Júlio Moreira

No dia 6 de agosto de 1945, quando o céu de Hiroshima foi rasgado por um clarão que mudaria a história da humanidade, entre as dezenas de milhares de vítimas, um homem sobreviveu: Tsutomu Yamaguchi, engenheiro da Mitsubishi, de 29 anos, natural de Nagasaki. Estava em uma viagem de negócios quando a bomba “Little Boy” foi lançada, matando cerca de 70 mil pessoas. Yamaguchi sofreu queimaduras, perda auditiva no ouvido esquerdo e ferimentos causados pela radiação. Mesmo ferido, conseguiu passar a noite em um abrigo e, no dia seguinte, embarcou em um trem de volta para casa. Três dias depois, já parcialmente recuperado, retornava ao trabalho em Nagasaki. Às 11h02 do dia 9 de agosto, enquanto contava ao chefe o que presenciara em Hiroshima, viu pela janela mais um clarão no céu: era a segunda bomba atômica, lançada agora sobre sua própria cidade.

A explosão da bomba “Fat Man” matou outras 70 mil pessoas. Mais uma vez, Yamaguchi sobreviveu. Estava a cerca de três quilômetros do epicentro. Sua esposa e o filho de poucos meses também escaparam. A família se refugiou em um abrigo improvisado. Durante a semana seguinte, ele teve febre alta, vômitos constantes e as queimaduras gangrenaram. A dor era intensa, mas ele resistiu. Durante a ocupação americana, Yamaguchi trabalhou como tradutor para as forças aliadas. Retomou sua carreira na Mitsubishi e, nos anos seguintes, teve mais duas filhas. Com o tempo, passou a sofrer as consequências tardias da radiação: catarata, leucemia aguda e câncer de estômago. A filha mais velha relatou que ele usou ataduras por mais de uma década, em razão das feridas que custaram a cicatrizar.

Por muito tempo, Yamaguchi evitou contar sua história. Mas, após a morte de um de seus filhos por câncer, passou a se manifestar publicamente. Tornou-se ativista pela paz e contra o uso de armas nucleares. Deu entrevistas, escreveu poemas, publicou uma autobiografia e discursou na sede da ONU em 2006. “Não consigo entender por que o mundo não entende a agonia das bombas nucleares”, disse certa vez.

Em 2009, o governo japonês reconheceu oficialmente sua condição como “niju hibakusha” – sobrevivente duplo dos bombardeios atômicos. Foi o primeiro e único a receber esse título. “Minha dupla exposição à radiação agora é um registro oficial. Espero que sirva para ensinar às novas gerações o horror da guerra”, declarou.

Tsutomu Yamaguchi morreu em 4 de janeiro de 2010, aos 93 anos, vítima de câncer no estômago. Deixou um legado de memória e resistência. Para a Prefeitura de Nagasaki, sua morte representou a perda de “um contador de histórias precioso”. Yamaguchi, com sua história única, tornou-se uma das vozes mais respeitadas na luta pela paz e pelo desarmamento nuclear.

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