Uma semana depois da derrota do projeto que previa gratuidade nos ônibus de Belo Horizonte, faixas fixadas em postes e muros de bairros da capital denunciam, com nomes e sobrenomes, os vereadores que assinaram o Projeto de Lei 60/2025, o chamado “PL do Busão 0800”, mas votaram contra ele no plenário da Câmara Municipal.

As imagens das faixas, recebidas pelo Estado de Minas nesta sexta-feira (10/10), mostram protestos instalados em regiões onde os parlamentares têm base eleitoral. O texto cita o nome do vereador e repete a mesma mensagem em tom de cobrança.

Até agora, há registros de manifestações contra Cleiton Xavier (MDB), Irlan Melo (Republicanos), Neném da Farmácia (Mobiliza), Rudson Paixão (Solidariedade), Tileléo (PP) e Wanderley Porto (PRD).

Além deles, outros seis signatários também mudaram de lado no momento decisivo: Arruda (Republicanos), Diego Sanches (Solidariedade), Michelly Siqueira (PRD), Janaína Cardoso (União Brasil), Leonardo Ângelo (Cidadania) e Osvaldo Lopes (Republicanos). Todos assinaram o texto que chegou ao plenário com 22 apoios, mas apenas 10 votos se mantiveram favoráveis na hora da decisão.

O resultado frustrou as expectativas da autora da proposta, a vereadora Iza Lourença (PSOL), e de movimentos sociais que defendem o transporte gratuito como instrumento de inclusão e sustentabilidade urbana. A votação, realizada na última sexta-feira (3/10), foi marcada por confusão nas galerias, gritos de protesto e suspensão da sessão por duas vezes pelo presidente da Casa, Juliano Lopes (Podemos).

A vereadora defendeu que o grupo responsável pelo projeto sempre esteve aberto a negociar ajustes e a considerar novas propostas, mas que nenhuma alternativa foi colocada em discussão. “Nós poderíamos negociar várias coisas no projeto para que tivesse mudança para o segundo turno. Colocamos esse projeto na mesa e falamos que a gente poderia negociar qualquer outra proposta que viesse. Infelizmente, não chegou nenhuma”, disse.

Derrota do “Busão 0800”

O Projeto de Lei 60/2025 foi apresentado por Iza Lourença com base em estudo técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A proposta previa a implantação gradual da Tarifa Zero até 2028, quando o contrato atual de concessão do transporte público vence e deve ser relicitado.

Pela proposta, o sistema seria custeado por um fundo municipal abastecido pela criação da Taxa do Transporte Público (TTP), cobrada de empresas a partir de dez funcionários. O valor estimado era de R$ 169 por empregado, substituindo o atual gasto com vale-transporte. Segundo o estudo, isso representaria 1,65% da folha salarial das empresas.

A ideia tinha inspiração em experiências de cidades como Maricá (RJ), onde o transporte gratuito ou parcialmente subsidiado é usado como instrumento de desenvolvimento urbano. Em Belo Horizonte, defensores do modelo apontavam benefícios econômicos e ambientais, como redução de congestionamentos, inclusão social e estímulo ao comércio local.

Mas a proposta encontrou forte resistência entre empresários e na base aliada do prefeito Álvaro Damião (União Brasil). Um levantamento da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) estimou que a nova taxa poderia gerar um impacto negativo de R$ 3,1 bilhões no faturamento das empresas e colocar em risco até 55 mil postos de trabalho.

Esses números foram amplamente explorados durante a votação, especialmente pelos parlamentares da base governista. Para eles, a Tarifa Zero era uma ideia “inviável”. Na véspera da votação, o vereador Helton Júnior (PSD), vice-líder do governo, chegou a deixar o cargo em sinal de divergência.

Após a votação, o líder da base, Bruno Miranda (PDT), comemorou o resultado como uma vitória política. “Nós conseguimos derrotar esse projeto que, na prática, era inviável. Alguém teria de pagar a conta, e ela cairia sobre quem gera emprego”, disse.

Faixas espalhadas por bairros de BH criticam vereadores que recuaram no apoio ao projeto da Tarifa Zero

Redes Sociais/Reprodução

Miranda defendeu que qualquer política de gratuidade deve envolver União, estados e municípios. “Se a gente entende que o ônibus gratuito é uma política pública, que haja financiamento tripartite. Agora, se a conta ficar só nas costas do município, a cidade vai quebrar”, afirmou.

Um dia após a sessão, o prefeito Álvaro Damião usou as redes sociais para parabenizar os vereadores que votaram contra o texto. Em tom de celebração, classificou o resultado como “um gesto de responsabilidade com as finanças públicas”. E atacou os defensores da Tarifa Zero, chamando a proposta de “irreal e eleitoreira”.

“Os vereadores não derrotaram a tarifa zero, como querem fazer crer os que iludem o povo mais simples com propostas irreais apenas com intuitos eleitoreiros”, escreveu Damião em publicação no X (antigo Twitter).

Segundo o prefeito, o município já subsidia cerca de R$ 800 milhões por ano para manter o valor da passagem em R$ 5,75, e a gratuidade total seria insustentável. Ele também afirmou ter discutido o tema com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em busca de um modelo nacional de subsídio ao transporte.

Resistência continua

Mesmo após a derrota, o grupo que defende o Tarifa Zero promete não abandonar a pauta. No domingo (5/10), dois dias depois da votação, manifestantes voltaram à Praça Sete, no Centro de BH, em um ato liderado por Iza Lourença. Cartazes e faixas coloridas tomaram a Feira Hippie, em um protesto contra a rejeição do projeto.

“Domingo tem ônibus de graça em São Paulo, tem ônibus de graça em Brasília, mas em Belo Horizonte não tem”, discursou Iza, sob aplausos. A vereadora chamou o resultado da Câmara de “chantagem política” e lamentou que, segundo ela, a Prefeitura não tenha apresentado nenhuma proposta alternativa. “Colocamos o projeto na mesa e dissemos que poderíamos negociar ajustes. Nenhuma outra ideia foi colocada em debate”, afirmou.

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Durante a sessão da última sexta, os vereadores favoráveis à proposta anunciaram que pretendem reapresentar o projeto em 2026, no início do próximo ano legislativo, já que o regimento interno da Câmara impede nova tramitação no mesmo exercício.

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