Novo rem�dio � aplicado por meio de uma inje��o semanal
A Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) aprovou nesta segunda-feira (25/9) o Mounjaro, da farmac�utica Eli Lilly, como um novo tratamento contra o diabetes tipo 2.
O rem�dio, cujo princ�pio ativo � a tirzepatida, j� est� liberado nos Estados Unidos e na Europa e tem uma atua��o relativamente parecida ao do Ozempic, do laborat�rio Novo Nordisk (entenda os detalhes a seguir).
Nos estudos que serviram de base para a aprova��o, inclusive, o Mounjaro apresentou resultados superiores de controle da glicemia (o a��car no sangue) e redu��o de peso quando comparado ao Ozempic.
Assim como seu "primo-irm�o", a nova droga que chega ao pa�s tamb�m � aplicada por meio de inje��es semanais.
A princ�pio, a tirzepatida est� indicada apenas para tratar diabetes, mas ela tamb�m passa por estudos que a avaliam como uma poss�vel terapia contra obesidade, apneia do sono, esteatose hep�tica, doen�a renal cr�nica e insufici�ncia card�aca.
Mas como esse novo f�rmaco funciona? E em que casos ele ser� indicado? Conhe�a os principais detalhes sobre o Mounjaro ao longo desta reportagem.
Como o Mounjaro funciona
Para Luiz Magno, diretor s�nior da �rea m�dica da Eli Lilly Brasil, o Mounjaro inaugura uma nova classe farmac�utica e traz resultados "sem precedentes".
"Ele � a primeira mol�cula que usa um novo mecanismo de a��o e atua sobre dois horm�nios excretados durante a digest�o dos alimentos", resume ele.
Em suma, o novo rem�dio ativa receptores das c�lulas relacionados a dois horm�nios que atuam no sistema digestivo: o GIP (sigla para polipept�deo insulinotr�pico dependente de glicose) e o GLP-1 (pept�deo 1 semelhante ao glucagon).
Esses tais receptores que s�o ativados mexem com uma s�rie de processos do organismo. O primeiro deles envolve a libera��o de insulina, horm�nio produzido pelo p�ncreas que � respons�vel por retirar da circula��o sangu�nea o a��car obtido dos alimentos e bot�-lo dentro das c�lulas, onde ser� usado como fonte de energia.
Sabe-se que indiv�duos com diabetes apresentam problemas na fabrica��o ou na a��o da insulina pelo organismo. Com isso, o a��car (ou a glicose, no jarg�o m�dico) se acumula no sangue e causa uma s�rie de problemas � sa�de — de infarto � dificuldade na cicatriza��o de feridas.
Ao melhorar a libera��o de insulina ap�s as refei��es, portanto, o Mounjaro facilita o controle da glicemia (ou das taxas de a��car na circula��o).
Mas a a��o do rem�dio n�o para por a�: esses receptores de GIP e GLP-1 tamb�m aparecem em c�lulas do c�rebro que s�o respons�veis por controlar o apetite. Com isso, o f�rmaco ajuda a regular a ingest�o de alimentos — o que pode levar � perda de peso.
O Ozempic, cujo princ�pio ativo � a semaglutida, tamb�m � usado no diabetes e tem uma a��o parecida. A diferen�a � que ele atua apenas sobre um desses horm�nios: o GLP-1.
Para buscar a libera��o das ag�ncias regulat�rias, a Eli Lilly realizou dez estudos cl�nicos, que envolveram mais de 19 mil pacientes de v�rias partes do mundo (inclusive do Brasil).
Um desses testes, conhecido pela sigla Surpass-2, avaliou 1,9 mil pacientes adultos com diabetes tipo 2 e comparou o Mounjaro (em diferentes dosagens) ao Ozempic (semaglutida 1 mg).
Os resultados do experimento foram apresentados em 2022, durante o Congresso da Associa��o Americana de Diabetes, nos Estados Unidos.
Os dados mostram que, entre os volunt�rios que tomaram a vers�o de 15 mg do Mounjaro, 51% deles conseguiram atingir uma hemoglobina glicada (HbA1c) inferior a 5,7%. Essa mesma meta foi atingida por 20% dos participantes que usaram o Ozempic.
