
A Argentina que elegeu novo presidente pode ser um pa�s distante para a maioria dos brasileiros, mas n�o para ga�chos, como eu. Na minha gera��o, o “Tico-Tico” n�o chegava � minha cidade, mas o “Billiken” vinha de trem. Ainda crian�a, eu me deliciava com as aventuras de Ocalito y Tumbita, e da Fam�lia Conej�n. Ficava mais f�cil ouvir a r�dio El Mundo, porque a r�dio Nacional chegava mal. Passei a inf�ncia lendo e ouvindo em espanhol as not�cias sobre Per�n.
O “Tico-Tico” j� desapareceu, mas o Billiken e a Argentina continuam vivos e atuantes. Cobri, pelo Jornal do Brasil, a morte de Per�n e os anos de governo de sua vi�va e vice-presidente, Isabelita – e chegaram a me confundir com o noivo “de la Se�ora”. Meus novos quadrinhos eram de Mafalda, do genial Quino, e do “Inodoro Pereyra, el renegau”. Todo ga�cho � tamb�m um gaucho, o pampa nos une.
Toda essa introdu��o foi necess�ria para mostrar que mesmo convivendo bem com a Argentina, � dif�cil entender os argentinos, porque tampouco eles se entendem. A maior revolu��o argentina foi no meio do s�culo 19, sob o governo de Sarmiento. Foi um salto no ensino e uma transforma��o. N�o � por nada que eles ganharam cinco pr�mios Nobel. Temos nenhum. Essa � a causa do milagre que � a grandeza do pa�s, a despeito da pequenez de muitos de seus pol�ticos. O caudilho General Per�n separou os argentinos em peronistas e n�o peronistas. Outro general, Galtieri ainda conseguiu uni-los na invas�o das ilhas Malvinas, mas foi um fiasco.
Aqui no Brasil, os jornais dizem que a esquerda voltou ao poder. O peronismo n�o � esquerda nem direita; � populismo. Peron e Vargas s�o ideologicamente parecidos. Nacionalistas e populistas, com a��es que podem ser rotuladas ora de direita, ora de esquerda, mas s�o apenas marcas de fantasia. O que aconteceu � que Cristina Kirchner, a vice, agora ganhou a imunidade do Senado tal como aqui o Supremo busca imunidade para quem tem dinheiro para continuar apelando depois de confirmada a condena��o. Brasil e Argentina foram rivais por quatro s�culos. Depois de Sarney e Alfons�n abrirem as respectivas centrais nucleares, foi embora a desconfian�a.
Bolsonaro palpitou na campanha argentina apoiando Macri e criticando Fern�ndez. O argentino se meteu em assuntos internos do Brasil apoiando o Lula Livre ao visitar Lula. Agora, o brasileiro se recusa a cumprimentar o vitorioso porque o argentino afirmou que a pris�o de Lula � injusta, intrometendo-se no Judici�rio brasileiro. Durante a guerra, que cobri, perguntei ao presidente Figueiredo por que estava ajudando com pe�as a For�a A�rea Argentina contra a Inglaterra. Ele me respondeu que a Argentina jamais deixaria de ser nossa vizinha e que a ilha inglesa est� a 10 mil quil�metros. � um determinismo geogr�fico; estamos destinados a nos relacionar com o vizinho. Tamb�m � um determinismo econ�mico; estamos pr�ximos demais para n�o negociar uns com os outros. A gente precisa entender o tango e suas trag�dias, para entender os argentinos. E eles entenderem o esp�rito l�dico do samba, para nos aceitar. � mais pr�tico acertar.