Liberdade de expressão tem limite? Veja o que diz a Constituição
O direito à livre manifestação do pensamento é garantido, mas a própria lei estabelece regras para evitar abusos e crimes; entenda a diferença

A liberdade de expressão é um dos pilares da democracia brasileira, mas a linha que separa uma opinião de um crime pode parecer tênue.
Casos recentes envolvendo figuras públicas, como o pastor Silas Malafaia, que teve seu passaporte apreendido pela Polícia Federal em uma investigação sobre atos antidemocráticos, trazem o debate à tona.
Afinal, onde termina o direito de se manifestar e começa a responsabilidade criminal?
A resposta está na própria Constituição Federal. Embora garanta a livre manifestação do pensamento, a lei máxima do país não oferece um escudo para a prática de crimes.
O que a Constituição garante?
A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Isso significa que qualquer pessoa pode expressar suas ideias, críticas e opiniões sem precisar de autorização prévia do Estado.
A liberdade de imprensa e a expressão artística também são protegidas sob o mesmo princípio, proibindo a censura.
Essa garantia é essencial para uma sociedade plural, onde diferentes visões de mundo podem coexistir e ser debatidas abertamente. No entanto, a mesma frase que assegura a liberdade impõe a primeira condição: a identificação.
A proibição do anonimato serve justamente para que o autor de uma manifestação possa ser responsabilizado por ela, caso ultrapasse os limites legais.
A liberdade de expressão, portanto, convive com outros direitos fundamentais, como o direito à honra, à imagem e à dignidade.
Quando uma manifestação ataca esses outros direitos ou coloca em risco a segurança da coletividade e o próprio Estado Democrático de Direito, ela deixa de ser protegida pela lei e pode ser enquadrada como um ato ilícito.
Onde a opinião vira crime?
A legislação brasileira define claramente quais condutas não são amparadas pela liberdade de expressão. O Código Penal e leis específicas tipificam discursos que são considerados criminosos.
Conhecer essas definições ajuda a compreender a fronteira entre o direito de opinar e a prática de um crime.
Uma das categorias mais conhecidas são os crimes contra a honra. Eles se dividem em três tipos:
- Calúnia: Ocorre quando alguém atribui falsamente a outra pessoa a prática de um crime. Por exemplo, afirmar publicamente que um vizinho, sem provas, cometeu um roubo.
- Difamação: Consiste em espalhar fatos, mesmo que verdadeiros, que manchem a reputação de alguém. Contar em um grupo que um colega de trabalho não paga suas dívidas é um exemplo.
- Injúria: É ofender a dignidade ou o decoro de uma pessoa. Inclui xingamentos e ofensas pessoais. Quando a injúria se baseia em elementos de raça, cor, etnia ou religião, o crime se torna qualificado e mais grave.
Além dos ataques à honra individual, existem discursos que ameaçam a segurança e a ordem social. A incitação ao crime, por exemplo, é o ato de incentivar publicamente outras pessoas a cometerem uma infração.
Fazer um discurso estimulando a invasão de uma propriedade privada pode ser enquadrado neste artigo do Código Penal.
Da mesma forma, a apologia ao crime ou a um criminoso também é proibida. Trata-se de elogiar ou enaltecer um ato criminoso já ocorrido ou a pessoa que o cometeu.
A diferença é sutil: na incitação, o objetivo é que o crime aconteça; na apologia, o elogio é feito a um crime que já foi praticado.
Discurso de ódio e ataques à democracia
Um dos debates mais intensos atualmente gira em torno do discurso de ódio. Embora o termo não apareça de forma explícita na Constituição, a prática é combatida por meio de outras leis.
A Lei nº 7.716/1989, por exemplo, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, tornando o racismo um crime inafiançável e imprescritível.
Seguindo esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a homofobia e a transfobia também devem ser enquadradas como crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma lei específica para tratar do tema.
Portanto, discursos que propagam o ódio ou a discriminação contra grupos vulneráveis não são protegidos pela liberdade de expressão.
Outro limite claro diz respeito à defesa do próprio sistema democrático. O Código Penal prevê crimes contra o Estado Democrático de Direito, como tentar aboli-lo com uso de violência ou grave ameaça, ou impedir o funcionamento dos Poderes Legislativo, Judiciário ou Executivo.
Discursos que incitam um golpe de Estado ou a ruptura da ordem constitucional se enquadram nesse tipo de crime.
É responsabilidade do Poder Judiciário analisar cada caso concreto para determinar se uma fala ou publicação ultrapassou o limite da opinião e configurou um ato criminoso.
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A análise leva em conta o contexto, a intenção do autor, o alcance da mensagem e os danos que ela pode ter causado.
Em resumo, a liberdade de expressão é um direito vital, mas exercê-lo exige responsabilidade. A lei garante o direito de criticar, discordar e propor ideias, mas não o de caluniar, ameaçar, incitar a violência ou pregar o ódio.