Vale explicar aqui que a HbA1c � um tipo de exame capaz de estimar a m�dia da glicose (o a��car no sangue) durante os �ltimos tr�s meses. Um valor que fica acima dos 5,7% � um dos indicativos usados por m�dicos para fechar o diagn�stico de pr�-diabetes ou diabetes.
Portanto, ao fazer com que metade dos volunt�rios ficassem com uma HbA1c inferior a 5,7%, o Mounjaro permitiu que eles atingissem patamares observados em pessoas que n�o t�m a doen�a.
"Isso faz dele a medica��o mais potente que temos at� o momento para tratar o diabetes tipo 2", classifica o m�dico Paulo Augusto Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
O mesmo teste cl�nico revelou que 92% dos volunt�rios tratados com o Mounjaro de 15 mg conseguiram ficar com uma HbA1c abaixo de 7%, que � o n�vel recomendado pelas diretrizes m�dicas para um controle adequado do diabetes.
A rapidez com que o ajuste dos �ndices glic�micos foi alcan�ado tamb�m chamou a aten��o de especialistas: o grupo que tomou o Mounjaro chegou a uma HbA1c abaixo de 7% ap�s oito semanas de tratamento, quatro semanas antes de quem recebeu o Ozempic.
E o que aconteceu com o peso? Segundo o estudo Surpass-2, os pacientes que usaram a tirzepatida perderam 12,4 quilos, em m�dia. Os pesquisadores calculam que isso � o dobro do observado com a semaglutida.
Procurada pela BBC News Brasil, a Novo Nordisk, respons�vel pelo Ozempic, enviou uma nota em afirma que "a amplia��o do arsenal terap�utico para o tratamento da obesidade �, sem d�vida, um marco importante e um ponto de virada para uma condi��o ainda muito negligenciada".
"Estamos diante de uma nova era no tratamento da obesidade como doen�a cr�nica, multifatorial, recorrente e progressiva, em que o paciente poder� discutir junto ao seu m�dico sobre o medicamento que mais precisa e se adequa �s suas necessidades individuais", diz o texto.
"Os an�logos do GLP-1, comercializados pela Novo Nordisk desde 2009 e inicialmente idealizados para tratar o diabetes tipo 2, t�m como diferenciais a promo��o do controle glic�mico, perda de peso e redu��o significativa no risco de eventos cardiovasculares."
"A semaglutida 2,4 mg, aprovada para o tratamento da obesidade no Brasil desde janeiro de 2023 e j� comercializada para este fim em pa�ses como Estados Unidos, Dinamarca, Alemanha e Reino Unido, tem a��o prolongada, portanto, age em uma �rea do c�rebro chamada hipot�lamo que � respons�vel pela regula��o do apetite, levando a uma redu��o da fome e aumento da saciedade, ou seja, a pessoa tem menos vontade de comer e fica rapidamente satisfeita com menores quantidades de comida. Isto, aliado � alimenta��o saud�vel e equilibrada, atividade f�sica regular e acompanhamento m�dico adequado, promove perda de peso."
"Aspiramos um futuro em que a semaglutida seja uma terapia b�sica que permita aos m�dicos manejar essas condi��es com prote��o mais completa, precoce o suficiente para fazer a diferen�a na sa�de e qualidade de vida do paciente."
"Uma terapia de a��o ampla, que poderia ir al�m do controle de peso e glicose para fornecer efeitos abrangentes e modificadores da doen�a em todo o espectro cardiometab�lico. A semaglutida permitir� que os m�dicos tratem proativamente o que veem agora, bem como o que pode acontecer mais tarde, ou seja, tratar hoje poss�veis complica��es que s� apareceriam futuramente", finaliza o texto.

Rem�dios agem em horm�nios relacionados ao sistema digestivo para controlar a insulina e a saciedade
Getty ImagesO Mounjaro ajuda a emagrecer?
Que fique claro: o Mounjaro foi aprovado pela Anvisa como um tratamento espec�fico para o diabetes tipo 2.
"Trata-se de uma medica��o para o paciente diab�tico, que tem um quadro extremamente complexo. O novo medicamento permite uma redu��o fant�stica da hemoglobina glicada, algo nunca antes visto", pontua Magno.
"O Mounjaro � um medicamento prescrito, que precisa de acompanhamento m�dico", complementa o representante da Eli Lilly.
