Júlio Moreira
Às 11h02 da manhã do dia 9 de agosto de 1945, a cidade portuária e industrial de Nagasaki, no Japão, foi atingida pela segunda – e até hoje última – bomba atômica usada em combate na história da humanidade. Três dias após o devastador ataque a Hiroshima, o mundo testemunhava novamente a face mais brutal da guerra, agora com a detonação da bomba de plutônio “Fat Man”, lançada a cerca de 550 metros de altitude por um bombardeiro B-29 americano, o Bock’s Car. O impacto foi imediato e catastrófico.
Embora o relevo montanhoso de Nagasaki tenha atenuado parcialmente a propagação da onda de choque em comparação ao terreno plano de Hiroshima, a destruição foi imensa. Estima-se que cerca de 40 mil pessoas tenham morrido instantaneamente, número que ultrapassaria 70 mil até o fim de 1945. O vale de Urakami, região que concentrava grande parte da infraestrutura industrial da cidade, se transformou em um campo de ruínas. Fábricas, estaleiros, hospitais e bairros residenciais foram destruídos ou incendiados, deixando rastros de escombros, fumaça e corpos carbonizados por toda parte.
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A bomba de plutônio possuía maior poder explosivo do que a de urânio usada em Hiroshima – cerca de 21 quilotons, contra 15 da “Little Boy”. Ainda assim, Nagasaki registrou um número menor de mortes imediatas, graças à geografia da cidade e ao fato de a bomba ter explodido fora do centro urbano. Mesmo assim, a tragédia foi de proporções históricas. Aproximadamente 14 mil casas foram completamente destruídas, e áreas inteiras ficaram inabitáveis por causa da radiação.
Entre os locais atingidos estava a Catedral de Urakami, uma das maiores igrejas católicas da Ásia, situada a menos de 500 metros do epicentro da explosão. O edifício foi praticamente pulverizado: seus vitrais se estilhaçaram, o altar foi consumido pelo fogo e o sino derreteu. No entanto, entre os escombros, um símbolo inesperado resistiu: a cabeça de uma estátua de madeira da Virgem Maria. Com os olhos carbonizados, o rosto escurecido e uma rachadura que atravessa a face, o objeto se tornaria um dos ícones mais poderosos da resistência à destruição e da luta pela paz.
O bombardeio nuclear em Nagasaki: foto tirada 15 minutos depois do lançamento da bomba e A Catedral Católica de Urakami reduzida a escombros
A imagem foi preservada e passou a ser exposta na nova igreja construída no mesmo local. Com o passar dos anos, ela percorreu diversos países, sendo exibida em eventos religiosos e diplomáticos. A estátua foi levada à Catedral de Saint Patrick, em Nova York, durante uma conferência da ONU sobre desarmamento nuclear, e esteve presente em cerimônias no Vaticano e em Guernica, na Espanha, conectando tragédias humanas causadas pela guerra. Tornou-se, assim, uma ferramenta de memória coletiva e de conscientização sobre os perigos das armas nucleares.
Em Nagasaki, que na época do ataque abrigava a maior comunidade cristã do Japão, cerca de 8.500 fiéis morreram na explosão ou em decorrência da radiação. Além das perdas humanas, os sobreviventes – conhecidos como hibakusha – enfrentaram sofrimento prolongado. Muitos desenvolveram doenças relacionadas à radiação, como leucemia, câncer e outras complicações. Os efeitos também foram psicológicos, deixando marcas profundas nas gerações seguintes.
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O episódio de Nagasaki muitas vezes é menos citado do que o de Hiroshima, mas sua importância histórica, simbólica e ética é igualmente relevante. A repetição do ataque atômico, com apenas três dias de intervalo, selou a rendição do Japão e o fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, também inaugurou a era do medo nuclear, marcando a humanidade com a percepção de que a destruição em massa não era mais uma possibilidade teórica, mas uma realidade concreta.
Comparando os dois bombardeios, Hiroshima sofreu mais destruição imediata por estar em terreno plano e mais densamente povoado. Lá, cerca de 70% das construções foram destruídas. Em Nagasaki, a perda foi de aproximadamente 36%, devido à geografia mais acidentada e à explosão ter ocorrido fora do Centro da cidade. Ainda assim, ambas as cidades foram quase apagadas do mapa e forçadas a iniciar uma longa jornada de reconstrução material e espiritual.
A escolha de Nagasaki como alvo não foi inicialmente planejada. O objetivo original era a cidade de Kokura, mas condições meteorológicas adversas obrigaram a mudança de rota. Nagasaki, parcialmente encoberta por nuvens naquele dia, acabou sendo escolhida com precisão limitada. Mesmo assim, os danos e as perdas humanas consolidaram o ataque como um dos momentos mais sombrios da história contemporânea.
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Hoje, tanto Hiroshima quanto Nagasaki são reconhecidas como cidades-símbolo da paz e da resistência às armas nucleares. Ambas mantêm museus e memoriais dedicados às vítimas e à educação para a paz. Em 2024, os sobreviventes dos ataques, organizados na entidade Nihon Hidankyo, receberam o Prêmio Nobel da Paz, em reconhecimento ao esforço contínuo por um mundo livre de armas atômicas.
A história de Nagasaki, seu sofrimento e sua reconstrução, permanece viva como advertência. E a estátua danificada da Virgem Maria, que sobreviveu ao inferno atômico, continua a viajar pelo mundo como testemunha silenciosa do que jamais pode se repetir.