“São três semanas procurando Mounjaro para continuar meu tratamento e não acho em nenhuma farmácia.” O desabafo, compartilhado por um paciente, exemplifica a angústia de brasileiros que não estão conseguindo encontrar o medicamento à base de tirzepatida, fabricado pela farmacêutica Eli Lilly.
Nas redes sociais e no site Reclame Aqui, plataforma que liga diretamente o consumidor às empresas, somam-se relatos semelhantes. “Não posso interromper o tratamento. Preciso de uma solução da empresa”; “Não há em nenhuma farmácia, tem uns quatro meses, a farmácia me falou”.
A situação se repete em várias capitais e cidades do interior, como Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Salvador (BA), São Paulo (SP), Vila Velha (ES) e Pesqueira (PE). O maior problema está justamente nas doses iniciais - 2,5 mg e 5 mg, fundamentais para a introdução e a correta continuidade do tratamento.
Leia Mais
O que é Mounjaro e por que ele é tão importante?
O Mounjaro, lançado no Brasil em maio deste ano, pertence ao grupo das chamadas canetas emagrecedoras. Seu princípio ativo é a tirzepatida, indicada originalmente para o tratamento do diabetes tipo 2, mas que também passou a ser prescrito contra a obesidade. Ele é destinado a pessoas com IMC acima de 30, ou acima de 27 quando há outras comorbidades associadas, como doenças cardiovasculares.
O diferencial da tirzepatida é o mecanismo duplo de ação: enquanto medicamentos como semaglutida e liraglutida atuam apenas sobre o GLP-1, hormônio que regula a glicose e promove saciedade, a tirzepatida age também sobre o GIP, aumentando sua eficácia.
“Com isso ela é mais potente para perda de peso, controle da glicemia e, em muitos casos, costuma apresentar menos efeitos colaterais. Claro que cada pessoa responde de forma diferente”, explica Bruna Galvão, presidente-eleita da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de Minas Gerais (SBEM-MG).
O diferencial da tirzepatida é o mecanismo duplo de ação
Para Bruna, a falta do medicamento tem várias causas. Ela lembra que outras canetas já enfrentaram desabastecimento, especialmente quando não havia exigência de receita controlada, o que estimulava compras em excesso.
“Além disso, estamos falando de um remédio novo no mercado, com patente exclusiva (não tem concorrente ou genérico), eficaz e bastante procurado. A demanda cresceu mais rápido do que a empresa consegue suprir. A expectativa é que a situação seja normalizada nos próximos dois meses, segundo representantes que nos visitam”, afirma.
O risco de interromper o tratamento
O tratamento para as doenças crônicas normalmente são iniciadas com doses mais baixas e vão escalonando para que o organismo se adapte aos hormônios e, assim, o paciente não sinta tantos efeitos colaterais. O endocrinologista Rodrigo Lamounier, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), explica a importância desse cuidado. “O motivo do aumento gradual da dose é garantir tolerância e reduzir efeitos colaterais, como gases, náuseas e vômitos. A transição precisa de tempo. Interromper o uso e retomar de forma irregular pode comprometer tanto a eficácia quanto a segurança do tratamento”, alerta.
Mateus de Paula, de 24 anos, tem vivido isso na prática. O estudante de medicina conta que fez cirurgia bariátrica há 8 anos e, ao perceber um reganho de peso, procurou a endócrino Bruna Galvão para orientação. Assim, ele começou o tratamento para emagrecimento com a semaglutida, mas seu corpo não se adaptou. “Comecei a usar a tirzepatida e na época não era vendida no Brasil. Uma amiga trouxe da Europa e posteriormente continuei comprando aqui mesmo”, relembra.
O jovem conta que a adaptação foi positiva, mas desde a semana retrasada não consegue achar o fármaco para dar continuidade ao tratamento. “Quando minha caneta acabou, fui comprar e não achava em lugar nenhum. Fiquei desesperado. O ideal é não interromper o tratamento, mas não tive escolha. Voltei para a semaglutida, só que passei muito mal, tive náusea e diarreia.” Por sorte, uma amiga viajou para o exterior e trouxe uma caneta para Mateus, mas ele destaca que não é sempre que pode contar com alguém “importando” o medicamento.