Por�m, diante da redu��o de peso observada nos estudos cl�nicos, o novo f�rmaco dever� passar por uma situa��o parecida ao que ocorreu com o Ozempic (que tamb�m � um tratamento contra o diabetes, diga-se): ter um uso off label, ou fora das indica��es de bula, como uma forma de perder peso.
Atualmente, a Novo Nordisk possui tr�s vers�es de medicamento cujo princ�pio ativo � a semaglutida. A primeira j� foi citada anteriormente: o Ozempic, que tem 1 mg do f�rmaco, � injet�vel, semanal e est� indicado para tratar o diabetes.
A segunda � o Wegovy, com 2,4 mg, uma terapia espec�fica para a obesidade (tamb�m injet�vel e semanal).
A terceira � o Rybelsus, usado contra o diabetes e vem na forma de comprimidos de 3,7 ou 14 mg.
Essa diversifica��o de op��es e indica��es terap�uticas de um mesmo princ�pio ativo � algo que tamb�m deve acontecer com a tirzepatida .
Como citado anteriormente, ela est� sendo avaliada para outras condi��es de sa�de: obesidade, esteatose hep�tica (ac�mulo de gordura no f�gado), apneia do sono, insufici�ncia card�aca e doen�a renal cr�nica.
Especificamente sobre a obesidade, os dados apresentados s�o considerados promissores. Nos estudos Surmount-3 e 4, a tirzepatida foi comparada com o placebo (uma subst�ncia sem nenhum efeito terap�utico aparente) e permitiu uma redu��o de peso em 26% (ou 28 quilos, em m�dia). Aqui foram avaliados volunt�rios com obesidade ou sobrepeso que tinham comorbidades (doen�as cr�nicas), mas n�o eram portadores de diabetes tipo 2.
Essa taxa fica bem pr�xima — e em alguns casos at� � superior — aos resultados obtidos com a cirurgia bari�trica.
De novo: essas novas indica��es de uso ainda precisam ser melhor estudadas antes de receberem qualquer aval das ag�ncias regulat�rias dos pa�ses.
Enquanto isso n�o acontece, Miranda n�o acredita que o uso off label seja contra-indicado em absoluto — desde que existam evid�ncias para justific�-lo.
"Ambas as medica��es [Ozempic e Mounjaro] tamb�m foram ou s�o estudadas para o tratamento da obesidade, e h� uma robustez cient�fica de efic�cia e seguran�a nesse contexto", destaca ele.
"Mas precisamos nos atentar �s terminologias aqui: falamos de medica��es para o tratamento da obesidade, e n�o de medica��es para a perda de peso ou para emagrecer. Parece uma diferen�a sutil, mas n�o �."
"Precisamos separar o que � um desejo social de perda de peso. Uma pessoa que quer perder tr�s ou quatro quilos, por uma quest�o est�tica, deve buscar esse objetivo por meio de mudan�as de estilo de vida. Reorganizar a alimenta��o, as pr�ticas de atividade f�sica e o sono s�o medidas que se demonstraram muito eficazes nessa situa��o", orienta o endocrinologista.
Segundo o m�dico, quando a meta envolve enxugar menos de 5% do peso corporal, mudar a dieta, fazer exerc�cios e cuidar da sa�de s�o o caminho mais adequado.
Agora, quando � necess�rio perder mais que isso, os rem�dios podem ser necess�rios — junto com o acompanhamento de um profissional e a ado��o de um estilo de vida saud�vel, claro.

Uso de novas medica��es deve vir sempre acompanhado de mudan�as na dieta e na pr�tica de atividade f�sica, dizem ag�ncias de sa�de
Getty ImagesEfeitos colaterais do Mounjaro
Quando questionado sobre os poss�veis eventos adversos da nova medica��o, Magno diz que o perfil de seguran�a � similar ao observado em outros f�rmacos j� dispon�veis.
Nos estudos cl�nicos, esses efeitos colaterais foram considerados "leves e moderados".
"Os sintomas afetam principalmente o sistema gastrointestinal, como n�useas, v�mitos e diarreia", diz o diretor m�dico da Eli Lilly.
"Eles costumam ocorrer principalmente na fase inicial do tratamento, por isso tamb�m � importante fazer o acompanhamento m�dico e o aumento progressivo da dosagem", complementa ele.
