
Em noites de ins�nia, que n�o s�o raras, gosto de relembrar um pouco do meu passado, come�ando ainda menina, quando pulava da cama bem cedo para correr para os p�s de jabuticaba. Lembro-me de coisas boas e ruins, das prociss�es vestida de anjo, com asa e tudo. Vou passando o tempo at� chegar � Rua Piau�, onde pul�vamos amarelinha na esquina, chego ao alto da Afonso Pena, onde soltava papagaio com um primo, at� bater na Contorno, onde frequentava um campo de futebol com os primos. Ficava no canteiro em frente ao local onde hoje h� um hotel. E as matin�s dominicais no Cinema Avenida? Aqui e ali, vou reconstruindo meu passado – mas muitos detalhes das viagens internacionais se perdem na mem�ria.
Por que ser� que nos lembramos de um acontecimento, mas detalhes dele fogem � mente? Quais informa��es s�o retidas na mem�ria e quais delas se perdem? Um novo estudo, publicado em maio no peri�dico cient�fico “Nature Communications”, demonstra que nossas mem�rias se tornam menos vibrantes e detalhadas com o tempo, apenas a ess�ncia central eventualmente se preserva.
Esse trabalho pode ter implica��es em v�rias �reas, incluindo a natureza das mem�rias no transtorno de estresse p�s-traum�tico, depoimentos de testemunhas oculares e at� mesmo em pr�ticas de estudo para exames.
“Embora as mem�rias n�o sejam c�pias de carbono exatas do passado – a lembran�a � um processo altamente reconstrutivo –, especialistas sugeriram que o conte�do de uma mem�ria pode mudar cada vez que a trazemos de volta � mente”, explica Gabriel Novaes de Rezende Batistella, m�dico neurologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America. No entanto, at� agora foi dif�cil medir como nossas mem�rias diferem das experi�ncias originais e como elas se transformam ao longo do tempo.
Nesse estudo, pesquisadores desenvolveram uma tarefa computadorizada simples, medindo a rapidez com que as pessoas recuperam certas caracter�sticas das mem�rias visuais. Os participantes aprenderam pares de uma palavra-imagem e foram solicitados a se lembrar de diferentes elementos dessa imagem acompanhados pela palavra. Por exemplo, foram solicitados a indicar rapidamente se a imagem era colorida ou em escala de cinza (detalhe perceptivo), ou se mostrava um objeto animado ou inanimado (elemento sem�ntico).
“Os testes ocorreram imediatamente depois do aprendizado e tamb�m ap�s um atraso de dois dias. Os padr�es de tempo de rea��o mostraram que os participantes eram mais r�pidos em se lembrar de elementos sem�nticos significativos do que dos perceptuais superficiais” explica o m�dico.
“Muitas teorias afirmam que, com o tempo e � medida que as pessoas recontam suas hist�rias, elas tendem a esquecer detalhes superficiais, mas ret�m o conte�do sem�ntico significativo de um evento. Relembre o �ltimo jantar com seu amigo: voc� sabe exatamente o que comeu, mas n�o consegue se lembrar da decora��o da mesa”, comenta o neurologista.
Especialistas ligam esse fen�meno ao elemento sem�ntico. “O padr�o para a lembran�a de elementos sem�nticos significativos demonstrados no estudo indica que as mem�rias s�o tendenciosas para o conte�do significativo em primeiro lugar. Queremos que elas retenham as informa��es que provavelmente ser�o �teis no futuro, quando encontrarmos situa��es semelhantes”, informa o m�dico.
O “preconceito” em rela��o ao conte�do da mem�ria sem�ntica se torna mais forte com o passar do tempo e com a lembran�a repetida. Dois dias depois, quando os participantes voltaram ao laborat�rio, demoraram muito para responder �s perguntas perceptivo-detalhadas, mas mostraram mem�ria relativamente preservada do conte�do sem�ntico das imagens.
No entanto, a mudan�a de mem�rias ricas em detalhes para aquelas baseadas em conceitos foi muito menos pronunciada no grupo de indiv�duos que visualizou as imagens repetidamente.
“O estudo fornece uma ferramenta para estudar mudan�as desadaptativas, por exemplo, no transtorno de estresse p�s-traum�tico, em que os pacientes sofrem de mem�rias intrusivas e traum�ticas e tendem a generalizar excessivamente essas experi�ncias para novas situa��es. As descobertas s�o altamente relevantes para a compreens�o de como as mem�rias de testemunhas oculares podem ser influenciadas por entrevistas frequentes e por elas relembrarem repetidamente o mesmo evento”, explica Gabriel Batistella.