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Estado de Minas

Dos mortos, n�o restam s� ossos. Meias de seda e couro resistem ao tempo

Ao reestruturar o t�mulo da fam�lia, a surpresa: pe�as de roupas ou cal�ados que n�o se foram com os defuntos


postado em 07/11/2019 04:00 / atualizado em 06/11/2019 16:53

 
Tradi��o de fam�lia n�o se deixa de lado. Desde menina, me lembro de ir, em 2 de novembro, ao cemit�rio de Santa Luzia, onde a parentada toda que j� se foi est� enterrada, com exce��o da baronesa Maria Alexandrina de Almeida, que, vi�va pela segunda vez, ocupa um lindo t�mulo tipo monumento, em Barra, na Bahia, onde nasceu e para onde voltou no fim da vida, levada pelo irm�o. No jazigo perp�tuo da cidade est�o enterrados meu av�, av�, tios e para conseguir abrigar todos que foram chegando foi preciso fazer uma abertura do t�mulo para colocar os restos mortais de cada um, identificados em caixas separadas.

Minha prima que mora na cidade e � a alma mater da fam�lia foi se incumbir da reestrutura��o do t�mulo e teve surpresas curiosas. Pensava encontrar, quando muito, s� os ossos dos primeiros ocupantes, e n�o foi isso o que aconteceu. Do meu av�, �lvaro Teixeira da Costa, enterrado em 1939, restava o salto de couro dos sapatos, porque na �poca os mortos iam para a outra vida bem cal�ados. Ningu�m consegue avaliar a dura��o do couro, totalmente intacto, depois de tantos anos. De minha av�, Branca de Almeida Teixeira, enterrada em 1950, outra surpresa: as meias de seda com que foi enterrada estavam intactas (outro uso que j� se foi), mas quando foram resgatadas entre os restos guardavam todos os ossos das pernas e p�s dentro. E assim foram recolhidas.

Os anos passaram e os mortos mais recentes deixaram claro o que existe de conservador, de eterno, nos tecidos modernos. Meu tio Geraldo Teixeira da Costa estava com o restante do terno esfarrapado. Mas perfeita estava a camisa, s� que totalmente sem costuras. Conservou o mesmo formato de quando foi vestida – mas n�o tinha uma s� costura, o tecido estava intacto. Esse tipo de retorno ao passado n�o tem nada de agrad�vel, acompanhar a sele��o de ossos de parentes � uma tristeza s�. O que refor�a o aumento substancial dos que escolhem a crema��o como uma maneira mais humana de terminar a vida, sem deixar para os que ficam restos que n�o acabam. Como acontece com o restante dos ossos que ocupam o jazigo perp�tuo de minha fam�lia na cidade.

Como o principal, v�rios outros familiares e parentes ocupam outros espa�os. E como a cidade cresceu muito, a entrada principal do cemit�rio transformou-se numa verdadeira feira livre, onde s�o vendidos v�rios programas de enterro em outros cemit�rios que foram criados na cidade. E mais flores naturais, salgadinhos, um caminh�o de frutas, docinhos, o movimento � grande. O que me chama muito a aten��o � o n�mero cada vez maior de flores artificiais que s�o oferecidas, todas elas feitas de massa, a maioria parecendo ter sido modelada em um s� lugar. Essas flores me remetem �s antigas coroas de flores de porcelana, ricamente montadas, que foram jogadas no fundo da igreja original, que estava caindo aos peda�os (est� conservada agora). A origem das coroas era nitidamente francesa, mas quem as recolheu das sepulturas antigas, onde deviam estar, n�o pensou ou n�o percebeu o detalhe.

Vendo aquele desmanche de t�o belas pe�as, n�o resisti. Escolhi algumas e trouxe comigo – s� que n�o podendo levar para guardar em minha casa, deixei na casa de uma amiga, que tinha me acompanhado na “excurs�o”. N�o sobrou nenhuma, um irm�o dela achou que aquela riqueza podia dar azar e jogou tudo no lixo. Como tamb�m deve ter acontecido com a quantidade que deixamos ficar na igreja, ao recolher umas poucas pe�as para conservar um pouco da hist�ria do cemit�rio. S� fico imaginando se daqui a anos e anos as flores artificiais que s�o vendidas hoje, para substituir as naturais, ter�o para os da �poca futura o mesmo encanto que as francesas tiveram para mim.

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