Para Bruna Galvão, situações como a de Mateus são preocupantes. “No caso do diabetes, há risco de descompensar a glicemia, levando a complicações agudas que podem exigir até internação, além de agravar complicações crônicas. Na obesidade, a descontinuidade pode provocar reganho de peso, frustração e até compulsão alimentar. Interromper o tratamento expõe o paciente a riscos físicos e psicológicos”, pontua.
O perigo da falsificação
Outra paciente, de Belo Horizonte, que preferiu não se identificar, revelou ter procurado o medicamento nas principais farmácias da capital e criticou os altos custos para continuar o tratamento. “Não há em nenhuma farmácia, tem uns quatro meses. E alguns sugerem comprar duas de 2,5 mg para substituir a de 5 mg, mas o preço dobra. É inviável. Parece venda casada.”
Mas não achar o medicamento não atinge apenas a administração da dose indicada, mas aumenta também a procura por versões manipuladas ou falsificadas. Em agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a manipulação das chamadas canetas emagrecedoras, e especialistas permanecem destacando os riscos das alternativas ilegais.
“Infelizmente vemos muitas falsificações circulando. É um remédio patenteado, ninguém pode manipular. Buscar em fontes não seguras coloca em risco a saúde das pessoas”, alerta Bruna. Já Rodrigo Lamounier reforça que, “ainda que falte o medicamento, nunca procure alternativas sem orientação médica. O risco de falsificação é grande, e isso pode trazer consequências graves à saúde.”
O que diz a lei?
Do ponto de vista jurídico, a situação é complexa. “Se a falta ocorrer por caso fortuito ou força maior, pode exonerar o fornecedor da responsabilidade legal. Mas, se a empresa vender sabendo que não há medicamento no mercado, pode configurar publicidade enganosa”, avalia o advogado e professor de Direito do Consumidor Enki Pimenta.
Ele acrescenta que consumidores podem recorrer ao Procon e ao Ministério Público, e até mesmo propor ações coletivas. “O paciente pode buscar reparação se ficar provado que houve má-fé. E sim, a legislação permite ações coletivas nesse tipo de caso.”
O que diz a fabricante?
Procurada pelo Estado de Minas, a Eli Lilly reconheceu a indisponibilidade, informou que o problema não é ligado à qualidade e que os desafios podem persistir nas próximas semanas. Veja nota completa da empresa:
“O lançamento no Brasil em maio deste ano apresentou uma demanda sem precedentes. Apesar de termos fornecido um volume consideravelmente maior do que a demanda esperada, esta superou qualquer expectativa, e atualmente estamos enfrentando disponibilidade intermitente das dosagens de 2,5 mg e 5 mg de Mounjaro no Brasil.
Reconhecemos que esta situação pode vir a causar uma interrupção no tratamento do diabetes tipo 2 e obesidade, e gerar frustrações em quem está em uso do medicamento. Como empresa de saúde, sabemos que os nossos tratamentos ajudam as pessoas a viver de maneira mais saudável, e levamos esta situação muito a sério.
Já garantimos a importação de volumes adicionais de Mounjaro para o Brasil e estamos trabalhando com propósito e urgência para estabilizar o abastecimento, sempre garantindo que a segurança dos pacientes seja uma prioridade e que nossos padrões de qualidade se mantenham.
A Lilly está otimista de que, em breve, será capaz de resolver essa questão temporária de disponibilidade, uma vez que receberemos cargas mensais de Mounjaro no Brasil. Temos acompanhado de perto esse tema, dada a demanda dinâmica do mercado, e reconhecemos que desafios de abastecimento intermitente podem persistir nas próximas semanas. A Lilly informou a Anvisa sobre a situação de fornecimento de Mounjaro e enfatiza que a disponibilidade intermitente não está relacionada a problemas de qualidade.
Recomendamos aos pacientes que estiverem com dificuldade de encontrar o medicamento, entrar em contato com diferentes farmácias para avaliar a disponibilidade ou com seu profissional de saúde. Mounjaro deve ser usado sob prescrição médica e só é encontrado nas principais redes de farmácia, que estão recebendo o medicamento original da Lilly.”