“Eu sinceramente esperava que ela fosse [vítima de Renê], mas, depois de tudo que vi hoje, não tem como ela ser tão vítima assim”, afirmou Liliane França da Silva, viúva do gari Laudemir de Souza Fernandes. Ela se refere ao indiciamento da delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, esposa de Renê da Silva Nogueira Júnior, autor confesso do disparo que matou Laudemir e também indiciado pela morte do gari.

A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou, na tarde desta sexta-feira (29/8) que Ana Paula foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, conforme previsto na Lei de Desarmamento, por ter cedido ou emprestado sua pistola de uso pessoal para o companheiro. Renê foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima —, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo.

Liliane já havia dito, em audiência pública realizada no dia 20 de agosto, que acreditava que a delegada fosse vítima do marido. No entanto, com os desdobramentos desta sexta-feira, a viúva se disse triste e decepcionada por Ana Paula ter deixado a arma nas mãos de Renê. 

“Minha tristeza maior em relação a ela é que é tão difícil chegar no patamar que ela alcançou para nós, mulheres, conquistar o que ela conquistou. Pelo menos para mim, tudo que conquistei foi com muita luta; imagino que para ela também tenha sido”, afirmou Liliane ao Estado de Minas.

A delegada

A arma de Ana Paula, à qual Renê tinha acesso, foi usada no homicídio de Laudemir, no dia 11 de agosto. De acordo com a PCMG, os exames periciais realizados entre duas munições apreendidas no local do crime tiveram compatibilidade com a pistola calibre .380 apreendida na casa da servidora pública. O artefato é de uso particular da mulher e está apreendido desde então. 

A delegada está afastada do cargo desde 13 de agosto, por motivos médicos. Nessa quinta-feira (28/8), Ana Paula foi substituída no Comitê de Ética em Pesquisa da Academia da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), em meio ao afastamento da servidora por licença médica. Conforme o ato, assinado pela delegada-geral da Polícia Civil, Yukari Miyata, a servidora foi substituída por uma professora. A publicação não deixa claro se a mudança é definitiva.

Desde 11 de agosto, a Corregedoria da PCMG instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida em relação ao uso de sua arma pessoal no possível crime. Na ocasião, segundo repassado à imprensa pelo porta-voz da corporação, o delegado Saulo Castro, a servidora afirmou que o marido não tinha acesso aos dois artefatos. Além disso, a delegada disse não ter nenhuma informação em relação ao crime em que o companheiro foi preso por suspeita de participação.

Renê indiciado

Renê da Silva Nogueira Júnior foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima —, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo. A pena pode chegar a até 35 anos.

O empresário está preso desde o dia do crime, 11 de agosto, e seguirá detido no Presídio de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O resultado das investigações foi divulgado 18 dias depois do homicídio, registrado na Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, na Região Oeste de Belo Horizonte.

Em um primeiro momento, Renê negou ter cometido o crime e passado pelo local na manhã de 11 de agosto. Ele chegou a dizer que saiu de casa, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Região Metropolitana, direto para o trabalho em Betim, também na Grande BH. No entanto, o álibi foi derrubado pelas investigações, que obtiveram imagens nítidas do carro do suspeito e dele guardando a arma de sua esposa, delegada da PCMG, em uma mochila.

Após a divulgação das gravações, na última segunda-feira (18/8), o investigado, em novo depoimento, confessou que estava no local e disparou a arma da esposa. Conforme registrado no termo de declaração da oitiva pela PCMG, Renê afirmou que essa teria sido a primeira vez que pegou a pistola .380, de uso particular da mulher. Ainda segundo a nova versão, ele teria feito isso para se proteger, por “estar indo para um local perigoso” e por não conhecer o caminho. A arma, então, seria “para proteção”.

Fascínio por armas

À imprensa, o delegado responsável pelo caso, Evandro Radaelli, explicou que, além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que Renê tem  "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento lhe concedia.

Radaelli explicou que, durante análises feitas no aparelho celular do investigado, foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas. Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre.

Como foi o crime?

No dia 11 de agosto, Laudemir trabalhava, junto com outras quatro pessoas, na Rua Modestina de Souza, por volta das 8h55, quando a motorista do caminhão, uma mulher de 42 anos, parou e encostou o veículo para que uma fila de dez carros pudesse passar. A via de mão dupla, segundo relato de testemunhas, fica próxima da Avenida Tereza Cristina. Em determinado momento, o último veículo, identificado como um carro modelo BYD, da cor cinza, teria enfrentado dificuldades para passar pelo caminhão e, por isso, a motorista e um dos garis teriam indicado ao motorista que o espaço seria suficiente. 

Em depoimento à Polícia Civil, a condutora do caminhão de coleta, identificada como Eledias Aparecida Rodrigues, afirmou que, enquanto recebia as instruções dos funcionários, o motorista do BYD pegou uma arma preta, fez movimento para engatilhar a arma e, apontando para ela, disse: “Se você esbarrar no meu carro, eu vou dar um tiro na sua cara, dúvida?”.

Diante das ameaças feitas à colega, uma segunda testemunha afirmou que os demais trabalhadores tentaram acalmar o suspeito e pediram que ele seguisse seu caminho. Mesmo assim, segundo o boletim de ocorrência, o homem desembarcou com a arma em punho, deixando o carregador cair. Ele então o recolocou, manobrou a arma e efetuou um disparo em direção à vítima. Laudemir chegou a ser socorrido e encaminhado para o Hospital Santa Rita, no Bairro Jardim Industrial, em Contagem, mas morreu. 

O que acontece agora?

  • O resultado das investigações e o indiciamento do suspeito serão enviados ao Ministério Público de Minas Gerais;

  • Após o recebimento dos documentos, o MPMG tem até dez dias para denunciar, ou não, o indiciado à Justiça;

  • Além dos crimes relatados na conclusão do inquérito, o MPMG pode acusar o homem por outros delitos;

  • A delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira continuará afastada, por motivos de saúde;

  • A Corregedoria da PCMG continua as investigações administrativas contra a servidora.

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