REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Paracetamol pode reduzir em até 50% a divisão celular de embriões

Estudo com 90 embriões excedentes de FIV associou o analgésico a atrasos no desenvolvimento, pior qualidade da massa celular interna e falhas de implantação

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O paracetamol, usado por até 65% das gestantes nos EUA e 50% no mundo, pode afetar de forma relevante as etapas iniciais do desenvolvimento humano. É o que aponta um estudo internacional publicado em agosto de 2025 na revista científica Human Reproduction.

O trabalho mostra que o medicamento, em concentrações equivalentes às encontradas no organismo após uma dose comum de 1 grama, foi capaz de reduzir em até 50% a velocidade de divisão celular em embriões humanos. Em alguns casos, os pesquisadores observaram que o fármaco não apenas atrasava a formação do blastocisto (embrião em início de desenvolvimento), mas também bloqueava completamente a progressão deste desenvolvimento.

Os autores destacam que esses resultados ajudam a explicar por que tantos embriões, mesmo parecendo saudáveis nos primeiros dias de cultivo, acabam não conseguindo se implantar no útero. O estudo foi conduzido por cientistas da Dinamarca, França e Estados Unidos.

O estudo

Foram analisados 90 embriões humanos excedentes de tratamentos de fertilização in vitro, além de experimentos complementares com camundongos, células humanas cultivadas em laboratório e até leveduras. Também foram coletados fluidos reprodutivos de mulheres submetidas a procedimentos clínicos em que o paracetamol foi administrado como analgésico.

Os embriões foram expostos a concentrações de 100 a 200 micromols por litro (µmol/L), uma medida de laboratório que corresponde exatamente aos níveis encontrados no sangue e nos tecidos reprodutivos após uma dose comum do medicamento, demonstrando que o cenário experimental reflete condições reais.

Os resultados foram consistentes em diferentes modelos. Nos embriões humanos, o tempo de duplicação celular praticamente dobrou, passando de 13 horas, em condições normais, para cerca de 30 horas após a exposição ao paracetamol. Além da redução do número de células, os pesquisadores observaram comprometimento da massa celular interna, região fundamental para a formação do feto.

Em experimentos com camundongos, as taxas de implantação caíram e houve aumento das perdas gestacionais. O mecanismo proposto para esses efeitos está ligado à inibição da ribonucleotídeo redutase, uma enzima essencial para a síntese de DNA, cuja atividade é fundamental para a continuidade do ciclo celular.

Os efeitos do estudo

Ao analisar o estudo, a brasileira Catherine Kuhn Jacobs, embriologista sênior e especialista em suporte clínico na América Latina do Vitrolife Group, responsável pelo laboratório Igenomix, diz que o estudo ajuda a compreender um dos grandes enigmas da reprodução assistida. “Hoje em dia, conseguimos acompanhar as divisões celulares dos embriões em seus primeiros dias através de incubadoras time-lapse, mas nem sempre conseguimos saber a razão das alterações de ritmo de desenvolvimento”, afirma.

 

A especialista comenta também que o desenvolvimento do embrião é um dos principais parâmetros na avaliação embrionária. “Seria interessante estudar a correlação dos atrasos de divisão celular com os resultados de gravidez, mas com cautela, já que muitos fatores ambientais e do próprio embrião podem afetar seu desenvolvimento”, completa.

Ainda assim, Catherine diz que o alerta é significativo quando confrontado com a realidade epidemiológica. Isso porque estima-se que entre 10% e 40% de todas as concepções fracassem ainda na fase de implantação. Metade dessas perdas está associada a causas genéticas e a outra metade pode estar relacionada a fatores uterinos ou externos, como medicamentos. O paracetamol está presente em mais de 600 formulações farmacêuticas. O analgésico agora surge como potencial agente de risco nos momentos mais críticos da reprodução.

Limitações e cautela

Os autores do estudo reconhecem limitações, como o número relativamente pequeno de embriões humanos em estágio inicial incluídos na análise. Mesmo assim, destacam que a consistência dos resultados em diferentes modelos biológicos fortalece a conclusão de que o paracetamol pode interferir na viabilidade embrionária. Ainda não existe comprovação direta de que o uso do medicamento em larga escala esteja associado a perdas gestacionais, mas os cientistas defendem que estudos clínicos prospectivos são necessários para investigar essa relação de forma definitiva.

Do ponto de vista clínico, o estudo não estabelece uma contraindicação absoluta ao uso do paracetamol em mulheres que desejam engravidar, mas reforça a necessidade de cautela e acompanhamento médico durante esse período. A possibilidade de que exposições aparentemente inofensivas possam reduzir pela metade o ritmo de desenvolvimento celular dos embriões abre espaço para repensar protocolos clínicos e estimular novos estudos.

As próximas etapas da pesquisa incluem expandir a análise em populações humanas para confirmar a associação entre o consumo do fármaco e falhas de implantação, além de verificar se os efeitos observados se estendem a outras fases cruciais do desenvolvimento, como a diferenciação dos órgãos sexuais e do cérebro.

Se confirmados em estudos mais amplos, os resultados poderão levar a uma revisão das recomendações médicas sobre o uso de paracetamol em mulheres em idade fértil, alterando um paradigma consolidado e reforçando a necessidade de cautela em torno de um dos medicamentos mais comuns e acessíveis do planeta.

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