Miranda destaca que os estudos cl�nicos fazem modelos matem�ticos e estat�sticos que ajudam a estimar o risco de efeitos colaterais das medica��es — mas � sempre necess�rio ficar atento a poss�veis problemas que aparecem na vida real, mas n�o foram detectados na fase de pesquisa. As ag�ncias regulat�rias e as pr�prias farmac�uticas costumam ter departamentos espec�ficos que lidam com essa vigil�ncia dos f�rmacos ap�s a aprova��o.
"Quando os primeiros agonistas do GLP-1 chegaram ao mercado, houve um alerta sobre um poss�vel risco de pancreatite [inflama��o do p�ncreas], o que levou a uma necessidade de revis�o dos dados", exemplifica ele.
"Mais recentemente, o �rg�o regulat�rio europeu soltou um alerta sobre o uso de semaglutida e a possibilidade de indu��o de uma idea��o suicida."
"Da� os especialistas foram analisar as evid�ncias e, ao que parece, esse risco n�o foi demonstrado de fato", complementa o presidente da SBEM.
O endocrinologista ainda pondera que nenhuma medica��o � isenta de riscos ou eventos adversos.

Tirzepatida precisar� de receita m�dica %u2014 e num primeiro momento est� aprovada apenas contra o diabetes
Getty ImagesQuem poder� tomar o Mounjaro?
Por fim, Miranda mostra-se preocupado com o acesso ao Mounjaro.
"A medica��o s� � eficaz se usada no paciente certo, para o qual a subst�ncia foi estudada", diz ele.
"E esses novos medicamentos t�m um custo muito elevado. Com isso, infelizmente, a maior parte das pessoas que se beneficiariam deles n�o conseguir�o acesso."
Atualmente, o valor do tratamento com a semaglutida fica na faixa dos R$ 700,00 aos R$ 1 mil por m�s.
Ainda n�o se sabe quanto o Mounjaro vai custar: ap�s o sinal verde da Anvisa, o pre�o do produto ser� determinado pela C�mara de Regula��o do Mercado de Medicamentos (CMED), tamb�m vinculada ao Governo Federal.
S� a partir disso ele poder� ser vendido em drogarias e comprada pelos consumidores.
E a eventual disponibiliza��o do Mounjaro por planos de sa�de privados ou na pr�pria rede p�blica ainda envolve uma s�rie de outras etapas burocr�ticas, como avalia��es da Ag�ncia Nacional de Sa�de Suplementar (ANS) e da Comiss�o Nacional de Incorpora��o de Tecnologias no Sistema �nico de Sa�de (Conitec).
Magno assegura que a Eli Lilly est� aberta para conversar e ampliar o acesso � tirzepatida no Brasil.
"N�s sabemos que n�o adianta ter a melhor tecnologia se ningu�m consegue obt�-la", confessa o m�dico.
"Nosso compromisso � sempre buscar a melhor forma para garantir o acesso ao tratamento, seja no mercado p�blico ou no privado", complementa ele.
Miranda destaca que a chegada de novas op��es para tratar o diabetes permite personalizar cada vez mais o tratamento — e garantir que cada paciente receba o melhor rem�dio segundo as pr�prias caracter�sticas e necessidades.
"E n�s temos conseguido alguns avan�os na �rea do diabetes, mesmo na rede p�blica", destaca ele.
Recentemente, o rem�dio antidiab�tico dapaglifozina foi incorporado no Sistema �nico de Sa�de (SUS) e ao programa Farm�cia Popular, cita o endocrinologista.
"E precisamos que esses avan�os tamb�m aconte�am na obesidade: at� agora, nosso pa�s n�o possui nenhuma terapia farmacol�gica para tratar essa doen�a na rede p�blica", destaca o endocrinologista.
De acordo com a Federa��o Internacional de Diabetes, o Brasil � o sexto pa�s com mais casos da doen�a no mundo. Mais de 16,8 milh�es de brasileiros sofrem com o descontrole nas taxas de glicemia, n�mero que deve aumentar para 23,2 milh�es at� 2045.
J� a obesidade afeta 20,3% da popula��o, segundo o Minist�rio da Sa�de. Essa taxa aumentou 72% nos �ltimos 13 anos.
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