detida em São Paulo, mas também beneficiada logo em seguida por um habeas corpus.

Em março deste ano, uma decisão da 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Nova Lima determinou a prescrição das denúncias de: maus-tratos; maus-tratos com causa de aumento pela morte do animal; infração de medida sanitária preventiva e exercício ilegal da profissão. Na época, a juíza Anna Paula Vianna Franco afirmou que para tomar a decisão analisou todos os casos, considerou o período transcorrido e os prazos estipulados. 

De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), além dos réus mais de 50 testemunhas, de acusação e defesa, deverão ser ouvidas durante a audiência de instrução. Por isso, a previsão é que não haja conclusão ainda nesta tarde. O processo está sob sigilo. 

Em 2021, os proprietários da Animed, Marcelo e Francielle, tiveram condutas anti-éticas reconhecidas pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG). Por isso, o conselho aplicou pena de censura pública e uma advertência, além do pagamento de multas. Três anos depois, a entidade emitiu uma nota afirmando que o casal respondeu a Processos Éticos perante o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e já haviam cumprido as aplicações estipuladas. Eles continuam atendendo no São Bento Hospital Veterinário, localizado no Bairro Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Retirada ilegal de sangue e congelamento de animais

As investigações contra a clínica começaram em 2019, depois que a PCMG recebeu denúncias de descarte irregular de lixo veterinário. A situação culminou com uma ação civil pública do MPMG. Por isso a Polícia Civil abriu um inquérito para apurar possíveis crimes de maus-tratos, que estariam acontecendo na clínica. 

Durante as apurações, diversas irregularidades foram encontradas na clínica. Na época, o delegado responsável pelo caso, Bruno Tasca, explicou que as provas indicaram que os animais recebiam diagnósticos equivocados. Além disso, os profissionais realizavam transfusões de sangue erradas. Também foi constatada a aplicação de medicamentos equivocados e vencidos. “Às vezes, o animal era levado para tomar banho e tosa pelos donos e acabava tendo sangue extraído para fins de comercialização”. 

Outro crime  que seria praticado na clínica era o de estelionato. Ainda conforme o chefe da investigação, os animais que morriam eram congelados e descongelados tempo depois para que os proprietários do estabelecimento recebessem um valor a mais pela diária de internação e tratamento. 

Na denúncia oferecida à Justiça, o MPMG argumentou que os crimes foram praticados com a participação, “omissiva ou comissiva”, dos médicos veterinários e dos gerentes que trabalhavam no local. Além deles, o órgão judicial afirmou que o advogado da clínica garantia que as determinações dos sócio-administradores fossem seguidas e impedia o vazamento de informação ou denúncia às autoridades. Para o MPMG, a coação acontecia por meio de “intimidações relacionadas à adoção de medidas processuais ou administrativas”. 

Quais irregularidades as investigações mostraram?

  • Retirada de sangue de animais, sem autorização dos tutores, com objetivo de venda; 
  • Postergação de comunicação da morte do animal nas dependências da clínica para estender o período de internação;
  • Simulação de procedimentos em animais já mortos;
  • Prescrição de medicamentos desnecessários; 
  • Utilização de remédios proibidos, vencidos e com embalagem adulterada; 
  • Descarte irregular de lixo infectante para economizar com a coleta própria; 
  • Realização de procedimento cirúrgico sem a autorização do tutor; 
  • Ocultação de erros cometidos em cirurgias; 
  • Congelamento de animal morto e posterior descongelamento para simular que o animal acabara de morrer; 
  • Diagnósticos falsos para justificar internações e tratamentos desnecessários. 

Indignação

A remoção das denúncias por maus-tratos do processo contra os donos e funcionários da Animed revoltou tutores de animais que teriam sido vítimas. Um deles é David Barreto, tutor da cadela Malu, que morreu em 2019 na clínica do casal. Em março, após a divulgação da prescrição, ele afirmou que a situação era “frustrante e decepcionante”.

A morte de Malu foi um dos casos que mais repercutiu. Após o óbito suspeito, um laudo feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indicou falhas grosseiras na cirurgia e sinais de maus-tratos. O corpo da beagle estava com dois parafusos soltos, placa em local onde não havia fratura, infecção generalizada e necroses.

O que dizem os advogados da Animed?

Com o início da audiência de instrução contra Marcelo e Francielle, a defesa do casal afirmou que os veterinários foram vítimas de denúncias falsas com origem em uma investigação particular. De acordo com o texto, a insatisfação de um tutor em relação aos serviços da clínica o levou a iniciar a apuração “parcial” e “ilícita”, seguida de postagens difamatórias nas redes sociais. 

Em relação às denúncias ligadas à cadela Malu, os representantes legais afirmaram que a beagle chegou à unidade de atendimento com quadro de politraumatismo e nove fraturas. Além disso, em nota, eles afirmaram que o caso era de “alta complexidade” e chegou a ser recusado por outros hospitais veterinários. Por fim, no documento os advogados indicam que antes que a Animed concluísse os procedimentos necessários o tutor foi “persuadido por terceiros” a retirá-la da clínica e levá-la para tratamento em outro local, onde faleceu.

Quanto às acusações de congelamento de animais, a defesa informou que o procedimento é “padrão exigido pela vigilância sanitária” e usado para evitar a decomposição do cadáver do animal. A defesa ainda afirmou que o casal obteve uma sentença favorável em um processo cível movido por uma tutora que alegou que seu cachorro fora congelado para cobrança de diárias. 

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“Nesta nova etapa processual serão ouvidas as testemunhas e produzidas as provas solicitadas pela defesa. Assim, os advogados de Marcelo e Francielle têm a firme convicção de que será comprovado cabalmente que ambos foram sim vítimas de uma série de denúncias infundadas que ganharam desmedida desproporção em função de um grande sensacionalismo criado em torno dos fatos”, conclui a nota. 

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