“Os donos da terra estão chamando.

Chegou a hora de ouvir.

Chegou a hora de pisar junto.

Chegou a hora de lembrar quem sempre esteve aqui”

Às 8h30, antes mesmo de o Sol esquentar de verdade, indígenas Pataxó, Xakriabá, Maxakali, Krenak, Xucuru-Kariri, Guajajara e tantos outros já estarão de volta ao lugar que seus avôs chamavam de casa antes de qualquer rua asfaltada, antes de qualquer nome português. Eles não vêm como convidados. Vêm como donos originais da terra que Belo Horizonte tentou cobrir de concreto, mas nunca conseguiu apagar.

A 9ª Pisada do Caboclo e dos Povos Indígenas é isso: o momento em que a cidade é obrigada a dobrar o joelho e reconhecer que, por baixo de todo esse asfalto, ainda pulsa o coração dos primeiros habitantes deste chão. Neste domingo, 23 de novembro, o Parque Lagoa do Nado não será apenas um ponto turístico de BH; será território sagrado, de memória viva dos povos que nunca saíram daqui.

Pisada de Caboclo: evento em BH celebra a cultura de povos tradicionais

Organizada pela Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente (CCPJO), a celebração não pede licença para existir. Ela afirma. Quando os caboclos baixam nos médiuns e os pés descalços pisam firme na terra úmida da lagoa, não é teatro. É retomada simbólica. É o indígena ancestral dizendo, através do corpo mediúnico: “Eu nunca fui embora. Vocês é que esqueceram que eu estava aqui.”

Luta por visibilidade

Pai Ricardo de Moura, dirigente da CCPJO, fala claro:“Esta pisada não é folclore. É descolonização em movimento. Cada ponto cantado, cada folha de guiné queimada, cada criança pintada de jenipapo é um ato de guerra contra o apagamento que tentaram impor aos povos originários. A Umbanda mineira sabe: sem o indígena, não existe caboclo. Sem o indígena, não existe Brasil.”

“E encontro avança também em questões de conquistas políticas, de conquista de espaço, de visibilidade e de direitos. Vários terreiros estarão reunidos na Lagoa do Nado. Vários povos, de várias aldeias. Juntos, vamos fazer uma  celebração com muita comida, com muita fruta, com muito canto. Estaremos dentro da programação do Festival Internacional de Arte Negra (FAN). Então a gente está tendo essa confluência, esse encontro nasce para fortalecer a visibilidade e falar qual é a identidade desse Brasil, quais são os povos que mantêm a cultura, que mantêm a forma de viver, de comer, de pensar. A maioria são esses povos pretos e indígenas que são perseguidos, que são assassinados, que são desterritorializados, precisamos falar disso também, sabe? Todo mundo será  bem-vindo”, finaliza Pai Ricardo.

Durante todo o dia, o parque vai cheirar a pequi torrado, a mandioca cozida no vapor da folha de bananeira, a urucum e jenipapo. Vai soar o maracá, o toré, o tambor de crioula, o ponto de caboclo. E, principalmente, vai se ouvir a verdade que incomoda: Belo Horizonte foi construída sobre aldeias. A Lagoa do Nado era lugar sagrado muito antes de virar cartão-postal. E os povos indígenas não são passado. Estão aqui, de pé, falando suas línguas, dançando suas danças, exigindo respeito.

Quem chegar ao parque neste domingo vai se deparar com algo raro: indígenas e terreiros de Umbanda e Candomblé lado a lado, sem hierarquia, sem intermediário branco, sem tradução acadêmica. Apenas a força direta de quem sobreviveu ao genocídio e ainda canta. Apenas a força de quem se recusa a ser museu.

A Pisada do Caboclo é um recado direto à cidade que se acha moderna:

"enquanto houver um indígena respirando em Minas Gerais,

enquanto houver um terreiro riscando pemba no chão,

enquanto houver uma criança aprendendo a pisar firme na terra dos avós,

a história não acabou.Ela está apenas recomeçando — com os pés no lugar certo".

Serviço

Domingo, 23 de novembro

A partir das 8h30

Parque Lagoa do Nado - Rua Ministro Hermenegildo de Barros, 904 - Bairro Itapoã, Belo Horizonte

Entrada gratuita

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